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Cientistas usam cones de trânsito como ferramenta de pesquisa

Ana Claudia Lira Guedes/Embrapa
Imagem: Ana Claudia Lira Guedes/Embrapa

Da Agência Embrapa de Notícias

15/01/2019 16h36

Uma técnica inusitada é capaz de medir a quantidade e a qualidade de sedimento e matéria orgânica depositados nos solos com a inundação das florestas de várzea pelas águas barrentas do rio Amazonas. Trata-se da utilização de cones de trânsito invertidos, que servem como recipientes de coleta de sedimentos e de nutrientes depositados pelas marés naquelas áreas. 

Eles se mostraram mais eficientes que outros tipos de coletores, como canos de PVC e bandejas plásticas. Quando o rio transborda e a água invade a floresta, durante a maré cheia, transporta e armazena o sedimento no interior dos coletores.

O objetivo da pesquisa é obter informações para ajudar na conservação das várzeas do estado do Amapá, onde centenas de agricultores sobrevivem do extrativismo vegetal, principalmente de açaí (fruto e palmito), andiroba e madeira. 

As várzeas são sistemas ecológicos de alta complexidade e pouco estudados, de acordo com a pesquisadora Ana Cláudia Lira Guedes, da Embrapa Amapá (AP). É ela que coordena a pesquisa que testou o método mais adequado para quantificar o aporte de sedimento que chega ao interior da floresta de várzea estuarina, proveniente da inundação pelas marés.

Segundo a cientista, as várzeas são ambientes frágeis, com origem e funcionamento ligados à deposição de sedimentos geologicamente recentes, profundamente influenciados pelos regimes de marés e de águas pluviais. 

São as chamadas planícies de inundação, planícies quaternárias e planícies aluviais. Elas criam condições para a formação de solos com bons níveis de nutrientes e estoques biológicos ainda pouco conhecidos.

A floresta de várzea constitui o segundo maior ambiente florestado da região, considerando-se estrutura, diversidade e representatividade espacial. Sua maior concentração ocorre, principalmente, em margens de rios de água barrenta, nos quais passa a ser regulada pelos regimes de marés. 

As maiores florestas de várzea do Amapá ocorrem ao longo do canal norte do rio Amazonas, adentrando pelos baixos cursos dos inúmeros rios afluentes que nele deságuam.

Avanço no conhecimento

O estudo foi realizado em uma área de 55,94 hectares de floresta de várzea estuarina, localizados no leito do rio Furo do Mazagão, no município homônimo, situado no sul do Amapá. Ana Guedes considera esse trabalho um avanço no conhecimento do rico e dinâmico ecossistema de floresta de várzea estuarina. 

"O que rege essa dinâmica são as marés responsáveis pelo transporte de sedimentos para formação do solo sob a floresta inundada, fundamental para a sua fertilidade", enfatiza ela, esclarecendo a importância da coleta dos sedimentos para entender esse tipo de vegetação.

No entanto, até o momento não havia uma metodologia adequada para quantificar o aporte de sedimentos que compõem o solo sob essas florestas. 

"Os trabalhos sobre essa temática estão mais voltados para soluções de engenharia hidráulica, ou com vistas a melhorar a gestão dos recursos hídricos", observa a pesquisadora.

Como foram os testes

Para quantificar o aporte de sedimentos pelas marés no interior de floresta de várzea estuarina foram testados três métodos de coleta: cone de trânsito invertido, com capacidade para sete litros, que teve as aberturas da extremidade de menor diâmetro fechadas com câmara de borracha de espessura de 2 mm e lacre metálico (braçadeira); um tubo de PVC de 200 mm de diâmetro (com capacidade para sete litros), que teve uma de suas extremidades isolada com um "cap" de mesmo diâmetro e cola adesiva de PVC; e uma bandeja plástica (25 cm de comprimento x 25 cm de largura x 13 cm de profundidade) com capacidade para 17 litros. O sedimento é retido pelos coletores durante a maré cheia.

A primeira das oito coletas do material de sedimento foi realizada dois dias após a instalação dos conjuntos de coletores, sendo as demais coletas sem um intervalo-padrão. 

O sedimento presente em cada coletor foi armazenado em sacos plásticos de 30 quilos, devidamente etiquetados, e transportados para a Embrapa Amapá. Lá, o material coletado (sedimento, água e material vegetal) foi levado ao galpão de recepção de amostras e depositado em baldes plástico de dez litros. 

Após lavagem e retirada do material vegetal (folhas, ramos, galhos, etc.), o sedimento foi separado por decantação e levado à estufa para determinação do peso seco.

Ao comparar a quantidade de sedimentos retidos, em função do volume dos coletores, foi observado que o cone apresentou maior média e menor variância entre as coletas. No caso do cone comparado ao tubo de PVC, houve menor influência das marés na retirada do sedimento depositado, porém sem influência significativa.

"Mas o cone apresenta como vantagens a maior altura e também sua geometria, que vai afunilando à medida que se aprofunda no solo, diminuindo a propensão da saída do sedimento previamente depositado", explica Lira Guedes.

A média geral dessa entrada foi de 20 gramas por litro, ou seja, há 2% de massa de sedimento na água barrenta do rio Furo do Mazagão, que adentrou na floresta e ficou retida na área. Com isso, sabendo a altura da maré e a área inundada, é possível estimar a sedimentação que está colaborando para a formação do solo da várzea.

Sedimentos vêm dos Andes

Compondo a paisagem do estuário do rio Amazonas, as florestas de várzea são grandes desafios para a pesquisa. Um deles é entender o grau de influência dos sedimentos, que são partículas insolúveis, de rochas, solos, vulcões, corpos químicos e orgânicos que são carreados desde a Cordilheira dos Andes, descem o Amazonas e são levados ao interior da floresta, formando o solo fértil.

Esse processo de formação do solo sedimentar ocorre graças à força das marés que compõem o fluxo das águas do rio. 

Por isso, o estuário do Amazonas é um importante ponto de monitoramento, pois substâncias presentes na bacia, mais cedo ou mais tarde, vão parar no sedimento das várzeas, que pode indicar possíveis problemas de contaminação das águas, por exemplo, com metais pesados oriundos de garimpos.

A pesquisa foi realizada como parte das atividades do Projeto Florestam - Ecologia e Manejo Florestal para Uso Múltiplo de Várzeas do Estuário Amazônico.