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Sindicatos criticam venda de dívidas do BB, mas mercado acha tudo normal

João José Oliveira

do UOL, em São Paulo

29/07/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Banco do Brasil vendeu carteira de dívidas atrasadas ao BTG Pactual
  • Carteira somava R$ 2,9 bilhões, mas BTG pagou só R$ 371 milhões
  • Sindicatos de bancários e oposição criticam operação e dizem que BB deveria ser mais transparente
  • Vendas assim são feitas por bancos para reduzir custos de balanço e abrir espaço para novos empréstimos
  • Especialistas do mercado consideram operação normal, e BB nega qualquer irregularidade

Um negócio anunciado em 1º de julho entre o Banco do Brasil, controlado pelo governo, e o BTG Pactual, maior banco de investimentos da América Latina, está sofrendo críticas de bancários e partidos de oposição, que pedem mais transparência no caso. Já profissionais de mercado consideraram o acordo uma operação normal do setor financeiro.

O negócio envolve uma carteira de crédito do Banco do Brasil. O banco do governo vendeu ao BTG direitos sobre créditos que somam R$ 2,9 bilhões. Segundo o BB, são empréstimos concedidos e não pagos, o chamado crédito podre. Em troca, recebeu R$ 371 milhões, que entram no caixa da instituição neste terceiro trimestre de 2020.

Operação comum no mercado financeiro

Uma carteira de crédito com dívidas vencidas reúne um grupo de devedores (pessoas ou empresas) que não pagam seus débitos já há algum tempo. O banco original pode querer se livrar da dívida que não está sendo paga. Um outro banco pode comprar esses créditos para tentar receber essa dívida, com lucro.

Para isso, o valor pago na operação sempre é menor: o banco que vende fica com dinheiro na mão. O banco que compra aposta em cobrar judicialmente dos devedores e ganhar mais do que pagou.

Esse tipo de operação é comum no mercado financeiro. Bancos vendem carteira de crédito podre para reduzir custos e abrir espaço para realizar novos empréstimos.

Crédito podre atrapalha banco

Isso acontece porque quando um cliente atrasa um pagamento por mais de 90 dias, o banco que emprestou o dinheiro tem que separar uma parte de seu capital para cobrir as perdas que esses empréstimos não pagos podem provocar. É a chamada provisão de crédito de liquidação duvidosa.

No caso do Banco do Brasil, a carteira total do banco era de R$ 620 bilhões em 30 de março deste ano -último dado público divulgado. Naquela data, a taxa média de inadimplência estava em 3,17%. E para cobrir potenciais perdas, o BB tinha provisionado R$ 42 bilhões.

Ao vender R$ 2,9 bilhões de carteira de crédito (0,5% de sua carteira total) ao BTG, o banco do governo busca reduzir a quantidade de dinheiro que deixa separado para cobrir eventuais perdas, dizem profissionais de mercado. Juntando esses recursos com os R$ 371 milhões que recebeu pelo negócio, terá mais dinheiro para fazer novas operações de empréstimo, afirmam.

E por que o BTG comprou?

O BTG é um dos bancos mais ativos no Brasil na compra de carteiras de crédito vencido. A lógica do negócio é adquirir o crédito podre com um bom desconto, ir atrás dos devedores e recuperar mais dinheiro do que pagou pela operação.

Mas, para fazer isso, a instituição financeira precisa de tecnologia, pessoal e sistemas. O BTG atua nessa área desde 2009, quando comprou a Recovery, que fazia apenas esse tipo de negócio. Em 2015, o BTG vendeu essa operação ao Itaú. Mas voltou a operar nessa área no ano seguinte, ao adquirir a Enforce. "Esse é um tipo de negócio que o BTG conhece muito bem", disse o executivo de uma empresa que atua nesse mercado e é concorrente do BTG.

Mercado de R$ 700 bi antes da pandemia

Segundo profissionais que atuam nesse setor, esse tipo de operação movimentou cerca de R$ 40 bilhões em 2019. De acordo com executivos de empresas desse segmento, o estoque de ativos e créditos com problemas no País era, antes da pandemia, da ordem de R$ 700 bilhões.

Além dos bancos, grandes varejistas também recorrem a esse mercado para levantar recursos novos em troca de créditos vencidos.

Crítica de sindicatos

Representantes de bancários e integrantes de partidos de oposição afirmam que o Banco do Brasil não foi transparente nessa operação. Eles apontam que faltaram detalhes sobre quais tipos de crédito vencido foram negociados com o BTG — se para pessoas físicas ou empresas ou para o agronegócio —, além de informações mais precisas sobre, por exemplo, a inadimplência média dessas carteiras.

Desconto foi de 87%, mas é normal

Há críticas também sobre o desconto que o BTG conseguiu, de 87%.

Três analistas de corretoras que acompanham ações de bancos e que pediram para não ser identificados disseram que esse tipo de informação não costuma ser mesmo detalhado. E apontaram que o desconto obtido pelo BTG está de acordo com o que o mercado pratica.

De fato, o mercado ignorou a operação - ou ao menos não a considerou negativa, pelo menos levando em conta o desempenho das ações do BB negociadas em Bolsa.

No dia 2 de julho, as ações do Banco do Brasil subiram 0,27% - sessão na qual o Ibovespa avançou 1,2%. E, desde então, o papel acumula valorização de 6,5%, ante 8,4% do Ibovespa.

O que diz o BB

Em nota divulgada na terça-feira (28), o Banco do Brasil disse que a cessão da carteira ocorreu depois do processo de concorrência com a participação de quatro empresas especializadas neste mercado. "O cessionário escolhido foi aquele que apresentou a maior oferta de pagamento à vista e o maior percentual do rateio de prêmios futuros", disse o banco.

Sobre o valor recebido do BTG, o BB afirmou que a avaliação de riscos e a análise de vantagens econômicas do negócio contaram com o acompanhamento de consultoria externa realizada pela empresa Pricewaterhouse Coopers.