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Corrupção, impostos e meio ambiente são desafios para Brasil entrar na OCDE

Processo para que o Brasil entre na OCDE pode levar anos - Reprodução/Flickr OCDE
Processo para que o Brasil entre na OCDE pode levar anos Imagem: Reprodução/Flickr OCDE

Giulia Fontes

Do UOL, em São Paulo

09/02/2022 04h00

O Brasil foi convidado para iniciar o processo de entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Mas isso não significa que a adesão ao grupo —conhecido como "clube dos ricos" —seja rápida ou sem dificuldades. Segundo especialistas, ao menos três áreas devem ser desafios para o país: meio ambiente, combate à corrupção e sistema de impostos.

Para de fato fazer parte da instituição, o Brasil precisa passar por um processo técnico e político. De um lado, é necessário que o país se adeque a políticas da OCDE em diversas áreas. Levantamento feito pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostra que o país está mais avançado nas áreas de agricultura, anticorrupção e integridade e indústria e serviços (veja abaixo). Mas só aderir às regras não basta: há requisitos que a OCDE exige que não estão necessariamente descritos em documentos.

Além disso, o Brasil precisará ter aprovação dos demais membros da OCDE, o que passa por um processo de negociação. Hoje, a OCDE é composta por 38 países, entre eles França, EUA e Reino Unido.

A própria organização afirma que cada país tem seu próprio processo de adesão, e não define um prazo para que a avaliação seja concluída. A Colômbia, por exemplo, entrou na organização em 2020 após sete anos de tratativas.

Brasil sai na frente

Especialistas apontam que o Brasil já iniciou o processo em uma posição privilegiada: levantamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostra que o país já aderiu a 104 dos 251 instrumentos necessários. Os instrumentos são documentos em que as orientações da OCDE estão descritas. O número de adesões do Brasil é o dobro do que o da Argentina, que também quer fazer parte da organização.

Constanza Negri, gerente de Comércio Exterior da CNI, afirma que o fato de o Brasil ainda não ter aderido a 147 instrumentos não significa que o país não tenha feito nenhum movimento para cumprir os requisitos descritos nos documentos.

"Com certeza há muitos em que o Brasil já pediu a adesão. Mas quando o país pede para aderir, há uma avaliação de um comitê. Por isso é quase impossível ter uma fotografia precisa", afirma.

O que o Brasil já fez

Veja abaixo a quantos instrumentos da OCDE o Brasil aderiu em cada uma das áreas exigidas. A lista mostra da melhor situação para a pior, em termos percentuais. Um mesmo instrumento pode fazer referência a mais de uma área —por isso, o total é superior a 251 itens.

  • Agricultura e alimentação: 6 de 7 (85,7%)
  • Anticorrupção e integridade: 15 de 20 (75%)
  • Indústria e Serviços: 24 de 34 (70,5%)
  • Ciência e Tecnologia: 24 de 35 (68,5%)
  • Finanças e Investimento: 28 de 44 (63,6%)
  • Comércio: 13 de 22 (59,1%)
  • Tributação: 13 de 23 (56,5%)
  • Governança: 34 de 70 (48,5%)
  • Desenvolvimento rural, urbano e regional: 2 de 5 (40%)
  • Educação: 3 de 8 (37,5%)
  • Desenvolvimento: 3 de 15 (20%)
  • Meio ambiente: 7 de 71 (9,85%)
  • Energia nuclear: 0 de 12 (0%)
  • Energia: 0 de 6 (0%)
  • Transporte: 0 de 5 (0%)
  • Trabalho: 0 de 4 (0%)
  • Questões sociais, migração e saúde: 0 de 2 (0%)

Fonte: CNI

A lista acima não significa que os itens mais fáceis de cumprir serão os primeiros nem que os mais difíceis serão os últimos. Há outros fatores a considerar, como avaliação política da situação.

Negociação depende de cada país

Agora, a OCDE deve escolher algumas áreas temáticas e fazer um raio x da atuação do país. Segundo Negri, aderir a todos os instrumentos não é necessariamente suficiente.

A avaliação não vai ocorrer [só] sobre número de instrumentos [com adesão], e sim sobre as expectativas dos países membros da OCDE em relação ao Brasil. [É um processo] que depende muito de cada país, não é definido. É uma negociação.
Constanza Negri, da CNI

Questões técnicas e de credibilidade

Na semana passada, empresários brasileiros estiveram em um encontro com o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, com o objetivo de entender como o país poderia agilizar sua entrada na organização. A reunião foi intermediada pela ICC (Câmara de Comércio Internacional).

Gabriella Dorlhiac, diretora-executiva da ICC Brasil, esteve no encontro, e afirma que a avaliação de Cormann sobre a entrada do Brasil na OCDE foi positiva. "Na visão dele, o Brasil já está bem avançado na adesão dos instrumentos, não está começando do zero", diz.

Para Dorlhiac, três aspectos devem ser os mais desafiadores para o país, por questões diferentes.

O primeiro é o sistema tributário do país. Segundo a diretora da ICC, a cobrança de impostos no Brasil é "um emaranhado" que está "completamente fora" do que é praticado em outros países. O problema não é só a complexidade, que acaba tomando tempo e dinheiro das empresas, mas também a falta de previsibilidade —as normas mudam muito rápido —e o alto número de processos judiciais.

Os outros dois aspectos —medidas de combate à corrupção e de proteção ao meio ambiente —envolvem mais credibilidade do que mudanças técnicas. Ou seja, o Brasil precisa mostrar que está comprometido a buscar boas práticas nas duas áreas.

Assumir compromissos é importante, mas mais importante é mostrar como vai fazer isso. Na próxima COP [Conferência do Clima], por exemplo, o Brasil vai ter que mostrar o quanto fez [em relação a compromissos ambientais].
Gabriella Dorlhiac, da ICC Brasil

Meio ambiente e direitos humanos

Para Júlia Neiva, coordenadora do programa de defesa dos direitos socioambientais da ONG Conectas Direitos Humanos, o Brasil "precisa fazer mais" não só nessas áreas, mas também em questões relacionadas aos direitos humanos.

O que percebemos é que o Brasil tem demonstrado complacência com o desmantelamento de políticas que deveriam proteger direitos humanos, ambientais e trabalhistas. Ao colocar em risco a proteção do meio ambiente, por exemplo, o país também prejudica a proteção de povos indígenas e quilombolas.
Júlia Neiva, da Conectas

Segundo Fernando Ribeiro Leite, professor de macroeconomia do Insper, a entrada do Brasil na OCDE passa mais por uma "carta de intenções" para alinhamento aos valores da organização, como defesa das liberdades individuais, democracia e preservação do meio ambiente.

"Especialmente na questão ambiental, as ações documentadas [no governo Bolsonaro] vão no sentido contrário a essa carta de intenções", diz Leite.

Governo diz que Brasil avança nos temas

O UOL pediu um posicionamento à Presidência da República e aos ministérios do Meio Ambiente e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos em relação às críticas. O governo respondeu por meio de nota, encaminhada pela Casa Civil.

Segundo o texto, o convite feito pela OCDE para o início das discussões sobre a entrada do Brasil na organização "comprova a expressiva convergência do Brasil aos padrões" da entidade.

Sobre questões de direitos humanos, a Casa Civil afirma que o Brasil já aderiu a instrumentos relacionados a crescimento inclusivo e combate à desigualdade. "Exemplo da convergência brasileira nessa temática está na recente adesão a instrumento sobre proteção de crianças e adolescentes no ambiente virtual", completa a nota.

A respeito das questões ambientais, a Casa Civil diz que o país "está alinhado a importantes instrumentos da OCDE", como uma recomendação sobre a criação e implementação de registros de emissões e transferências de poluentes.

Eleições podem interferir

Leonardo Paz Neves, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV (Fundação Getulio Vargas), diz que questões políticas dentro do Brasil também podem interferir no processo.

Ele afirma que a ideia de que entrar na OCDE é algo benéfico para o país não é compartilhada por todos os partidos. Por isso, dependendo de quem vencer as eleições presidenciais deste ano, a adequação às normas da organização pode ser, ou não, uma prioridade.