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Não basta ser empresa para clube de futebol não quebrar, diz executivo

Vasco e Botafogo foram dois dos primeiros grandes clubes brasileiros a se tornarem SAFs - Vítor Silva/BFR
Vasco e Botafogo foram dois dos primeiros grandes clubes brasileiros a se tornarem SAFs Imagem: Vítor Silva/BFR

Renato Pezzotti

Colaboração para o UOL, em Piracicaba (SP)

24/03/2023 08h01

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Desde agosto de 2021, com a regulamentação da lei que permite que times de futebol virem empresas, clubes tradicionais como Cruzeiro (MG), Botafogo (RJ), Vasco (RJ) e Bahia (BA) se tornaram sociedade anônimas, também conhecidas como "SAFs".

Novas operações de compra vão movimentar (e muito) o mercado publicitário - seja em relação a patrocínios, em eventos e, até, na área de dados e marketing de performance.

Para entender um pouco mais sobre como essas negociações vão agitar todo o ecossistema, o UOL Mídia e Marketing conversou com Claudio Pracownik, CEO da Win The Game - empresa que tem diferentes tipos de contrato com times como Flamengo (RJ), Palmeiras (SP), Guarani (SP), Sport Recife (PE) e Fortaleza (CE). Confira:

Muitos torcedores acreditam que as SAFs serão tábuas de salvação para clubes com problemas financeiros. Por causa disso, você chegou a comentar que o mercado atual parece uma "serra pelada", com "mineradores" em busca de times que precisam receber aportes financeiros. Em qual momento estamos?

O mercado ficou aquecido e isso atraiu muitos aventureiros. É um risco. Como está, quem fixa o preço é a necessidade - e quem manda na relação comercial é o comprador. O mercado somente se torna maduro quando as partes estão numa situação de equilíbrio. Isso torna o preço justo. A primeira onda foi essa.

A segunda onda, onde estamos, se divide entre os interessados em comprar clubes que são formadores de atletas, com boa infraestrutura e boa localização (e existem vários fazendo trabalhos assim); os que estão procurando ativos estressados, mais baratos, e outros investidores, em menor quantidade, que buscam engajamento, times com torcida, atrás da indústria de dados: estes estão interessados em entrar no ecossistema, onde o futebol vira apenas um meio.

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Claudio Pracownik, CEO da WTG, foi VP de finanças do Flamengo e CEO da Genial Investimentos
Imagem: Divulgação

Não espero muitos fechamentos de acordos para este ano, além dos que já estão em negociação, como o Coritiba (PR), o Atlético Mineiro e o Guarani (SP). O mercado começa a caminhar para uma maior maturidade.

(Nota da redação: segundo levantamento da Win the Game, 18 clubes brasileiros das 4 divisões nacionais são - ou estão aptos para serem - SAFs)

A gente pode começar a caminhar para um modelo semelhante ao do México ou do Japão, onde empresas comprarão parcelas de clubes de futebol.

Essa estratégia existe para as empresas captarem os dados dos torcedores, para aumentar o poderio regional, para aumentar o cacife político municipal, estadual e até federal.

Clubes de futebol ainda são grandes silos, com castas dominando cada departamento - e, em grande número, mau geridos. As SAFs podem quebrar isso?

Para mim, SAF é meio - não é fim. O clube não precisa virar uma SAF para ser bem gerido, muito pelo contrário. Ele pode criar amarras institucionais que permitam a profissionalização, que permitam uma melhor governança, com mecanismos de controle de risco. Isso tudo sem deixar de ser associativo, como o Real Madrid e o Barcelona (da Espanha).

Existe um grande mito também: não significa que, se você virar uma SAF, não vai quebrar. Existem empresas que quebram - muitas, aliás. Basta ser mal gerida.

Repito: a SAF não é fim, ela é um meio, uma forma de você ter mais instrumentos para ter uma gestão profissional. Como todo segmento, você tem boas e más gestões. O acionista pode investir pouco se o clube estiver dando prejuízo.

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O ex-jogador Ronaldo Nazário é dono (e gestor) do Cruzeiro Esporte Clube
Imagem: Cris Mattos/STAFF IMAGES

As SAFs nos clubes brasileiras ainda parecem uma operação de compra e venda de um dono só. Clubes de massa ou mais saudáveis financeiramente têm outras alternativas? Quem vende agora, antes de o mercado amadurecer, perde mais?

Existem algumas opções, sim. A primeira, por exemplo, é criar uma SAF com o único objetivo de implementar uma boa governança no clube. Isso é uma SAF que pertence 100% ao clube. Mas porque ele vai fazer isso? Para perenizar a governança, a gestão profissional, obrigando o clube a publicar balanços financeiros, com um conselho externo e comissão fiscal.

Você ainda pode criar sub empresas, relacionadas a mídia, inovação ou tiqueteria. Você terá sócios de outros setores, futuros parceiros, até mesmo para a construção de uma arena, por exemplo. O clube também pode fazer uma SAF, ficar com 90% e abrir os 10% restantes para torcedores ou conselheiros.

Você enxerga a possibilidade de clubes de futebol abrirem capital na Bolsa de Valores?

Na hora que você faz uma SAF, o clube compra, em tese, o "kit básico" para abrir capital: conselho, governança, compliance, auditoria. Mas preparar uma empresa para isso não acontece do dia para a noite.

O João Pedro Nascimento, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), já afirmou que o mercado está aberto para os clubes. Ele vê com bons olhos e pode-se até criar um segmento específico para o futebol.

Mas a gente precisa de mais informação financeira dos clubes e até uma cobertura jornalística mais eficiente. Precisaremos educar o mercado. O investidor precisará estar bem informado.

Os uniformes dos clubes, muitas vezes, são criticados por exibiram muitas marcas. Isso é mais falta de profissionalismo do futebol ou o mercado que tem perdido oportunidades de fazer algo diferente?

Acho que dos dois lados. Compete aos clubes conseguir entregar, mostrar aos patrocinadores o potencial que eles têm na mão. O banco de dados, por exemplo, é extremamente relevante. Exemplo: você vai abrir um empreendimento em Fortaleza (Ceará). Nessa região X, existem tantos torcedores do Fortaleza que não têm imóvel próprio, mas que podem comprar um seu.

Além de tudo, o futebol oferece uma coisa quase impossível no marketing: o CAC (custo de aquisição de cliente) negativo. A pessoa paga para ter um engajamento com o clube, para se relacionar com o clube.

Isso é um valor que talvez o mercado de patrocínios não tenha percebido tão bem - em parte por causa do preconceito, em parte porque a maior parte dos clubes não consegue entregar resultados a partir disso. Muitos clubes, por exemplo, dizem que "entraram na era digital" por causa do lançamento de um fan token. Isso é mentira: ninguém entrou no mundo digital por causa disso. Falta evolução.

Estamos vendo uma movimentação de fundos internacionais de investimento em uma liga brasileira de futebol, o que pode equipará-la a mercados europeus. O futebol brasileiro pode mesmo crescer nessa proporção? O que você pode projetar nesse mercado para 5 ou 10 anos?

Hoje temos duas ligas de clubes de futebol. (Nota da redação: Atualmente, cerca de 45 dos principais clubes de futebol do país estão divididos em dois grupos: a Liga do Futebol Brasileiro (Libra) e Liga Forte Futebol (LFF)). É mais fácil falar com dois blocos do que com 40 clubes de forma individual.

Isso é fundamental para o futebol brasileiro se tornar mais eficiente, mais rentável, com inovação e tecnologia, quebrando monopólios. Todo o mercado vai crescer com isso. O marketing esportivo e a área de eventos entram nessa.

Sobre o crescimento: acredito que em breve conseguiremos chegar perto de outras ligas de futebol, como a francesa e a italiana, por exemplo.

Muito se fala de 'esporte como entretenimento', mas a paixão do torcedor brasileiro pelo futebol (e pelo seu clube) vai além disso: ele não aceita perder, apesar de aceitar más gestões. Isso trava, de alguma forma, o desenvolvimento do futebol no país?

Isso está mudando. Você vê situações como no Cruzeiro (MG) ou no Botafogo (RJ), onde a torcida fez manifestações a favor da venda. Há uma mudança de pensamento. A lei da SAF "pegou" porque ela tende a se atentar a um reclame social: "chega de gestão ruim".

Torcedores pedem que os clubes sejam vendidos para alguém que saiba gerir uma empresa. O futebol vai ser entendido ainda mais como entretenimento a partir disso, vai ter um espaço a mais dentro da economia da atenção. Não é um mundo à parte.

Por outro lado, nunca seremos como os Estados Unidos, por exemplo. Lá, se seu time perde, você fica chateado e fim - aqui, o dia acaba, as pessoas passam a noite em claro. Temos que entender as diferenças culturais, mas ainda assim é possível se divertir no estádio.

A Win the Game (WTG) parece estar muito relacionada às SAFs, mas ela trabalha com outros produtos. Qual o escopo do trabalho e com quais clubes e associações vocês mantem relacionamento hoje?

A WTG surgiu a partir de uma visão da experiência do esporte. A holding do BTG Pactual possui 50% da empresa, mas temos total autonomia administrativa.

bugre - Ettore Chiereguini/AGIF - Ettore Chiereguini/AGIF
O Guarani, de Campinas, é um dos clubes que a WTG possui acordo de profissionalização da gestão
Imagem: Ettore Chiereguini/AGIF

Lidamos com contratos de SAFs a até acordos de marketing, tecnologia e inovação digital. Nosso objetivo não é vender clube: é ser parceiro estratégico nas vertentes de finanças, marketing, processos e compliance, no longo prazo.

Atualmente, temos mandatos de clubes como Guarani (SP), XV de Piracicaba (SP) e Sport Recife (PE), acordos com o Fortaleza (CE) para transformação digital; operações financeiras com o Vasco (RJ), de marketing com o Palmeiras (SP), de naming rights com o São Paulo (SP) e com o Flamengo (RJ), sobre a compra de um time europeu, governança e de patrocínio.

Além disso, trabalhamos com a Liga Nacional de Futsal, a NBB (Novo Basquete Brasil) e estamos em conversas com a Superliga de Vôlei.