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Com Correios privatizados, quem levaria urnas de eleição e provas do Enem?

Vinícius Pereira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

25/04/2021 04h00

Apesar da possibilidade de privatização dos Correios estar cada vez mais próxima, pontos importantes da concessão da empresa à iniciativa privada ainda permanecem desconhecidos.

Além das cartas e dos pacotes, os Correios também realizam transportes considerados sensíveis, como os de documentos sigilosos do governo, urnas eletrônicas na época das eleições, além de insumos, vacinas e remédios para locais remotos em tempos de pandemia.

Outra função que vem sendo exercida pelos Correios é a logística do Enem. Na prova do ano passado, a empresa foi responsável pela coleta de todos os malotes com as folhas de respostas e de realizar a logística reversa para a correção. Só na segunda fase, cerca de 36 mil malotes, com quase 5,5 milhões de provas, foram entregues em 1.689 municípios do Brasil, segundo a companhia.

Com a privatização, quem fará essa entrega?

Embora importante, a entrega desses itens após a privatização segue indefinida. Ainda não há sinalização por parte do governo de como irá ocorrer a substituição dos Correios pela iniciativa privada nessas entregas ou, ao menos, se a empresa privada deverá ser obrigada a manter esse serviço.

Para Mauro Roberto Schlüter, professor e especialista em logística da Universidade Presbiteriana Mackenzie de Campinas, o governo deve colocar tais necessidades em contrato.

A obrigatoriedade de distribuição para terceiros deve constar no contrato. A empresa compradora deve ser obrigada a manter a capilaridade, para garantir a entrega em todos os cantos do país.
Mauro Roberto Schlüter

É uma necessidade de segurança

Segundo Schlüter, a entrega de documentos sensíveis do governo brasileiro não deve ser lucrativa, dado a necessidade de segurança, mas é algo que a companhia que adquirir os Correios deve ser obrigada a fazer.

Transportar documentos sensíveis é um abacaxi, mas é um abacaxi que deve estar no meio de um pacote maior. A empresa [que comprar os Correios] não pode ficar só com o filé mignon. Normalmente, a segurança de sigilo de uma empresa privada é melhor que a dos Correios, então acredito que não seja um grande problema.
Mauro Roberto Schlüter

Iniciativa privada pode não dar conta

Para Emerson Marinho, diretor da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas dos Correios e Similares), apesar de a entrega de urnas eletrônicas e das provas do Enem, por exemplo, não fazerem parte do monopólio dos Correios, poucas concorrentes conseguem cumprir o exigido.

Segundo ele, para esses serviços, existe um edital e é aberta concorrência, mas as empresas particulares não têm o alcance dos Correios.

Existe a necessidade de prestação de serviço para todo o Brasil. Assim, a maioria das empresas não consegue cumprir esses critérios. Por isso, pela sua capilaridade, os Correios são basicamente os únicos a cumprir e a serem escolhidos [para entrega e de urnas e provas do Enem.
Emerson Marinho

Segundo Marinho, em relação às provas do Enem, por exemplo, o governo corre o risco de um vazamento, igual ao ocorrido em 2009. "No Enem, o MEC contratou gráficas não ligadas ao governo federal, e aconteceu o vazamento antes de a prova ser aplicada. Então, no setor privado você tem uma fragilidade maior do que dentro de uma empresa pública", afirma.

Apagão logístico

O diretor da Fentect afirma que, caso a estatal seja privatizada, o Brasil pode enfrentar um apagão logístico.

Com a complexidade geográfica e pelo tamanho do país, não temos dúvida nenhuma de que haverá um apagão na área postal. As pessoas terão grandes dificuldades de se comunicarem via postal, desde receber uma simples fatura de cartão de crédito até vacinas. Foi assim na Argentina e em Portugal.
Emerson Marinho

Para Schlüter, caso a obrigatoriedade dessas operações esteja em contrato, a iniciativa privada pode dar conta das entregas sensíveis.

O filé mignon das encomendas pode pagar esse custo. Com esse dinheiro, a empresa pode fazer uma otimização na rede operacional -que é muito ampla, muito complexa-, com a utilização de inteligência artificial para não deixar de cumprir essas exigências.
Mauro Roberto Schlüter

Ministério diz que alcance e qualidade serão garantidos

O Ministério da Economia disse que uma eventual privatização vai garantir o alcance e ainda melhorar a qualidade dos serviços dos Correios.

Segundo o ministério, os estudos realizados "abrangem todas as questões e particularidades dos atuais serviços prestados pelos Correios e buscam a melhor alternativa para a reestruturação e evolução do setor postal brasileiro".

Dentre as diretrizes centrais do estudo estão a garantia da universalização do serviço postal e da qualidade do serviço, de forma que toda a população brasileira seja atendida. Os Correios, mesmo desestatizados, continuarão com a obrigação de prestação do serviço postal universal, chegando a todos os municípios do país, mesmo aqueles em que a operação não seja superavitária.
Ministério da Economia, em nota enviada ao UOL

Os investimentos privados viabilizados pela desestatização irão fortalecer e modernizar a operação dos Correios, trazendo ainda mais segurança, confiabilidade e robustez para operações de alta criticidade e complexidade, como a da distribuição de provas dos exames nacionais de ensino, livros didáticos, urnas eletrônicas, medicamentos, entre outros.
Ministério da Economia

O projeto de lei enviado ao Congresso Nacional propõe uma cesta mínima de serviços postais que devem ser universalizados pelo operador responsável pela prestação desses serviços. Além disso, a agência reguladora que ficará responsável pela regulação do setor postal continuará estabelecendo metas de qualidade para a prestação dos serviços, como hoje já é feito pelo Ministério das Comunicações.
Ministério da Economia