Servidores fazem paralisação em Brasília por reajuste salarial de até 28%
Cerca de 50 categorias de servidores públicos federais realizaram atos nesta terça-feira (18), em Brasília, para pedir reajuste de salário de até 28%. Pela manhã, cerca de 300 manifestantes se reuniram em frente ao Banco Central, segundo estimativas do próprio BC. À tarde, haverá outro ato em frente ao Ministério da Economia.
Os servidores pedem reposição pela inflação acumulada desde o último reajuste, percentual que varia de 20% a 28%, dependendo da categoria. Cerca de 600 mil servidores da ativa seriam beneficiados com eventual aumento dentro dessa margem de correção.
Em carta enviada ao ministro da Economia, Paulo Guedes, o Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado) afirma que 80% dos servidores acumulam perdas inflacionárias desde 2017, e 20% acumulam perdas desde 2019.
Os servidores também marcaram manifestações para 25 e 26 de janeiro, caso as demandas não sejam atendidas.
Esperamos que o governo abra uma mesa de negociação para receber nossos pedidos e dar respostas efetivas sobre o quanto dessa recomposição pode ser materializada.
Rudinei Marques, presidente do Fonacate, que representa 20% de todos os servidores federais
O deputado Rogério Correia (PT-MG), coordenador da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público no Congresso Nacional, sinalizou que há risco de greve. "A ideia, daqui para frente, é realizar uma greve dos servidores em defesa dos serviços públicos no Brasil", disse ao UOL.
"[Não dar aumento a todos] é absurdo, porque os servidores estão há quase cinco anos sem reajuste. Existe muita variação salarial entre as diversas categorias, e um processo de unificação precisa ser realizado para equilibrar o problema."
O UOL pediu a Bolsonaro um posicionamento sobre os atos, e aguarda resposta. O Ministério da Economia e o BC disseram que não comentarão as manifestações. O vice-presidente, Hamilton Mourão, falou hoje que há espaço no Orçamento de 2022 para conceder aumento, mas que o presidente "ainda não bateu o martelo" sobre a promessa de beneficiar ao menos os policiais.
Cálculos da IFI (Instituição Fiscal Independente), órgão ligado ao Senado, mostram que, para cada 1 ponto porcentual de reajuste aos 600 mil servidores federais ativos, o custo é, em média, de R$ 3,5 bilhões aos cofres públicos. Como o protesto é por reajustes a ativos, pensionistas e aposentados, o total de beneficiados passaria de 1 milhão.
O que querem os servidores
Todas as categorias defendem aumento de salário, de forma geral. Mas os detalhes variam. Os funcionários do BC pedem, segundo Fabio Faiad, presidente do Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central):
- Reajuste de 26,3%, além de reestruturação da carreira de analistas e técnicos do órgão;
- Mudança da previdência dos funcionários do Banco Central;
- Reconhecimento das atividades como sendo de Estado.
As demais categorias pedem:
- Policiais federais e servidores do Depen: reestruturação das carreiras, com reajuste salarial sem porcentual definido;
- Poder Judiciário: reajuste de 28%, que representa as perdas com a inflação desde 2017;
- Diplomatas e outras categorias: aumento pela inflação acumulada no governo Bolsonaro, desde 2019, de 20%;
- Receita Federal: regulamentação do bônus de eficiência da categoria e recomposição dos cortes no Orçamento.
Servidores reagem após Bolsonaro prometer aumento só a policiais
A pressão por aumentos se intensificou no fim de 2021, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) sinalizou que daria aumento para categorias ligadas à segurança pública, importante base eleitoral do atual governo. São cerca de 45 mil policiais federais, policiais rodoviários federais e agentes penais ativos atualmente.
A promessa desagradou servidores da Receita, provocando a entrega de 1.300 cargos de chefia no órgão desde o último mês. Depois, o movimento se disseminou para funcionários de outros órgãos, como o BC.
A lei orçamentária de 2022 destina R$ 1,7 bilhão para aumento a servidores, mas o texto não define quem será beneficiado. Os servidores mobilizados hoje defendem que os reajustes devem se estender a todos funcionários federais. O presidente tem até sexta-feira (21) para sancionar o Orçamento, decidindo para onde irá o R$ 1,7 bilhão.
Entre as categorias privilegiadas por Bolsonaro em sua previsão de aumento, os delegados da PF tem remuneração inicial de R$ 23,6 mil, de acordo com dados do Painel Estatístico de Pessoal do Ministério da Economia. Agentes podem ganhar até R$ 18,6 mil. Policiais rodoviários têm salários que podem chegar a R$ 16,5 mil.
Do lado dos manifestantes, o salário de auditores da Receita, que em início de carreira ganham R$ 21 mil, pode chegar a R$ 30,3 mil. Também estão entre os que pedem aumento outras categorias de elite, como funcionários do BC, que podem ganhar de R$ 7.200 a R$ 27, 3 mil. E diplomatas —que ganham de R$ 19, 1 mil a R$ 27, 3 mil. O último reajuste para essas classes foi em 2019.
Guedes não quer reajuste para ninguém
Guedes, tem tentado convencer Bolsonaro a recuar da promessa de privilegiar policiais no plano de reajustes, conforme relataram interlocutores do governo ao UOL.
Internamente, a avaliação é que uma paralisação geral implicaria em maiores danos para o governo do que o descumprimento da promessa que o presidente fez para sua base na PF.
"A sugestão é que nenhum servidor federal tenha reajuste salarial neste ano", disse um interlocutor da equipe econômica. "O presidente tem a melhor das intenções, mas, se Bolsonaro ceder, sofrerá pressão para dar a todos os outros."
A posição de Guedes desagradou o presidente, conforme apurou o UOL. Uma ala do governo convenceu Bolsonaro de que Guedes teria criado um "atrito midiático" entre os servidores ao ser contra a concessão de aumentos salariais.
Para o líder do Cidadania na Câmara, Alex Manente (SP), este não é o melhor momento para atender as reivindicações. "Todas as categorias precisam de valorização. Mas é descabido, no momento atual, em que o Brasil passa por diversas dificuldades, nós falarmos em reajuste total para o funcionalismo. Precisamos recuperar a economia, fazer com que ela tenha condições de gerar uma cadeia de desenvolvimento nacional e, a partir disso, dar os reajustes salariais", disse.
Aumento a todos pode comprometer aposta em emendas
Uma correção salarial de 5% aos cerca de 600 mil funcionários federais da ativa provocaria custo anual permanente de R$ 15 bilhões aos cofres públicos, segundo cálculos da IFI. Se Bolsonaro resolver conceder os reajustes, será necessário cortar de outras áreas.
Um dos alvos poderia ser as emendas parlamentares, recursos liberados pelo governo para parlamentares direcionares a obras e outros projetos. Outra possibilidade seria cortar despesas relacionadas a promessas de Bolsonaro e que seriam acomodadas dentro dos recursos liberados pela PEC dos Precatórios.
Entre elas, está o auxílio a caminhoneiros e o vale-gás. Além de ampliar o valor do Auxílio Brasil, o presidente afirma querer pagar subsídio no valor do botijão de gás para famílias pobres e planeja conceder a chamada "bolsa diesel" a 750 mil caminhoneiros.
Na avaliação do deputado federal Professor Israel (PV-DF), o ato dos servidores é uma resposta às políticas do Planalto. "O governo pega a verba da classe média, de servidores públicos, e aplica em emendas sem usar nenhum critério. É um governo que faz escolhas de investimentos incorretas. O presidente toma atitudes voluntariosas, sem ouvir a própria equipe", disse.
Desigualdade entre servidores
Dados organizados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que o salário médio de um servidor do Executivo federal é de R$ 3.900, 65% do salário médio de um funcionário do Legislativo (R$ 6.000). Esse valor, por sua vez, é metade do que ganha um servidor do Judiciário (R$ 12 mil, em média).
A desigualdade também aparece entre os níveis da federação: servidores municipais têm salário médio de R$ 2.900, 57% do vencimento de R$ 5.000 de um servidor estadual, que por sua vez equivale a 55% do salário médio de R$ 9.200 de um servidor federal.
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