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Seca paralisa hidrovia e provoca demissão de mais de 400 funcionários

Giulia Fontes

Do UOL, em São Paulo

11/11/2021 04h00

Mais de 400 pessoas que trabalhavam em empresas de transporte de carga na hidrovia Tietê-Paraná foram demitidas em 2021 por causa da seca. O dado é do Sindasp (Sindicato dos Armadores de Navegação Fluvial do Estado de São Paulo), que representa as empresas.

Segundo Luizio Rizzo Rocha, presidente da entidade, o número inclui funcionários que trabalhavam em terra e embarcados. Ele afirma que a hidrovia ainda emprega 1.500 pessoas, entre postos diretos e indiretos. A manutenção desses postos de trabalho, diz Rocha, depende da chuva.

Vai depender muito do nível do rio, se vai subir ou não. Se não houver perspectiva de volta das operações em janeiro e fevereiro, certamente as empresas vão demitir todo mundo.
Luizio Rizzo Rocha, do Sindasp

Geração de energia e navegação

A hidrovia passa pelos estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. É importante para o escoamento da produção agrícola.

Osmar da Silva, que preside o Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Fluvial do Estado de São Paulo, afirma que, além da falta de chuva, outro problema para a operação da hidrovia é a prioridade dada à geração de energia.

Por causa da seca, em junho a ANA (Agência Nacional de Águas) declarou situação crítica de escassez na bacia hidrográfica do Paraná até 30 de novembro.

A Agência tem liberdade para definir regras de operação temporárias em reservatórios de hidrelétricas, com o objetivo de preservar o volume de água armazenado para a geração de energia.

Com essa seca, não há profundidade mínima para a navegação. O transporte fica inviabilizado, e as empresas têm que dispensar funcionários.
Osmar da Silva, do sindicato dos trabalhadores

Francisco Catarino, consultor que trabalhou por mais de 30 anos em hidrovias, afirma que a grande complicação da hidrovia Tietê-Paraná é o conflito com a necessidade de geração de energia.

Segundo ele, porém, poderia haver "uma perfeita harmonia" se fossem feitas obras de dragagem e retirada de pedras.

As empresas de navegação vêm adquirindo embarcações para operar em águas mais rasas, mas chega em um ponto que não dá mais.
Francisco Catarino, consultor

Empresa fecha e demite todos

Uma das empresas que demitiram funcionários foi a ADM Sartco. Segundo Silva, a empresa mandou embora todos os 70 empregados porque encerrou as operações na região.

Em nota enviada ao UOL, a ADM Sartco confirmou que as unidades de São Simão (GO), Santa Maria da Serra (SP) e Pederneiras (SP), deixaram de funcionar no final de setembro.

A empresa afirmou que a decisão "foi tomada por motivos inerentes à operação e competitividade, aliada aos episódios de seca", e que está em negociação com sindicatos locais para ressarcir os colaboradores com "todas as garantias previstas em lei".

Funcionários demitidos buscam outras regiões

André Prado foi um dos funcionários demitidos pela ADM Sartco. Ele atua no setor de navegação desde 1995 e é comandante de embarcações há pelo menos 15 anos.

Prado declara que o escoamento de cargas pelo rio vem diminuindo desde 2014, quando a hidrovia ficou parada por causa da falta de chuvas. Com a seca, empresas e produtores acabaram priorizando o transporte por trem.

Pai de dois filhos, Prado ficou 30 dias desempregado. Na semana passada, o comandante conseguiu uma nova ocupação em Rio Bonito (SP), em um porto de areia. O trabalho não é de transporte de cargas, mas sim de retirada de areia do leito do rio para uso na construção civil.

O que eu vejo é que muitos colegas estão se mudando para outros lugares, como Manaus (AM), ou arrumando emprego em outras atividades.
André Prado, comandante

Empresas pedem obra para aprofundar leito do rio

Luizio Rocha, do Sindasp, afirma que as empresas de navegação estão em contato com o governo para monitorar a situação. Uma das demandas é a finalização de uma obra que vai retirar pedras do leito do rio na região de Nova Avanhandava (SP), o que aumentará a profundidade para navegação.

A obra foi autorizada pelo então Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil em 2017, durante o governo de Michel Temer, mas está paralisada desde 2019. "Se a obra estivesse pronta a gente estaria navegando", afirma Rocha.

Em nota, o Ministério da Infraestrutura (que assumiu as tarefas do ex-MInistério dos Transportes) afirmou que a obra está parada porque o Departamento Hidroviário de São Paulo, do governo estadual, atualizou o projeto, mas os estudos apresentados "se mostraram insuficientes e incompletos". Os ajustes, segundo o ministério foram entregues somente em 8 de outubro deste ano.

Ainda de acordo com o ministério, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) trabalha na análise do novo orçamento apresentado para viabilizar a contratação do que resta da obra.

"A necessidade de revisar o projeto de engenharia se deve à indefinição quanto ao nível do rio Tietê pelas sucessivas crises hídricas", afirmou o órgão. A previsão é de que a licitação ocorra ainda em 2021, para que as obras se iniciem no primeiro semestre de 2022.

A Secretaria de Logística e Transportes do governo de São Paulo, à qual o Departamento Hidroviário é vinculado, afirmou que enviou o documento ao DNIT no prazo solicitado. Segundo a secretaria, a obra está parada porque o governo federal não repassou os R$ 320 milhões previstos.