Faltam água e luz no Brasil; veja quais os setores mais gastadores do país
Indústria e agricultura são os setores que mais gastam energia elétrica e água no Brasil, respectivamente. Os dados são da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), ambas ligadas ao governo federal.
A falta de chuvas baixou o nível dos reservatórios de hidrelétricas e provocou o acionamento de usinas térmicas, que são mais caras. Com isso, a conta de luz aumentou, provocando um efeito dominó no preço de diversos produtos e serviços. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que, mesmo que a situação seja crítica, usos mais eficientes desses dois recursos —água e energia elétrica— poderiam tornar a situação mais confortável, minimizando o problema da seca.
Indústria e residências lideram consumo de energia
Os dados da EPE apontam que, entre agosto de 2020 e agosto de 2021, a indústria respondeu por 36% do consumo de energia elétrica (194,3 milhões de MWh). O consumo residencial também é um dos mais significativos (30%, ou 163,5 milhões de MWh).
Considerando as regiões do país, a maior parte do consumo (49% ou 263,4 milhões de MWh) está concentrada no Sudeste. A região é a mais populosa do país (89,6 milhões de habitantes, segundo estimativa do IBGE divulgada em agosto), e também responde pela maior parte da produção industrial.
Segundo dados da CNI (Confederação Nacional da Indústria) referentes a 2018, 29,8% do PIB (Produto Interno Bruto) produzido na indústria se concentra em São Paulo; 10,9% em Minas Gerais; e 11,4% no Rio de Janeiro.
Equipamentos ineficientes
Frederico Rocha de Araújo, presidente da Abesco (Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia), afirma que equipamentos obsoletos usados em fábricas são ineficientes e consomem muita energia. Por isso, segundo ele, há um "desperdício altíssimo".
E isso não acontece só na indústria, mas também no comércio e no setor de serviços. O Brasil desperdiça muito. Na indústria, uma das questões que travam a busca por eficiência energética é o receio de alterar processos produtivos. [As empresas] querem se manter na zona de conforto.
Frederico de Araújo, da Abesco
Além de equipamentos ineficientes, outro problema do país é a falta de cultura de economia, de acordo com Araújo. Isso acontece não só com os grandes consumidores, mas também em residências, com hábitos como deixar a luz acesa ou usar o ar condicionado em ambientes com portas e janelas abertas.
O Brasil deveria ter um conjunto de índices mínimos de eficiência energética, tanto na indústria, no comércio e nos serviços quanto nas edificações.
Frederico de Araújo, da Abesco
Segundo ele, as perdas de energia no país representam o equivalente a um grande reservatório.
Indústria é eficiente, diz associação
Paulo Pedrosa, presidente da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), diz que as empresas são eficientes e reclama do preço da energia elétrica no Brasil. Segundo ele, é um dos mais altos do mundo.
Temos dificuldade porque muitas vezes o produto importado chega mais barato aqui justamente porque foi produzido com energia mais barata. Se a indústria não tivesse cuidado na sua maneira de consumir energia, não teria sobrevivido nesse cenário.
Paulo Pedrosa, da Abrace
A Abrace representa 55 grupos industriais de setores diversos, como chocolates, automóveis, vidro e minério. A entidade defende que um encargo que já é embutido na conta de luz, destinado a pesquisa, desenvolvimento e eficiência energética, seja devolvido ao consumidor como forma de incentivo à economia.
É claro que há onde avançar, mas quem não tem eficiência energética não continua produzindo.
Paulo Pedrosa, da Abrace
Procurada, a CNI não quis comentar.
Irrigação consome mais
No caso da água, quase metade do volume retirado de bacias hidrográficas vai para a irrigação de lavouras, segundo os dados mais recentes da ANA, de 2019.
Se considerada a diferença entre o volume de água retirado e o que retorna aos rios, a participação da agricultura aumenta ainda mais: a irrigação responde por 66,1% do consumo. No caso do abastecimento urbano, parte do que é retirado volta aos rios como esgoto.
Arroz, tomate e feijão dependem de irrigação
Segundo a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), em média 40% dos alimentos produzidos no Brasil vêm de áreas irrigadas, mesmo que essas lavouras representem menos de 10% da área plantada do país.
O método de irrigação utilizado depende do tipo de cultivo, da área plantada e também do dinheiro que o produtor pode investir no sistema.
De acordo com a CNA, são irrigados 100% do tomate usado na indústria; 100% da terceira safra de feijão; 90% do arroz; e 30% do café.
Jordana Girardello, assessora técnica da CNA, diz que o método de aspersão com pivô central, que simula uma chuva tradicional, custa entre R$ 10 mil e R$ 12 mil por hectare, em média. O método de gotejamento, que distribui a água diretamente na raiz da planta, custa bem mais, R$ 24 mil por hectare.
Segundo ela, como os custos são altos, os produtores já trabalham de forma eficiente, "mas sempre há o que melhorar".
Hoje uma irrigação ineficiente significa um custo extremamente elevado, considerando o alto preço da energia elétrica e pelo uso da água. Como as contas são muito justas e não há previsão para erros, qualquer lâmina d'água aplicada sem necessidade pode significar perda de receita do produtor.
Jordana Giardello, da CNA
Abastecimento urbano também tem desperdício
Mesmo que não responda pela maior parte da água retirada dos rios, o abastecimento urbano tem alto desperdício. Segundo o Trata Brasil, em média 39% da água tratada é perdida na distribuição, antes de chegar às casas, principalmente por causa de vazamentos nas tubulações.
A perda de água existe no mundo todo, nunca é possível transportar 100% da água. Mas esse número é absurdo. Em países desenvolvidos a perda fica entre 10% e 15%.
Édison Carlos, presidente executivo do Trata Brasil
Ele cita outros mecanismos que evitariam desperdício, como equipamentos que adequam a pressão da água nas tubulações de acordo com o volume utilizado, e também formas de reúso da água, como o tratamento do esgoto.
Mesmo fazendo um esforço gigantesco para tornar o consumo humano mais eficiente, o impacto vai ser menor do que se isso for feito na agricultura. Como a água é uma só, todo mundo disputa, e todos deveriam fazer um esforço para que a gente não passe, no futuro, por crises hídricas tão severas.
Édison Carlos, do Trata Brasil
Água é desperdiçada porque é barata
Edson Gonçalves, coordenador do MBA em saneamento da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pesquisador do Ceri (Centro de Estudos em Regulação em Infraestrutura, também da FGV), afirma que o problema do Brasil na produção de energia é estrutural, e que só não é mais grave porque a economia não tem crescido.
A verdade é que o país nunca atacou o lado da demanda para valer. É preciso haver um incentivo adequado para que a gente tenha um consumo mais eficiente.
Edson Gonçalves, da FGV
O pesquisador diz que o país precisa encontrar mecanismos que resolvam conflitos para o uso de recursos hídricos, já que a água dos rios é destinada a vários usos, inclusive a produção de energia.
Um dos problemas, de acordo com Gonçalves, é o valor muito baixo cobrado pelo uso da água que estimula o desperdício.
Em estados dos EUA e países como a Austrália, uma parte da água é garantida para o consumo humano, e a outra é leiloada para empresas e usuários. É uma das alternativas, já que o sistema que temos hoje não ataca o desperdício.
Edson Gonçalves, da FGV
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