Servidores, que ganham até R$ 31 mil, tentam aumento antes da eleição
Os servidores públicos civis federais aumentaram nas últimas semanas a pressão sobre o governo de Jair Bolsonaro (PL) por reajustes salariais. Numa corrida contra o tempo, já que a legislação impõe prazos para aumentos neste ano de eleição, categorias importantes da administração pública, como as dos servidores do Banco Central, do Tesouro e da Receita Federal, cruzaram os braços ou intensificaram operações-padrão. Os salários de algumas categorias vão de R$ 5.700 a R$ 31 mil.
Categorias ouvidas pelo UOL nos últimos dias disseram que, até julho, a pressão por aumentos vai se aprofundar. Parte dos servidores já está em greve, enquanto outra parcela não descarta parar.
O discurso geral é que Bolsonaro não pode conceder aumento apenas para policiais federais, como havia sido sinalizado em dezembro.
Algumas categorias, como as dos servidores do Tesouro, não chegam nem mesmo a citar um percentual específico de reajuste pretendido: eles querem o mesmo que vier a ser dado aos policiais. A luta é por manter o poder aquisitivo em relação a outras categorias do próprio funcionalismo.
A greve está no radar do Tesouro. Se houver uma medida com aumentos para a Polícia Federal , poderemos encaminhar o pedido de greve.
Bráulio Santiago Cerqueira, presidente da Unacon Sindical
Mobilização de olho no calendário
Como este é o último ano do governo de Jair Bolsonaro e haverá campanha eleitoral, os servidores estão atentos ao calendário.
Conforme o advogado Alexandre Rollo, conselheiro em São Paulo da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a legislação eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelecem regras e prazos específicos para reajustes conforme a época do ano.
As principais datas são as seguintes:
- 2 de abril: até essa data, o governo poderia promover reajustes lineares (para todas as categorias de servidores) ou aumentos para classes específicas, como as dos policiais. Os aumentos poderiam superar a inflação
- De 2 de abril a 30 de junho: esse período está dentro dos seis meses que antecedem as eleições, marcadas para 2 de outubro (primeiro turno). Em função disso, pela legislação eleitoral, o governo tem duas alternativas. Primeiro, ele pode promover reajustes lineares apenas para recompor a inflação dos últimos 12 meses. Não seria possível, nesse caso, recompor as perdas inflacionárias desde 2017 ou 2019, por exemplo, como querem algumas categorias. Uma segunda possibilidade nesse período é que o governo promova reajustes para categorias específicas, como policiais federais ou servidores do Banco Central, por exemplo. Como o reajuste não seria linear (para todas as categorias), seria possível até mesmo aumentar salários acima da inflação
- 1º de julho: a data marca o início dos últimos seis meses do atual governo. Nesse período, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo não pode elevar as despesas com pessoal
Em função do calendário, os servidores planejam intensificar as paralisações ou, em alguns casos, manter a greve, pelo menos até o fim do primeiro semestre.
Nos seis meses que antecedem a eleição, marcada para 2 de outubro, aumentos pontuais, para determinadas categorias, não estão proibidos. Eles podem ser inclusive acima da inflação. O que o presidente ou os governadores não podem fazer é dar um aumento indiscriminado para todos os servidores, federais ou estaduais, acima da inflação, porque isso poderia trazer um benefício eleitoral, quer para o presidente da República, quer para os governadores.
Alexandre Rollo, advogado especializado em Direito Eleitoral
Movimento se intensificou
Desde o fim do ano passado, diversas categorias de servidores públicos pressionam o governo por aumentos.
O movimento começou após o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, sinalizar a intenção de reajustar os salários de categorias que fazem parte de sua base de apoio: policiais federais, policiais rodoviários federais e agentes penitenciários federais.
Em reação, servidores de outras categorias passaram a promover paralisações, entregas de cargos comissionados e operações-padrão. O movimento se intensificou nas últimas semanas, com o início da greve dos servidores do Banco Central e do INSS.
O que querem os servidores e quais as estratégias usadas
As reivindicações variam entre as categorias, mas no geral os servidores federais querem aumento de salários. Boa parte das categorias que pressionam o governo está na lista dos maiores salários do funcionalismo federal.
Banco Central
Em greve, os servidores do BC reivindicam aumento de 26,3% dos salários. Nas últimas semanas, eles já vinham promovendo paralisações parciais, entre 14h e 18h, para forçar uma negociação.
Com isso, o BC deixou de publicar ou atrasou a divulgação de uma série de dados estatísticos. Há ainda atrasos no cronograma de implantação de novas funcionalidades do Pix, além de impactos no monitoramento de sistemas.
Atualmente, um analista do BC ganha de R$ 19.197,06 a R$ 27.369,67 por mês.
Tesouro e CGU
Representados pelo mesmo sindicato, os servidores do Tesouro Nacional e da CGU (Controladoria Geral da União) intensificaram nos últimos dias uma operação-padrão. Uma greve geral não está descartada.
Os servidores do Tesouro marcaram paralisação para a última sexta-feira (1º) e para a próxima terça-feira (5), quando será avaliado a possibilidade de greve. Com o movimento, o Tesouro atrasou a divulgação de relatórios econômicos e, conforme o sindicato, o pagamento de títulos vencidos do Tesouro Direto.
Os funcionários da CGU vão cruzar os braços na quarta-feira (6).
De acordo com Bráulio Santiago Cerqueira, presidente da Unacon Sindical, um servidor desses órgãos no topo da carreira ganha hoje cerca de 90% do que recebe um delegado da polícia federal.
O percentual é, de fato, próximo disso: um auditor federal de finanças e controle ganha até R$ 27.369,67 por mês, perto de 88% do salário de um delegado (R$ 30.936,91).
"Queremos evitar a ampliação do desalinhamento. Como não saiu ainda a medida da segurança pública, é difícil precisar o percentual", disse Cerqueira. "O que circulou informalmente é que a Polícia Federal teria 27%. Então, seria esse o nosso percentual."
INSS
Os servidores administrativos do INSS estão em greve desde 23 de março. Conforme a Fenasps, entidade sindical do setor, a greve está ocorrendo em 19 estados e no Distrito Federal.
Na última quarta-feira (30), foi a vez dos médicos peritos do INSS cruzarem os braços.
Ambas as categorias reivindicam reajuste de 19,99%, para recompor as perdas inflacionárias desde 2019.
Um perito médico federal que trabalha 40 horas por semana ganha, atualmente, de R$ 14.564,68 a R$ 20.756,56. Um profissional de nível superior da carreira de Previdência, Saúde e Trabalho ganha de R$ 5.740,09 a R$ 8.924,74.
Receita Federal
Os auditores da Receita Federal estavam entre as primeiras categorias a reagir, em dezembro, às notícias de que Bolsonaro concederia aumento apenas aos policiais federais. Desde então, eles têm adotado a operação-padrão, com reflexos na fiscalização, exportação e importação de mercadorias.
O presidente do Sindifisco Nacional, sindicato que representa os auditores, Isac Falcão, afirma que a greve não está no horizonte mas a operação-padrão vai continuar.
"Existe a operação meta zero, que está se intensificando. Nela, os auditores não estão cumprindo as metas gerenciais, mas apenas o que a lei manda", afirma Falcão. Com isso, a liberação de mercadorias nas alfândegas, por exemplo, tem levado mais tempo.
Os auditores da Receita afirmam que o movimento busca elevar o orçamento do órgão. Oficialmente, eles não falam de aumento salarial, mas sim de regulamentação de um bônus previsto em lei de 2017.
Eventual regulamentação desse bônus, no entanto, significaria aumento dos valores recebidos pelos funcionários públicos a cada mês. Hoje, os auditores da Receita ganham entre R$ 21.029,09 e R$ 30.303,62.
O que planeja o governo
Passado o prazo para promover um reajuste linear acima da inflação, o governo acena agora com a possibilidade de um aumento de apenas 5% para todos os servidores civis federais. O percentual, que nem mesmo repõe a inflação dos últimos 12 meses, poderia ser adotado neste momento sem desobedecer a legislação eleitoral.
Procurados para tratar do movimento dos servidores, o Ministério da Economia, a Receita Federal, o Tesouro Nacional, o Ministério do Trabalho e Previdência e a CGU não se pronunciaram.
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