Logo Pagbenk Seu dinheiro rende mais
Topo

É certo dizer que a gasolina está mais cara agora do que no governo Dilma?

Críticos a Bolsonaro têm comparado os preços dos combustíveis agora com os praticados no governo Dilma - Adriano Machado/Reuters e Reprodução/Instagram
Críticos a Bolsonaro têm comparado os preços dos combustíveis agora com os praticados no governo Dilma Imagem: Adriano Machado/Reuters e Reprodução/Instagram

Anaís Motta

Do UOL, em São Paulo

22/03/2022 04h00Atualizada em 22/03/2022 11h09

Depois que a Petrobras anunciou um novo aumento nos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha (GLP), críticos e políticos opositores ao governo de Jair Bolsonaro (PL) passaram a comparar os valores dos combustíveis agora com os praticados durante o governo de Dilma Rousseff (PT), questionando por que a parcela da população que foi às ruas em 2016, por exemplo, não faz o mesmo para protestar contra a mais recente alta. Mas é correto dizer que a gasolina está mais cara agora do que antes?

Considerando apenas a inflação acumulada desde então, sim, está. Mas também há outros fatores que impactam diretamente o preço dos combustíveis, como a cotação do petróleo — que em março de 2016 custava menos da metade do que atualmente — e a do dólar, por exemplo. (Entenda os cálculos mais abaixo)

Sob a gestão Dilma, o litro da gasolina comum atingiu seu pico em março de 2016, custando R$ 3,73, em média, segundo levantamento da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Corrigido pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado até fevereiro de 2022 — o último disponível —, esse valor corresponderia hoje a R$ 5,05. Mas a última pesquisa da ANP mostra que a média no país no mês passado foi de R$ 6,60 por litro — valor quase 31% maior.

  • Veja essa e mais notícias do dia no UOL News com Fabíola Cidral:

Ainda em março de 2016, o petróleo Brent (referência nos mercados europeu e asiático) chegou a sua máxima no dia 22, quando era vendido a US$ 40,54, ou R$ 146,23 na cotação da época (R$ 3,607). Se corrigido pela inflação dos Estados Unidos no período, esse valor hoje equivaleria a US$ 47,92 — menos da metade do preço mais alto pelo qual o barril foi negociado em fevereiro de 2022, no dia 28: US$ 103,08 (R$ 529,73, considerando o dólar a R$ 5,139).

Ou seja: embora o aumento nos preços da gasolina tenha superado a alta da inflação no Brasil desde 2016, o petróleo também ficou muito mais caro no mercado internacional desde então.

Veja os números:

Gasolina

  • Março de 2016 - máxima do governo Dilma: R$ 3,73 (R$ 5,05 em valores de fevereiro de 2022)
  • Fevereiro de 2022 - último dado mensal divulgado pela ANP no governo Bolsonaro: R$ 6,60
  • Diferença: gasolina está 30,69% mais cara hoje do que em 2016, em valores reais (ou seja, corrigidos pela inflação)

Gasolina x salário mínimo

Proporcionalmente, quem ganha um salário mínimo em 2022 também está gastando mais com gasolina do que quem recebia o piso nacional em 2016.

Hoje, para encher um tanque de 50 litros — capacidade de boa parte dos carros de entrada à venda no Brasil —, o consumidor gasta R$ 330, em média, segundo valores levantados em fevereiro pela ANP. Essa quantia corresponde a 27,23% do salário mínimo atual, que está em R$ 1.212.

Já em março de 2016, considerando o pico do preço do litro da gasolina (R$ 3,73), era possível encher o mesmo tanque com R$ 186,50 — ou 21,19% do salário mínimo da época (R$ 880).

Vale lembrar que a política de reajuste de salário mínimo atual é diferente da adotada no governo de Dilma Rousseff. Em 2011, seu primeiro ano de mandato, foi instituído que o piso nacional seria corrigido com base na inflação do ano anterior, medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), e na variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes. Essa fórmula tinha o objetivo de garantir que o mínimo tivesse aumento real — ou seja, acima da inflação — todos os anos.

A exceção ficou com 2017 e 2018. Nestes dois anos, o reajuste do piso nacional considerou apenas o INPC, uma vez que o PIB de 2015 e 2016 registrou queda.

Mas, a partir de 2019 — primeiro ano de Jair Bolsonaro na Presidência —, o cálculo passou a levar em conta somente a inflação, descartando as variações do PIB. Por conta disso, o salário mínimo não tem um aumento real há três anos.

    Fatores de influência

    Há quatro variáveis que influenciam no preço dos combustíveis, segundo explica Mauro Rochlin, professor de Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Rio: o preço do barril de petróleo no exterior, a cotação do dólar no Brasil, a margem de lucro da Petrobras, das distribuidoras e do varejo, além dos impostos.

    Os dois primeiros se tornaram mais importantes a partir de 2016, já no governo de Michel Temer (MDB), quando a Petrobras passou a calcular os valores com base no mercado internacional e a repassar variações com maior frequência aos consumidores.

    Como exemplo, Rochlin citou o "pior momento" do petróleo nos últimos anos, durante a crise financeira de 2008, quando o barril de Brent chegou a US$ 143,95, ou R$ 231,62 na cotação da época (R$ 1,609). Já nesta segunda (21) o mesmo tipo era negociado a cerca de US$ 113, o que equivale a R$ 558,79 na cotação do dia (R$ 4,945).

    "Veja que, em termos nominais [sem considerar a inflação], o barril de petróleo está até mais barato agora do que em 2008. Então o que explica essa diferença? A taxa de câmbio, que subiu muito no Brasil", diz Rochlin, acrescentando que, embora tenha registrado perdas em relação ao real nas últimas semanas, o dólar chegou a valer mais de R$ 5,70 no início de janeiro.

    Além disso, a pandemia de covid-19 e, mais recentemente, a guerra entre Rússia e Ucrânia também tem afetado os preços no Brasil e no exterior. Há duas semanas, o petróleo Brent ultrapassou a marca de US$ 130, alcançando o maior valor em 14 anos — e especialistas ouvidos pelo UOL dizem acreditar que agora o barril deve se manter acima de US$ 100 por alguns meses, o que deve levar a novos aumentos dos combustíveis no futuro.

    "É uma situação delicada, atípica, e que vem em um período em que a gente se recuperava dos gargalos produzidos pela covid-19. A gente mal descansou de um evento [pandemia] e já veio outro [guerra] tão grave quanto. Isso, claro, vai mexer com os preços daqui para frente, e o primeiro impacto sempre vem nos preços dos combustíveis", afirma André Braz, economista e coordenador do IPC (Índice de Preços ao Consumidor) do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia)/FGV.

    Interferências na Petrobras

    Tanto Dilma Rousseff quanto Jair Bolsonaro já interferiram na Petrobras para tentar controlar o preço dos combustíveis. Em 2014 e 2015, antes de adotar a política de preços atual, a estatal manteve congelados os valores nas refinarias, mesmo com o barril de petróleo em alta no exterior, com o objetivo de conter a inflação no país. A medida foi uma das principais responsáveis pelos quatro anos de prejuízo da Petrobras entre 2014 e 2017, já no final do governo Dilma e início do governo Temer.

    Mais recentemente, em abril de 2019, Bolsonaro pressionou a Petrobras para que cancelasse um aumento de 5,7% no diesel nas refinarias — um aceno aos caminhoneiros, parte importante de sua base de apoio. No mesmo dia, as ações da estatal na Bolsa de Valores brasileira (B3) despencaram mais de 8%.

    Em fevereiro de 2021, Bolsonaro também anunciou que não renovaria o mandato do então presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, por estar insatisfeito com a política de preços da empresa. A indicação do general Joaquim Luna e Silva, que chefia a estatal até hoje, aconteceu naquele mesmo mês.

    "Com Dilma, o controle [na Petrobras] vinha de cima para baixo, era uma decisão do governo de manter os preços fixos na marra; no caso de Bolsonaro, foi uma decisão individual dele, e de baixo para cima, por causa da pressão de um setor [os caminhoneiros]", disse ao UOL Álvaro Frasson, hoje diretor do BTG Pactual, em abril de 2019.