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Mulher é forçada a fazer empréstimo em sequestro e banco cobra 'dívida'

Do UOL, em São Paulo

31/08/2022 13h22Atualizada em 31/08/2022 13h24

Uma professora aposentada afirma que está sendo cobrada por um empréstimo que foi forçada a realizar em uma agência do Banco do Brasil quando estava sob mira de sequestradores. Segundo a vítima de 66 anos, o caso ocorreu no dia 15 de junho, quando ela foi raptada por dois homens em uma rua no bairro da Saúde, na zona sul de São Paulo.

Mesmo após dois meses da ação criminosa, que foi gravada por câmeras de segurança, a mulher não conseguiu sanar a dívida, já que para ela o banco alega que não tem responsabilidade sobre a ação.

Segundo a aposentada, que não quis se identificar, os criminosos a forçaram a realizar um empréstimo no caixa eletrônico da agência e, na sequência, sacar o dinheiro em espécie. Ela foi levada a uma segunda unidade da instituição financeira, próximo ao metrô São Judas, para fazer mais saques.

Ao todo, os criminosos roubaram R$ 10,4 mil, derivados do empréstimo. Ela ainda alega que foi obrigada a antecipar o pagamento do 13º salário deste ano e do ano de 2023.

Em conversa com o UOL, a mulher contou que a ação durou cerca de três horas e que ocorreu pela manhã, em horário que as agências bancárias já estavam em funcionamento.

"Eu moro a dois quartões da minha filha e sempre saio no mesmo horário para cuidar das minhas netas, pela manhã. Por volta das 9h, quando estava indo para a casa dela, vi um rapaz me olhando. Continuei andando e, quando chegou próximo a um muro, ele parou para me pedir informações. Ele começou dizendo que tentou conversar com outra pessoa, mas que a pessoa se negou a falar com ele porque ele era negro".

A aposentada então disse que poderia tentar ajudá-lo e, na sequência, o homem afirmou que estava perdido e precisava encontrar um determinado endereço no bairro, onde tinha uma proposta de emprego.

"Ele disse o nome do lugar e eu disse que achava que não tinha, que não conhecia. Ele então começou a contar uma história, dizendo que era de Brumadinho, que tinha perdido a família na tragédia e que tinha recebido uma proposta de emprego naquele endereço. Fiquei ouvindo a história dele e parei para pensar se realmente não conhecia a rua que ele tinha dito, mas nesse momento, chegou um outro homem, um rapaz branco de jaqueta preta".

Ameaça com arma

De acordo com a vítima, o segundo homem se aproximou dela mostrando que, por dentro da roupa, tinha uma arma. "Ele falou: 'A senhora vai ficar quietinha, não vai fazer nenhum movimento porque estamos armados. Eu vou pegar o carro, ele vai entrar atrás e a senhora na porta da frente'. Fiquei tão assustada que acabei obedecendo", relembra a mulher.

Ao entrar no carro, os dois criminosos questionaram se ela tinha em casa dinheiro em espécie e joias. "Eles disseram: 'Eu sei para onde a senhora vai e onde você mora'. Acho que já estavam me observando há um tempo".

Pelo celular da vítima, os criminosos souberam que ela era correntista do Banco do Brasil e a levaram até uma agência no bairro. O motorista do carro a acompanhou até a agência bancária, onde ela realizou o empréstimo pelo caixa eletrônico.

"Entramos lá e eu estava em estado de choque. Minha digital não pegava, ele me indicou passar a mão na roupa, no cabelo. Quando a digital funcionou, em pouco tempo fez o empréstimo. Olhei para trás e tinha um funcionário do banco, em pé, mas pensava que se eu fizesse qualquer movimento poderia acontecer algo com todo mundo, porque ele estava armado".

A vítima foi induzida a entrar na agência para realizar o saque e pediu para que a funcionária tirasse o cadastro da digital. "Ela me questionou o porquê e eu disse que não queria mais e ela disse que então me daria umas letrinhas. O homem estava na porta assistindo a tudo", relata. Os dois seguiram para a outra agência, onde conseguiram sacar mais R$ 5,5 mil.

"Foi tudo muito rápido, todo mundo assistiu e não tinha ninguém para desconfiar. Depois que ele conseguiu realizar os saques, subiu umas três ruas pra cima e me deixou. Quando virei a esquina, comecei a chorar. Foi quando percebi o que tinha acontecido."

A aposentada relata que não conseguiu olhar a placa do carro, mas que foi capaz de recuperar o celular do banco do carro. Ao chegar em casa, relatou o sequestro-relâmpago para o filho e os dois foram até a agência bancária denunciar a ação.

"O gerente disse que não tinha percebido nada. Que eu não tinha apresentado desespero. Mas, quando estava lá, eu olhava para ele para ver se ele percebia algo. Estava com medo", relata.

Empréstimo segue ativo

Segundo ela, a primeira parcela do empréstimo será debitada neste mês de setembro. Ela e a família já realizaram reclamações para a instituição financeira, mas continuam recebendo a mesma devolutiva.

"Fizemos uma reclamação no banco e negaram que houve falha do banco, afirmando que sequestro é crime e que eles não tinham responsabilidade. Fizemos reclamação no Banco Central e no Procon e tivemos a mesma resposta. Foi um total descaso", desabafou a filha da vítima, que também não quis se identificar.

"A gente fez o procedimento certinho, juntamos as imagens das câmeras de segurança, enviamos para a sede em Brasília e recebemos a mesma reposta padrão, que não houve falha deles. O que revolta é que a gente fica sem proteção nenhuma. Eles empurram esses empréstimos com tanta facilidade, vem uma pessoa armada e se você é vítima, o problema é seu. A gente não tem nada a ver com isso, eles que deram o crédito. Se não estivessem dando, os bandidos não tinham tirado nada".

A família agora pretende entrar com uma ação judicial para evitar o débito da primeira parcela do empréstimo. Elas informaram que conseguiram resgatar imagens das câmeras de segurança da rua em que a mãe foi abordada, mas que o Banco do Brasil se recusou a passar as imagens da agência no dia do crime. "O pior é que eles ainda estão ligando para a minha mãe para oferecer mais empréstimos. É muita falta de respeito", relata a filha.

O que o BB diz

O UOL entrou em contato com o Banco do Brasil, que informou que "acolhe e analisa todas as contestações de movimentações financeiras não reconhecidas pelos seus clientes".

"O processo é avaliado pela área técnica do Banco, que define sobre a responsabilidade das partes e sobre o ressarcimento ou não dos valores contestados", disse a instituição.

No caso informado pela vítima ouvida pela reportagem, o banco disse que "a conclusão dessa análise técnica será informada até esta quinta-feira (1), por meio de contato direto da área responsável do BB. O Banco informa ainda que colabora com as investigações policiais para solução da ocorrência".

O caso é investigado pelo 16º Distrito Policial (Vila Clementino). De acordo com a SSP-SP (Secretaria de Segurança de São Paulo), a equipe da unidade trabalha para identificar e prender os autores.