Por que o agro precisa incluir a saúde dos oceanos na conta da produção?
Dados científicos sobre a situação dos oceanos explicam os acontecimentos atmosféricos que levaram às enchentes no mês de maio no Rio Grande do Sul. Esta conexão entre a recuperação da biodiversidade, a saúde do ecossistema marinho e a produção agrícola foi tema na COP da Biodiversidade, na Colômbia.
Um dos papéis do oceano é regular o clima, à medida que ele absorve o calor, principalmente na zona tropical. Então, a correnteza resfria a temperatura e devolve um ar mais ameno, como um ar-condicionado. Não por acaso, o agronegócio acompanha os fenômenos El Niño e La Niña e os respectivos impactos do clima às lavouras.
A questão é que o oceano está em estado febril, conforme explica Ronaldo Christofoletti, membro do Grupo Assessor de Comunicação para a Década do Oceano da Unesco, professor do Instituto do Mar da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
Ele explica que a capacidade dos oceanos de resfriar o ar está menor, portanto, retirando menos calor da atmosfera. Junto a isso, soma-se a bolha de ar muito seco fruto do desmatamento da Amazônia e Cerrado. Logo, a umidade da Amazônia desceu pelo Centro-Oeste e Sudeste, ficando barrada na Cordilheira dos Andes, até que a umidade se concentrasse no Sul.
Em 18 meses, a temperatura das águas aqueceu o equivalente ao ocorrido nos últimos 30 anos. "Isso muda toda a dinâmica atmosférica de ventos, de massas de ar. Então, o oceano mais quente jogou mais umidade e dificultou a movimentação da bolha de ar seco que estava na região central do Brasil", esclarece Christofoletti, se referindo à época das inundações no Rio Grande do Sul.
Entender este episódio, ele diz, ajuda a provisionar o impacto à balança comercial brasileira, sobretudo para o agronegócio. Isso porque a Antártica está em suspensão de formação de gelo e o oceano mais quente joga mais umidade. Isso dificulta a previsão do clima e a condução das lavouras.
"O agronegócio passa a viver mais instabilidades, encarar uma nova realidade de quebras de safra mais constantes. As plantações precisam estar preparadas para essa instabilidade climática e os produtores devem ver a produtividade cair", estima o professor da Unifesp.
Em setembro, Ilan Goldfajn, presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), afirmou que o impacto econômico total causado pela enchente histórica no Rio Grande do Sul chegou a R$ 87 bilhões.
A CNM (Confederação Nacional dos Municípios) estima que os prejuízos específicos à agropecuária sejam superiores a R$ 5 bilhões. Os valores, no entanto, ainda podem passar por revisão, além das perdas ocultas, ou seja, aquilo que não foi possível precificar.
Entender a relação entre oceanos, produção agropecuária e segurança alimentar é fundamental para que o Brasil possa avançar nas metas de recuperação e preservação de ecossistemas, assim como atingir as Contribuições Determinadas Nacionalmente (NDCs). Afinal, isso pode guiar com mais clareza políticas públicas, a exemplo de seguros agrícolas e concessão de crédito.
*Esta matéria foi produzida com apoio da bolsa de reportagem COP16-CBD 2024, organizada pela Earth Journalism Network, da Internews.
Deixe seu comentário