Em reuniões do G20, Brasil expõe antagonismo entre agricultura e clima
Entre uma enxurrada de informações sobre as agendas simultâneas no âmbito do G20 - formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e União Europeia -, um ponto chama a atenção: o distanciamento dos compromissos que envolvem agropecuária e clima.
Enquanto 23 delegações internacionais do Grupo de Trabalho da Agricultura se reúnem sob a fumaça dos incêndios florestais da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, para discutir sistemas alimentares, a 4ª reunião da Força-Tarefa para uma Mobilização Global contra a Mudança do Clima acontece no Rio de Janeiro - nas mesmas datas.
Se o GT Agricultura prioriza tratar a segurança alimentar de forma global, abordar o futuro do alimento sem incluir um nome relevante da temática do clima é um antagonismo. Ou, ainda, falar de mobilização do clima sem incluir o alto escalão da agropecuária brasileira, setor que está ligado à mudança de uso da terra e às emissões de gases poluentes do país, também não faz sentido.
Entre as pautas do GT Agricultura estão: a sustentabilidade nos sistemas agroalimentares em seus múltiplos aspectos; a ampliação da contribuição do comércio internacional para a segurança alimentar e nutricional; o reconhecimento do papel essencial da agricultura familiar, camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais para sistemas alimentares sustentáveis, saudáveis e inclusivos; e a promoção da integração sustentável da pesca e aquicultura nas cadeias sociais locais e globais.
Apesar disso, em Mato Grosso, lideranças são recebidas em uma região tomada pelos grandes latifúndios de grãos, em que vários municípios declararam emergência por causa das queimadas, e a produção de frutas, legumes e verduras é colocada de lado a cada ano-safra.
Sem se debruçar a fundo sobre o que motiva o fogo devastar Cerrado, Pantanal e Amazônia contidos no estado, o ministro da Agricultura Carlos Fávaro e o Coordenador do GT Agricultura e secretário de Relações Internacionais do Ministério, Roberto Perosa, seguem assumindo o discurso de exemplo da agropecuária sustentável.
O contraponto vem de dentro do próprio governo, também em agenda do G20, praticamente no mesmo dia, só que no Rio de Janeiro. A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), lembrou que o Centro-Oeste chegou à umidade relativa do ar pior que a do Deserto do Saara, e enfrenta uma realidade "perversa" entre alta temperatura, baixa umidade, ventos fortes e "pessoas ateando fogo em várias regiões".
"As queimadas que estão acontecendo, cerca de 900 mil hectares são dentro de área de atividade de pecuária e agricultura. Cerca de 1,4 milhão de hectares dentro de área de pastagem e 1,1 milhão dentro de floresta", afirmou a ministra nesta quarta-feira, 11, durante a Iniciativa de Bioeconomia do G20.
Em entrevista para a coluna do UOL, Kaveh Zahedi, diretor do Escritório de Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), diz que não há como separar os desafios entre agricultura, clima e biodiversidade.
Durante a Iniciativa de Bioeconomia do G20, Zahedi conta, a agricultura foi uma parte central da conversa. A análise da ONU mostra que a segurança alimentar é um objetivo primordial para metade das estratégias nacionais de biodiversidade, o que inclui discutir segurança alimentar e nutrição.
"Os sistemas agroalimentares são vitais para fornecer os recursos biológicos necessários para a produção de produtos de base biológica que melhoram a sustentabilidade de outros setores. A bioeconomia também oferece um caminho para aumentar a sustentabilidade, a inclusão e provavelmente também a competitividade dos sistemas agroalimentares", afirma o diretor da FAO.
Na caça dos bilhões de dólares
Embora o Brasil não possa tratar a presidência do G20 como palco para interesses próprios, é notório que as reuniões bilaterais realizadas esta semana em Mato Grosso têm cunho comercial. Inclusive, o B20, vertente empresarial do G20 liderada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), encaminhou ao ministro Carlos Fávaro uma série de recomendações para uma declaração ministerial. A expectativa é que o documento tenha o aval das 20 maiores economias do mundo na sexta-feira, 13.
A carta do B20 é assinada por Gilberto Tomazoni, CEO Global da JBS, cujos fornecedores em grande parte se concentram no estado mato-grossense. Para o executivo, o mundo precisa de algo em torno de US$ 300 bilhões e US$ 350 bilhões por ano, até 2030, para transformar a produção de alimentos. Neste valor, estariam incluídos pagamentos por serviços ambientais e o incremento de tecnologias, como drones e sensores.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o embaixador e secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty, André Corrêa do Lago, a secretária Nacional de Mudança do Clima do MMA, Ana Toni, junto a outros representantes do Brasil e do G20, discutem o acesso a fundos para financiamento climático no Hemisfério Sul. Nesta ótica, o Grupo de Trabalho Finanças Sustentáveis fala em bilhões de dólares para soluções baseadas na natureza.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberAinda assim, o que se viu esta semana é a distância entre os discursos e os grupos de trabalho organizados pela presidência brasileira do G20.
No Rio de Janeiro, com representantes do Clima, falou-se da agricultura. Em Mato Grosso, com representantes do Agro, falou-se de clima. Apesar de os assuntos estarem completamente ligados, na prática, a forma de construção das agendas, inclusive geograficamente, deixa sinais ao mundo de que o Brasil trata os assuntos de forma apartada dentro de casa.
Deixe seu comentário