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Maior endividamento em 17 anos e juro recorde em 5 anos ampliam calotes

Maiores juros desde 2017 pegam economia no momento em que endividamento é recorde - Getty Images/iStockphoto
Maiores juros desde 2017 pegam economia no momento em que endividamento é recorde Imagem: Getty Images/iStockphoto

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

11/02/2022 04h00

Resumo da notícia

  • Indicadores de endividamento da economia brasileira são os piores desde 2005
  • Aumento de juros, que deve continuar em 2022, vai encarecer ainda mais os empréstimos
  • Segundo economistas, crédito vai desacelerar, e inadimplência deve crescer este ano

A maior taxa básica de juros do país em cinco anos e um endividamento recorde em 17 anos dificultam a vida dos devedores e ampliam os calotes. Também há o desemprego para complicar. Esse ambiente é perigoso para os endividados do país, afirmam economistas.

O cenário para este ano é de piora do quadro, com desaceleração na oferta de crédito, continuidade do aumento dos juros, piora da inadimplência e aumento do universo de endividados, apontam economistas do mercado e universidades. Um quadro que só deve começar a melhorar a partir de 2023, dizem os especialistas ouvidos pelo UOL.

Como juros em alta afetam endividados

A taxa básica de juros, a Selic, referência da grande maioria dos empréstimos tomados por famílias e empresas no país, saiu de 2%, em março do ano passado, para 10,75%, este mês. É a mais elevada desde maio de 2017.

Por causa desse avanço, a taxa média paga pelas pessoas nos empréstimos aumentou de 37,2% para 45,1% ao longo do ano passado. E deve seguir subindo.

Isso porque o Banco Central já avisou que vai aumentar a Selic novamente. O mercado projeta que a taxa básica suba até 11,75%, pelo menos. Então, a expectativa dos economistas é a de que os empréstimos ficarão ainda mais caros ao longo deste ano.

Quem já tem dívidas vai continuar pagando as parcelas de acordo com os juros passados porque a grande maioria dos financiamentos no país são feitos com taxas prefixadas. Mas o aumento dos juros afeta a vida dos endividados porque dificulta a tomada de novos empréstimos ou a renegociação de dívidas dos que não estão conseguindo dar conta do compromisso.

Taxa média de juros pessoas físicas (dados do Banco Central)

  • Dez.2019: 46,2%
  • Jun.2020: 41,4%
  • Dez.2020: 37,2%
  • Jun.2021: 39,8%
  • Dez.2021: 45,1%

Toda vez que Selic aumenta, outras taxas de juros do mercado aumentam também e isso encarece os empréstimos. Consequentemente, espera-se um volume menor de transações para o ano.
Renan Pieri, economista da Eesp/FGV

Renan Pieri, doutor pela Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (Eesp/FGV), destaca que as famílias têm maior dificuldade para acessar crédito que as empresas, já que as companhias têm mais opções para levantar capital ou renegociar dívidas. "Mas o aumento da Selic acaba afetando todos", diz Pieri.

O economista da Boa Vista (antiga SCPC - Serviço Central de Proteção ao Crédito), Flavio Calife, diz que 2022 tende a ser um ano ainda delicado para o nível de endividamento e, por isso, o consumidor deve se manter mais cauteloso e criterioso nos gastos.

Junto com a Selic, o spread também pode subir ainda mais, elevando os juros finais ao consumidor.
Flavio Calife, economista da Boa Vista

Nível recorde de endividados

Segundo o Banco Central, o percentual de famílias endividadas subiu de 44% em 2020 para 51,2% em outubro do ano passado (dado público mais recente), o mais elevado em 17 anos, desde 2005, quando o levantamento começou a ser feito. Essas famílias já estão comprometendo, em média, 28% da renda apenas para pagamento de dívidas.

Com a crise econômica provocada pela pandemia, o desemprego e o aumento da inflação, as famílias estão tomando crédito para complementar a renda. E este ano, as pessoas vão continuar precisando de crédito, mas agora terão que enfrentar juros mais elevados.
Izis Ferreira, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)

Famílias sem condições de pagar dívidas

A economista Izis Ferreira é responsável pela Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) que a CNC faz desde 2010, com 18 mil famílias de todo o país. Os dados de 2021 mostraram que, na média, ao longo do ano, a proporção de endividados alcançou o patamar máximo histórico de 70,9% das famílias, contra 66,5% em 2020.

Famílias endividadas (média anual)

  • 2016: 60,2%
  • 2017: 60,8%
  • 2018: 60,3%
  • 2019: 63,5%
  • 2020: 66,5%
  • 2021: 70,9%

Dentro desse universo, a proporção de famílias que têm contas em atraso é de 25,2%. Uma parcela de 10,5% dessas pessoas afirma que simplesmente não tem como saldar as pendências. Ou seja, devem mais do que a renda que recebem.

"O endividamento deve continuar atingido mais de 70% das famílias este ano. E a inadimplência deve crescer. Os bancos terão que buscar o caminho da renegociação", afirma a economista da CNC.

Inadimplência deve subir

Renan Pieri também vê aumento da inadimplência este ano por causa dos juros mais elevados, que encarecem os empréstimos de um lado, e da perspectiva de menor crescimento econômico, de outro, que afeta a renda das famílias e, portanto, a capacidade de pagamento dos tomadores de crédito.

Temos um prato cheio para um nível maior de inadimplência este ano.
Renan Pieri, economista da FGV EAESP

O economista Roberto Troster, sócio fundador da Troster & Associados, e especialista em setor bancário, destaca que além da inflação, que já reduz renda das pessoas, os juros mais altos também reduzem capacidade de pagamento das famílias.

O problema não é apenas o volume da dívida, mas a má qualidade do endividamento, por causa das taxas, dos prazos e das condições de renovação. Considerando isso tudo, a inadimplência, que já está crescendo, vai continuar aumentando.
Roberto Troster, Troster & Associados

Comprometimento da renda com dívidas (dados do Banco Central)

  • 2019: 21,9%
  • 2020: 22,3%
  • 2021: 25,6% (até outubro)

Inadimplência pessoas físicas (Banco Central)

  • 2019: 3,6%
  • 2020: 3,4%
  • 2021: 3,3%

Desaceleração da oferta de crédito

A combinação de juros mais elevados e inadimplência em alta deve afetar o crédito este ano. As duas principais entidades que representam instituições financeiras no país projetam desaceleração do crescimento da oferta de empréstimos em 2022.

Levantamento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com 18 bancos aponta que o total de crédito este ano vai crescer 6,7% ante 2021, menos que em 2021, quando o estoque dos empréstimos cresceu 13,9%, e menos ainda que em 2020, quando a expansão fora de 16,8%.

A Associação Brasileira dos Bancos (ABBC), que reúne, além de bancos, também financeiras, cooperativas, instituições de pagamento e fintechs, projeta crescimento de 8,9% do crédito no país este ano —também abaixo do ritmo apurado em 2021.

O economista Everton Pinheiro de Souza Gonçalves, superintendente da assessoria econômica da ABBC, destaca que o estoque de crédito tem subido puxado pelos empréstimos para as pessoas físicas, mas que essa tendência vai ser afetada pelo nível do endividamento das famílias e pelo risco de aumento da inadimplência.

O endividamento está chegando a níveis recordes em um momento crítico por causa dos juros mais elevados, do nível de renda estagnado da população. Isso pode ter impacto na inadimplência e no volume de transações.
Everton Pinheiro de Souza Gonçalves, economista da ABBC

Para 2022, de fato, a tendência é de alta da inadimplência. No entanto, a expectativa é de uma normalização para um patamar próximo ao observado no período pré-pandemia, de cerca de 3,0% para a carteira total do Sistema Financeiro Nacional, e não de uma alta substancial que possa comprometer a estabilidade do sistema ou o crescimento saudável do crédito.
Luiz Castelli, economista sênior da Febraban