Por que o governo não cumpriu promessa de cortar preço do gás pela metade?
O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu em 2019 cortar o preço do gás de cozinha pela metade, uma redução que viria a partir da abertura desse mercado no Brasil. Desde então, porém, o preço do botijão de 13 kg passou de R$ 69, em média, para R$ 113 — um aumento de 64% em três anos. Para especialistas ouvidos pelo UOL, a promessa foi um erro e não levou em consideração o papel social do gás de cozinha, que merecia uma política de preços diferente daquela adotada para outros derivados de petróleo.
O problema começa no fato de que não existe uma só política capaz de reduzir o preço do gás de cozinha de maneira tão expressiva e tão rápida como queria Guedes, afirma Sérgio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de GLP). Esse corte, acrescenta, viria a partir de um conjunto de mudanças estruturais, cujos efeitos levariam anos para chegar ao consumidor final.
"O 'choque de energia barata' prometido por Guedes em 2019 não tem uma resposta rápida. Não existe nada que possa ser feito hoje para um resultado amanhã. Prometer é um perigo. O principal erro do governo foi não se dar conta de que mudanças estruturais têm um efeito no tempo da infraestrutura, que é um tempo longo. Em um país desburocratizado, esse tempo é de quatro, cinco anos. No Brasil é bem mais", diz.
"Nada que você faça do ponto de vista institucional pode mudar o preço amanhã. Fora que o preço é influenciado por muitos outros fatores, como dólar, petróleo etc."
Além disso, o Ministério da Economia errou ao querer aplicar ao mercado do GLP (Gás Liquefeito de Petróleo, ou gás de cozinha) a mesma política pretendida para o gás natural, segundo avalia Rodrigo Leão, coordenador técnico do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).
Para o especialista, deveria haver uma diretriz especial para o gás de cozinha —um item básico que tem um papel social relevante.
"O que aconteceu nesse período [2019 a 2022] é que não houve nenhuma mudança [no mercado de gás], pelo contrário. A política de preços do GLP ficou cada vez mais próxima à dos outros derivados, seguindo o PPI [Preço de Paridade de Importação] da Petrobras. Com o preço do barril de petróleo aumentando e o câmbio se desvalorizando, o gás de cozinha seguiu o aumento que a gente viu nos outros combustíveis", declara.
Fim dos preços diferenciados
Rodrigo Leão, do Ineep, ainda cita como fator que contribuiu para esse aumento a decisão de revogar uma resolução de 2005 que reconhecia a necessidade de se adotarem preços diferenciados para o gás de cozinha.
Essa diretriz considerava que o GLP "tem elevado impacto social", uma vez que seu custo afeta a parcela mais pobre da população, e que cabe à política energética nacional "a proteção dos interesses do consumidor quanto a preço, qualidade de oferta e dos produtos".
A resolução foi extinta em agosto de 2019 pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), então presidido por Bento Albuquerque, hoje ex-ministro de Minas e Energia.
A justificativa dada à época era de que o fim da prática de preços diferenciados corrigiria distorções no mercado e incentivaria "a entrada de outros agentes nas etapas de produção e importação de GLP", o que supostamente contribuiria com o aumento da oferta e o desenvolvimento do mercado.
Na prática, não foi o que aconteceu, segundo Leão.
"O governo piorou a situação. Do meu ponto de vista, tiveram uma visão equivocada do mercado de GLP. Aí tornaram a situação ainda mais dramática [para o consumidor]", avalia.
Acho que, quando se pensa em medidas de reajuste dos preços, você precisa considerar a estrutura de mercado que você tem. Parece que foi um erro grave do governo federal não entender essa dinâmica do gás de cozinha. Foi uma incompreensão da realidade, com adoção de medidas que na prática não faziam muito sentido.
Rodrigo Leão, do Ineep
Sem perspectiva de redução
Os dois especialistas consultados pela reportagem disseram não acreditar em uma redução dos preços do gás de cozinha nos próximos meses.
Ambos citaram a guerra entre Rússia e Ucrânia como fator de pressão sobre os derivados de petróleo em todo o mundo, além da perspectiva de que o real se desvalorize ainda mais à medida que as eleições no Brasil se aproximem, como normalmente acontece.
"Eu não imagino que o preço do barril de petróleo vá explodir, chegar a US$ 200, por exemplo. O problema é que estamos em ano de eleição, e a tendência é termos uma turbulência no mercado cambial. O câmbio é uma variável chave no PPI. Não vejo perspectiva de redução de preço, a tendência é de estabilidade ou de eventual alta. Se os preços ficarem estáveis nos próximos meses, já vai ser uma glória, uma vitória", afirma Rodrigo Leão, do Ineep.
"Há uma tendência de estabilidade no mercado internacional. O que não posso prometer é que isso vá trazer estabilidade para o Brasil também", acrescenta Sérgio Bandeira de Mello, do Sindigás.
Governo não comenta
Procurado pelo UOL, o Ministério da Economia disse que não comentaria o assunto.
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