Nova lei do saneamento: o que acontece com empresa que não cumprir metas?
O novo marco regulatório do saneamento básico, que prevê abertura comercial para o setor de água e esgoto, estabelece como meta obrigatória para as empresas que assumirem os serviços, hoje nas mãos de companhias públicas, a universalização do acesso às redes de distribuição e tratamento até 2033.
"O objetivo dessa lei é ter um prestador de serviço eficiente, que faça o investimento de que o setor precisa. Se o investidor não conseguir fazer o que for preciso, a ideia é que ele não fique no mercado", afirmou Christianne Dias, presidente da Agência Nacional das Águas (ANA), órgão que passa a regular o mercado sanitário.
Metas estão longe de ser alcançadas
As metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), de 2013, preveem que 99% dos brasileiros devem ter acesso à agua encanada, e 90% a esgoto tratado num período de 20 anos a partir da assinatura do acordo. Hoje, 35 milhões de brasileiros não recebem água potável em casa, e 100 milhões de pessoas (cerca de metade da população) não têm acesso ao tratamento de esgoto, de acordo com o Instituto Trata Brasil.
O cumprimento das metas será verificado pelas agências municipais e estaduais do setor, afirma o economista Pedro Scazufca, da GO Associados, que presta consultoria para a Trata Brasil e empresas do setor.
No caso de não atingimento das metas pelas empresas, as agências devem iniciar procedimentos administrativos, eventualmente impor multas e, nos casos mais graves, encerrar os contratos ao longo da prestação do serviço.
Pedro Scazufca
Christianne diz que existe uma cláusula no marco regulatório para concessionárias que não conseguirem demonstrar viabilidade técnica. "Nesses casos, as empresas podem ganhar um prazo de mais sete anos, para universalizar até 2040", conta a representante da ANA. "Vai depender da comprovação de que não tem capacidade, de que a região não tem mesmo viabilidade para fazer até 2033", afirmou.
Para críticos, prazo é muito longo
Contrário à concessão dos serviços públicos de saneamento à iniciativa privada —ainda menos por acreditar que a pandemia do novo coronavírus desnorteou o fluxo internacional de investidores, inclusive no setor sanitário—, o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho, observa que os prazos para as metas de universalização são muito longos e não garantem que as empresas irão cumpri-los após as concessões.
"Daqui para 2040, o mundo deu muitas voltas. Já aconteceu tanta coisa, é algo tão longo, que uma cláusula dessas é inócua. Então, vale a pena não universalizar, né?", questiona o senador.
As discussões em torno do PL 4.162/2019 duraram dois anos no Congresso, e a lei foi aprovada dia 24 de junho no Senado, seguindo para sanção presidencial, com 12 vetos, entre eles o que garantia a vigência dos contratos atuais, entre empresas públicas e governos estaduais, sem necessidade de licitação até 2022.
"Não é prudente desmanchar o que existe"
"É como se desmanchasse uma coisa que já existia para criar uma coisa nova. Não é prudente. Poderia fazer esse caminho por vias mais negociadas", critica o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes), Alceu Bittencourt, à frente de 4.000 profissionais do setor.
Contrário à mudança, ele prevê a perda da autonomia dos municípios na gestão dos serviços sanitários, quebra de acordos políticos estaduais nas licitações e dificuldade de adaptação das companhias do setor.
Atualmente, apenas 6% do mercado de água e esgoto são geridos por empresas privadas, segundo a Associação Brasileira e o Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon e Sindcon).
Com a abertura comercial, o percentual deve crescer. "Vamos conviver com um modelo híbrido, por meio de parcerias público-privadas (PPPs) e concessões", prevê Scazufca, da GO Associados.
Contratos serão respeitados
"Os contratos de saneamento são originalmente de competência dos municípios. Todos os contratos regulares em vigor hoje vão ser mantidos. A nova lei respeita os contratos em vigor. Mas também estabelece metas de universalização. Esse é o principal ponto da lei. Não se poderá mais ter contratos precários e sem concorrência", comentou a secretária do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), Martha Seillier.
Segundo ela, a gestão privada deve tirar os atrasos históricos do setor, mas as metas de universalização devem ser respeitadas: "A menos que os novos contratos não sejam cumpridos, aí então os contratos antigos podem ser retomados", afirmou Martha.
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