Por reeleição, Bolsonaro atropela reformas, diz ex-economista-chefe da XP
As reformas econômicas do governo Bolsonaro estão sendo atropeladas por causa da preocupação com a reeleição em 2022, diz a economista Zeina Latif, diretora da Gibraltar Consultoria e ex-economista-chefe da XP Investimentos, em entrevista exclusiva ao UOL. "O problema não é ter benefícios sociais em ano de eleição, o problema é a intensidade", afirma.
Segundo ela, "o governo e aliados querem passar essa imagem de 'estamos fazendo reformas'. (...) Saiu a autorização para a privatização da Eletrobras, mas está cheia de problemas. (...) O termo 'atropelado' para a reforma tributária é perfeito. Perdeu-se o timing de fazer uma boa reforma em 2019", declarou Latif.
Ela diz que alguns números mostram melhora na economia, como o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 1,2% no primeiro trimestre, mas o país ainda está longe da recuperação.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
UOL - Ainda estamos em uma crise econômica, apesar de os indicadores apresentarem melhora?
Zeina Latif - Quando a gente olha o PIB e outros indicadores mais recentes, de fato a gente voltou ao patamar pré-pandemia. Agora, não dá para dizer que já é uma situação de normalidade porque, antes da pandemia, a gente ainda não tinha recuperado o patamar pré-crise de 2016. E a volta da economia é muito desigual.
De um lado, há trabalhadores com carteira assinada, que estão indo bem. De outro, há uma massa da população que não participa dessa festa. Uma coisa é o PIB voltar, mas isso é suficiente? Não é.
O fato de termos tido tanta displicência na educação cobra o preço. Agora corrigir é mais difícil. Vamos ter tempos ainda difíceis em desemprego.
Quais pilares precisariam ser trabalhados, então, para que o país tenha um crescimento real?
O Brasil destoa de países parecidos. Temos um ciclo econômico muito irregular, e o potencial de crescimento estrutural é baixo. A produtividade do brasileiro é 25% da produtividade do norte-americano, mas vai além disso.
A gente tem uma insegurança jurídica, que aumenta o custo Brasil. A taxa de investimento no país é mais baixa do que a de nossos pares da América Latina, de 16% contra 20%. Temos esse difícil ambiente de negócios, com legislação complexa, com regras que mudam sem critério. Isso afasta investimentos.
O esforço do Brasil para crescer agora é maior. A agenda é mais complexa, porque envolve reavaliar políticas públicas e fazer reformas. Isso exige mais sofisticação das instituições. A gente está na armadilha da renda média: conseguimos sair da pobreza, com investimento do setor público, mas essa fórmula não serve mais.
Então, a gente não consegue sair dessa situação a curto prazo?
Não, e precisamos de lideranças e agendas políticas mais ambiciosas para isso. O Brasil ficou muito tempo sem fazer reforma estrutural, e ainda tivemos retrocessos. Saímos da pandemia estruturalmente frágeis e ainda com um ambiente macroeconômico pior, mas não foi só a pandemia. A gente errou na política econômica.
Temos uma inflação acima da meta, e um Banco Central tendo de fazer um aperto mais forte dos juros. Uma coisa é subir juros, outra é ter de subir tão rapidamente porque houve problemas de calibragem da política econômica.
A impressão que a gente tem é que está tudo acontecendo ao mesmo tempo, e de forma atropelada: reforma tributária, administrativa, precatórios, privatizações. Por que esse atropelo?
O governo e aliados querem passar essa imagem de "estamos fazendo reformas". Saiu a autorização para a privatização da Eletrobras, mas está cheia de problemas.
Você desperdiçou capital político e às vezes trouxe distorções que vão custar caro lá na frente. A que preço a gente vai conseguir capitalizar a Eletrobras, e quais as consequências dos jabutis que foram colocados?
O termo "atropelado" para a reforma tributária é perfeito. Perdeu-se o timing de fazer uma boa reforma em 2019, de criar um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) nacional —isso deveria ser prioridade. Correção da tabela do IR não é reforma tributária, é ajuste.
Esse atropelo agrava a crise política?
No fundo, ele é fruto da crise política, dessa necessidade de gerar notícias. Reformas que deixam a desejar atrapalham a confiança dos agentes econômicos, a recuperação e tem implicações políticas.
Existe uma necessidade do governo de querer gerar boas manchetes de jornal, de passar uma imagem de governabilidade, de responsabilidade.
Qual o peso do governo Jair Bolsonaro nessa crise?
O governo é a crise. Era possível ter evitado esse quadro. Não existe um projeto claro de governo. Tem hora que é improviso e tem hora que é incompetência mesmo. O governo tenta se defender e, ao fazer isso, piora o quadro.
Sobre a reforma do IR: ela responde ao que precisaria ser de fato feito?
Eu ainda acho que o certo era começar pelo IVA, porque já teria impacto no setor produtivo, e eliminaria importantes distorções.
Precisa aumentar a progressividade do IR, e tem de ter alguma forma de tributar grupos que pagam poucos impostos. A gente não vê avanço, até porque não está consolidado na literatura econômica que se você reduz a tributação para pessoa jurídica e aumenta a de dividendos você vai ter crescimento econômico.
O que é melhor? A empresa distribuir menos dividendos e forçar um plano de investimento que nem é tão bom assim, ou deixar esses dividendos circularem na economia? A gente não pode olhar apenas a dinâmica da empresa, mas a dinâmica macroeconômica. Dado que se optou —o que acho equivocado —por medidas com apelo populista e político, que pelo menos se façam mudanças mais modestas e para todo mundo, sem exceção.
Muitos analistas e ex-ministros da Economia disseram que a proposta do Governo de parcelar o pagamento dos precatórios pode ser calote. Como você avalia?
A sinalização não é nada boa. Só o fato de ter tanto precatório mostra que temos um problema sério. Tem de ter uma agenda de redução de tanto contencioso. Essa discussão está casada com a insegurança jurídica do país.
Eu acho temerário de fato parcelar. Essa discussão é ruim, e por uma razão clara: é eleitoreira, é para abrir espaço no Orçamento do ano que vem.
Quais os riscos dessas medidas populistas para a economia?
O problema não é ter benefícios sociais em ano de eleição, o problema é a intensidade. A gente viu isso acontecer em 2013 e 2014, para ter a reeleição da Dilma. Estamos vendo isso de novo, ainda que de uma forma diferente, e com complacência do próprio centrão.
Precisa rever o Bolsa Família? Então vamos olhar direito o que realmente é um bom desenho. Não tem estudo, e nem nada. A regra do teto é para trazer previsibilidade para as contas públicas, e isso está sendo jogado fora. Estamos tendo um retrocesso institucional.
Não se pode brincar com equilíbrio de contas públicas, porque na hora que essas contas começam a impactar o ambiente macroeconômico, são as camadas mais pobres que vão sofrer. É fácil anunciar programa, mas isso não é justificativa para descuidar do desenho desses programas.
O ministro Paulo Guedes tem perdido crédito no mercado. Em que ponto ele falhou?
A missão do Paulo Guedes, além de garantir bons desenhos nas políticas econômicas, era convencer vários grupos do governo sobre a necessidade da disciplina fiscal e mostrar os caminhos. Nesse aspecto, ele não foi bem-sucedido.
O governo vai entregar [em 2022] um quadro pior do que recebeu, independentemente da pandemia. Nesse aspecto, realmente, não é sem razão a erosão da credibilidade dele junto a agentes de mercado.
Qual deveria ser a agenda nesse momento?
Existe um projeto para a reeleição, mas não tem um projeto de governo para o bem comum. Só o fato de mandar um monte de coisa para o Congresso sem ter mais amadurecimento técnico e político já diz muito.
A vacinação está avançando, e saímos das trevas que foi ano passado, mas não existe cuidado em muitos temas, como educação e segurança jurídica. Não ter avançado na agenda de educação é um vexame. Esse é o ponto mais grave.
Com eleições, 2022 promete ser um ano muito instável. O que podemos esperar?
O mercado é pragmático, e vai dar o benefício da dúvida para quem ganhar a eleição. Faz sentido os candidatos terem um discurso responsável na economia. Na campanha de 2018, o Bolsonaro abraçou o Paulo Guedes exatamente por isso.
Em um contexto com Bolsonaro competitivo, ele vai precisar ter esse cuidado, ainda mais com Paulo Guedes sem a mesma credibilidade que ele tinha em 2018. A economia, que ficou muito de lado na última campanha, volta com muito mais força.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.