Embrapa lança feijão transgênico, e setor teme rejeição de consumidor
Um feijão carioca transgênico resistente à principal doença da cultura deve começar a ser plantado no país em outubro e estar na mesa do consumidor no início de 2020, segundo cronograma da Embrapa Arroz e Feijão.
O lançamento da variedade desenvolvida pelo órgão em 15 anos de pesquisa com custo aproximado de US$ 3,5 milhões, entre pesquisa, investimentos e salários, já causa discussões e divide representantes do setor, por medo de reações negativas de consumidores preocupados com segurança alimentar.
Resistente à doença mosaico dourado
A semente BRS FC401 RMD é resistente ao mosaico dourado, doença que ataca o feijoeiro comum, podendo causar perdas de 40% a 100% da produção, dependendo do grau de infestação da mosca branca, transmissora do vírus.
André Coutinho, analista e chefe-adjunto de transferência de tecnologia da Embrapa Arroz e Feijão, afirmou que a instituição vai lançar um edital simplificado nos próximos dias para escolher as empresas que vão reproduzir as sementes no inverno e vender aos produtores.
Pedaço do vírus vai no feijão, mas é seguro, diz especialista
Segundo ele, a tecnologia consiste na adição de um pequeno pedaço do vírus que vai agir como se fosse uma vacina contra o mosaico dourado, tornando a planta imune à doença. "O DNA é idêntico. É uma transgenia diferente da soja, por exemplo, e gera um alimento totalmente seguro para o consumidor."
É o primeiro produto transgênico criado pela Embrapa. No mundo, segundo Coutinho, só existe semente de feijão transgênico do tipo caupi na Nigéria. A expectativa é que a nova variedade seja plantada em áreas de grande infestação da mosca branca para elevar a produção de feijão carioca e diminuir a oscilação de preços durante o ano.
"Boa parte da oscilação se explica pela infestação da mosca, já que o produtor chega a fazer mais de uma aplicação por semana contra o inseto. Com o feijão RMD, ele pode cortar pela metade o gasto com defensivos."
Outros países querem tecnologia
Coutinho afirmou que a qualidade, aspecto e produtividade (teto médio de 3.600 kg por hectare) do RMD são compatíveis com os melhores feijões do mercado e que outros países, como a Argentina, já se interessam pela nova tecnologia. Após o plantio, a Embrapa vai fazer monitoramento de risco das lavouras por cinco anos, colhendo amostras de campo para verificar se o vírus sofre modificações.
A estimativa da empresa de pesquisa é que nas primeiras safras o feijão RMD ocupe cerca de 10 mil a 15 mil hectares no centro sul e oeste da Bahia. Neste ano, a Conab estima em 2,97 milhões de hectares a área plantada de feijão no país. O tipo carioca, que só é consumido no Brasil, responde por cerca de 70%.
Como consumidores e importadores vão reagir?
A tecnologia RMD foi aprovada em 2011 pelo CNBTBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e a variedade foi registrada no Ministério da Agricultura em 2016. No mês passado, a novidade foi discutida na Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Feijão, órgão do ministério que reúne representantes do setor.
Roberto Queiroga, presidente, disse que o órgão está muito dividido. "Compreendemos que não há risco à saúde porque confiamos na Embrapa. A discussão é sobre como será o comportamento do consumidor frente ao feijão transgênico e qual será a percepção dos nossos importadores", afirmou. O assunto deve voltar à pauta da Câmara Setorial em junho.
Pessoalmente, Queiroga, que também é diretor-executivo da Acebra (Associação das Empresas Cerealistas do Brasil), disse que acha muito difícil não trabalhar com essa solução porque o mosaico dourado é um grande problema para o produtor. Segundo ele, a Acebra é favorável ao uso da nova tecnologia porque gera melhores condições de comercialização ao agricultor e mais previsibilidade na colheita.
Marcelo Luders, presidente do Ibrafe (Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses), disse que a Embrapa está criando um factóide com o feijão transgênico. "Não somos contra a tecnologia porque no futuro pode ser a única saída, mas isso agora vai causar uma insegurança no consumidor justamente quando estamos gastando energia e recursos para incentivar o consumo de feijão, que caiu muito no país."
Segundo Luders, vegetarianos e veganos não irão consumir o grão transgênico, e as grandes empacotadoras não vão querer associar sua marca a esse feijão.
Comer transgênico pode assustar
"Não precisa, não funciona e vai criar problema para o consumidor e o produtor. Assim que for para o mercado, ONGs e entidades vão se posicionar contra o produto. Uma coisa é consumo indireto, outra é colocar feijão transgênico na comida dos filhos."
Além disso, ele afirmou que, na maior parte do ano, não há necessidade de mais feijão carioca porque a oferta é suficiente para atender o mercado, o excedente não é exportável e há uma tendência de aumento de produção com um maior número de agricultores aderindo à irrigação.
Em meio à polêmica, o Ibrafe vai recomendar aos produtores que, antes de plantar a semente transgênica, firmem contratos com empresas que vão empacotar e vender o feijão para não ficar no prejuízo.
Carlos Oberto da Costa, que planta cerca de 4.000 hectares de feijão carioca por ano em Unaí (MG), disse que a discussão entre produtores é se o feijão RMD vai trazer mais benefícios ou malefícios. "Quando fala em transgênico já existe uma barreira. Acho que o consumidor não vai saber distinguir qual é transgênico e pode diminuir o consumo."
Apesar disso, ele vai comprar as sementes para testar em sua fazenda. "Temos que acompanhar a tecnologia", declarou, acrescentando que já teve muito prejuízo por causa do mosaico.
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