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Eletrobras: Por que governo tem mais ações, mas não manda na empresa?

Privatização da Eletrobras foi realizada com regras que dificultam a um único acionista controlar as decisões da companhia - Bruno Spada/Divulgação
Privatização da Eletrobras foi realizada com regras que dificultam a um único acionista controlar as decisões da companhia Imagem: Bruno Spada/Divulgação

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

22/06/2022 04h00

A instabilidade das ações da Petrobras nesta semana mostra o quanto a atuação de um único controlador —no caso, o governo— pode afetar uma companhia. Esse é um dos motivos pelos quais, no processo de privatização da Eletrobras, regras foram criadas para impedir que um único acionista determine os rumos da empresa.

Veja a seguir por que, mesmo mantendo a maior parte das ações da Eletrobras, o governo deixou de ser o controlador da companhia e como algumas regras encarecem uma eventual tentativa no futuro de tornar a elétrica novamente uma estatal.

Privatização via capitalização

Para privatizar a Eletrobras, o governo não colocou a companhia à venda em um leilão, como já aconteceu em outros casos, como na privatização da estatal de telecomunicações Embratel, da siderúrgica CSN, ou da mineradora Vale, por exemplo.

O modelo usado para transferir o controle da Eletrobras do Estado para o setor privado foi o de uma oferta de novas ações ordinárias (ON), que dão direito a voto, junto com a venda de parte das ações que estavam em poder da União.

Com o aumento da base dessas ações, o governo deixou de ter mais de 50% da participação societária com direito a voto.

Participação no capital votante (ações ON) antes e depois da oferta.

  • União: antes era de 51,8%; agora é 33%
  • BNDESPar: antes era de 11%; agora é de 3,6%
  • BNDES: Antes era de 5,8%; agora é de 3,7%
  • Outros: antes era de 31,4%; agora é de 59,7%

Regras para garantir modelo de corporação

Na privatização da Eletrobras, foram criados alguns mecanismos no estatuto da companhia para permitir o funcionamento de um modelo de corporação, também chamado de empresa pública (public company).

Nesse modelo, a empresa não possui um único dono, mas diversos acionistas. As políticas da companhia são definidas pelo Conselho de Administração, composto por representantes de vários acionistas, com mandatos por determinados períodos.

É também o conselho que escolhe os diretores executivos.

Para que esse modelo funcione, há regras que servem exatamente para impedir que acionistas tomem o controle da companhia e possam, assim, determinar o rumo dos negócios sem a aprovação da maior parte dos demais sócios minoritários.

Limite para poder de voto

Uma das regras no estatuto da Eletrobras limita o poder de cada acionista a 10% dos votos.

Não importa quantas ações ordinárias um determinado acionista possua. Na hora de votar na Assembleia Geral, esse sócio só pode ter até 10% das ações. Esse é o caso do Estado brasileiro.

Mesmo detendo ainda cerca de 40,3% de todas as ações ON com direito a voto, o governo brasileiro só vai representar até 10% dos votos na assembleia.

Assim, para definir políticas comerciais, planos de investimentos ou mudanças no estatuto da Eletrobras, o governo terá que receber o apoio de outros acionistas da companhia.

O objetivo de regras que limitam o aumento de participação de um acionista individual é garantir que a empresa mantenha tanto a propriedade como o controle pulverizado. E a livre negociação dessas ações, por outro lado, proporciona um importante mecanismo de autorregulação. Se a companhia for mal gerida, a queda na cotação das ações exerce pressão sobre os executivos e o conselho da companhia, de forma a garantir que os recursos alocados sejam geridos da forma mais eficiente possível.
Luiz Fernando Araújo, CEO da Finacap Investimentos

Custo elevado para tomar o poder

Em qualquer empresa, um acionista pode tentar assumir o poder comprando ações de outros acionistas e, assim, passar a determinar os rumos da empresa sem a concordância dos demais sócios.

Para evitar esse movimento, a Eletrobras tem no estatuto regras que dificultam esse caminho, tornando o negócio muito caro para quem tentar assumir o controle comprando ações dos demais sócios.

Quanto mais ações um determinado sócio vai juntando, mais caro pode ficar o caminho para ele concluir a tomada de poder.

Se qualquer acionista que hoje tenha menos de 30% das ações começar a comprar ações ON e atingir essa fatia de 30%, dispara-se um gatilho que o obriga a fazer uma oferta para comprar os outros 70% das ações ordinárias pelo dobro da maior cotação atingida no período de dois anos anteriores.

Para dar uma ideia desse custo, o acionista nessa situação hoje teria que pagar R$ 93,38 por ação, ou seja, 112% mais que a cotação de terça-feira (21).

Como a União ainda ficou com mais de 30% das ações ON da Eletrobras mesmo após a capitalização, essa trava dos 30% não se aplica ao Estado brasileiro.

A privatização provavelmente melhorará a governança corporativa da empresa devido ao controle amplamente distribuído e a uma maior autonomia de tomada de decisão da administração, já que o governo não terá mais uma maioria de votos diretos, tendo menos influência nos investimentos futuros da empresa e nas decisões de negócios.
Aneliza Crnugelj, vice-presidente assistente da Moody´s

Barreira contra reestatização

Há também uma regra de trava dos 50%, para um acionista que queira assumir mais da metade das ações com direito a voto.

Ao atingir 50% do capital votante, um acionista é obrigado a fazer uma oferta pelo restante das ações ordinárias, pagando o triplo da maior cotação alcançada em dois anos, ou seja, algo como R$ 140 por ação.

Segundo estimativas de analistas, isso custaria hoje cerca de R$ 142 bilhões apenas pela metade das ações ordinárias, cerca de 112% mais que o valor total de mercado da companhia na terça (21), na casa de R$ 67 bilhões.

Essa regra influencia diretamente um eventual plano de um governo que pretenda reverter a privatização da Eletrobras e transformá-la novamente em uma estatal.

Ou seja, considerando apenas o estatuto que passa a valer para a Eletrobras após a capitalização, o governo teria que gastar muito para estatizar a companhia novamente.

Apesar de não impedir uma tentativa de reestatização, essa regra inibe esse processo porque força o governo a pagar bem caro pelas ações, o que diminui a possibilidade de isso acontecer. E mesmo que o processo seja levado adiante, os acionistas minoritários ainda seriam bem remunerados por isso. Então, a intenção dessa regra é diminuir as chances de uma reversão da privatização e fazer com que ela seja vantajosa para os acionistas minoritários, caso aconteça.
Ruy Hungria, analista da Empiricus

Regras podem mudar

O estatuto da Eletrobras pode mudar, por meio de votação em assembleia geral, em votação com participação dos acionistas.
Nesse caso, diferentes acionistas teriam que se juntar para reunir mais de 50% dos votos para alterar o estatuto, destacam analistas de mercado.

Mas só a necessidade de compor maioria já é uma forma de filtrar planos ou intenções que podem ser economicamente negativas para os demais acionistas.

Entendo que são regras que ajudam a proteger os acionistas minoritários, fortalecendo a governança corporativa. Especificamente acerca de uma reprivatização, essa possibilidade gera temor entre investidores, tendo em vista que temos candidatos que possuem um discurso nesse sentido. Então, com essas regras, esse risco se torna uma realidade mais distante.
João Daronco, analista da Suno Research