Bagunça na 1ª semana de Lula afeta confiança, mas é normal, dizem analistas
A primeira semana de trabalho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi marcada por desencontros na área da economia. Três temas geraram ruídos na cúpula do governo e, por consequência, reações do mercado financeiro: a manutenção da isenção de impostos federais sobre os combustíveis; a menção à revisão da reforma da Previdência; e a alocação da ANA (Agência Nacional de Águas).
Lula convocou a primeira reunião ministerial do governo na sexta (6). Publicamente, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, negou que o grupo tenha levado um "puxão de orelha" do presidente após as divergências.
Impostas sobre combustíveis
- Lula assinou a uma MP (Medida Provisória) para prorrogar por 60 dias a isenção de impostos federais sobre combustíveis, que terminava em 31 de dezembro de 2022
- A medida foi criada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) para forçar a queda no preço de diesel e gasolina e foi criticada por Lula na campanha eleitoral
- A eventual prorrogação da MP já havia sido discutida entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e seu antecessor, Paulo Guedes, no fim do ano passado. Na ocasião, Haddad pediu que o governo não prorrogasse a desoneração
- Ministro era contra a prorrogação porque os subsídios custam mais de R$ 52 bilhões aos cofres públicos
Especialistas ouvidos pelo UOL avaliam que os vaivéns, de forma geral, são "naturais", uma vez que Lula acabou de assumir e sua equipe ainda está se organizando.
No caso da MP dos combustíveis, acrescentam, influenciaram o recuo o fato de que a nova política sobre preços ainda não foi definida — e a prorrogação dá mais tempo ao novo governo para pensar em soluções —, além de questões políticas.
A desoneração já estava marcada para terminar. Mas a questão política passou por cima. Qual governo iria querer, na primeira semana, ter um aumento nos combustíveis? É claramente a sobreposição de uma decisão política em cima de uma econômica. Isso vai acontecer várias vezes. Quando uma decisão política se sobrepõe à econômica, você desautoriza o Ministério da Fazenda.
Carla Beni, professora dos MBAs da FGV (Fundação Getúlio Vargas)
Reforma da Previdência
- Ao tomar posse, o ministro Carlos Lupi (Previdência) disse que pretendia discutir "com profundidade" a reforma da Previdência feita em 2019, que chamou de "antirreforma"
- No dia seguinte, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, desautorizou o colega e disse não haver proposta para revisar qualquer reforma: "Neste momento, não tem nada sendo elaborado".
- Depois, Haddad desconversou sobre o assunto: "Do que vocês estão falando?"
Economistas também veem como "normal" as críticas à reforma da Previdência, mas condenam as falas de Lupi, que também repercutiram mal no mercado.
No dia em que o ministro tomou posse, o dólar subiu e chegou a R$ 5,45, enquanto o Ibovespa — principal índice da Bolsa de Valores brasileira (B3) — tombou mais de 2%. Na sessão seguinte, após Rui Costa negar a possibilidade de revisão da reforma, a moeda americana caiu a R$ 5,35 e a Bolsa saltou 2,19%.
"Não é o governo dos sonhos do mercado. Isso ajuda a explicar essa volatilidade", diz Rogério Sobreira, cofundador e chefe de Pesquisa Econômica da Navigator.
A declaração do ministro [Lupi] foi infeliz. Existe, sim, o déficit da Previdência, e outras reformas vão ter que acontecer no futuro. O mercado já vê o novo governo com desconfiança e, diante dessa desconfiança, você ainda tem esse vaivém na primeira semana... Confirma os piores pesadelos do mercado.
Rogério Sobreira, da Navigator
ANA (Agência Nacional de Águas)
- Lula reestruturou os ministérios e transferiu a ANA do Ministério de Desenvolvimento Regional para o do Meio Ambiente, mas atribuiu o saneamento à pasta das Cidades
- A medida gerou questionamentos sobre uma possível mudança no Novo Marco Legal do Saneamento, o que poderia barrar concessões e privatizações e esvaziar o poder da agência
- Depois das críticas, a equipe de Lula decidiu cancelar as mudanças, dizendo ter havido um equívoco na publicação da norma: "Deu uma certa confusão"
- Ao Valor Econômico, o ministro Rui Costa retomou o assunto, dizendo que eventuais mudanças nas atribuições da ANA não prejudicariam os investimentos no setor. Ele também afirmou que o governo fará "ajustes" no Novo Marco Legal do Saneamento
A confusão envolvendo a ANA gerou reações no setor de saneamento. Representantes acreditam que as mudanças nas atribuições da agência, definidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento, poderiam gerar insegurança jurídica e afetar investimentos.
"Essas idas e vindas tem gerado uma certa apreensão, mesmo que a gente reconheça que são naturais neste início", afirma Percy Soares Neto, diretor executivo da ABCON SINDCON, a associação das operadoras privadas de saneamento.
Esse 'diz que vai' e 'diz que não vai' não ajuda a gerar estabilidade. Mas desencontros como este são naturais em um governo que está começando. Vamos ter que esperar, olhar com atenção, fazer a interlocução que a gente tem que fazer. Estamos num processo de aceleração [de investimentos no setor] importante, não seria o momento de criar ruído.
Percy Soares Neto, da ABCON SINDCON
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