Robôs, fintech para entregadores e mais: as startups em conferência nos EUA

Nos próximos dias 6 e 7 de abril acontece a Brazil Conference, em Cambridge, em Massachusetts, nos Estados Unidos. O evento anual é realizado pela comunidade brasileira de estudantes em 28 universidades na região de Boston e acontece em Harvard e no MIT (Massachusetts Institute of Technology). Para a edição deste ano, cinco brasileiros vão apresentar suas startups no HackBrazil, uma aceleradora e competição de startups. Veja quem são os selecionados e quais são os seus projetos.

Entenda o projeto

A Brazil Conference, que está na sua 10ª edição, contará este ano com mais de 90 palestrantes. Com o tema "O Encontro dos Vários Brasis", o evento deve receber, em média, um público de 1.200 pessoas. Autoridades, executivos, ativistas, pesquisadores e professores se reúnem durante dois dias para discutir questões relevantes para a realidade do Brasil relacionadas à política, justiça, economia, cultura, educação, saúde e mais.

No evento deste acontecerá mais uma edição do HackBrazil. A ideia é do projeto descobrir, promover e capacitar as startups mais inovadoras do país. A partir disso, gerar impacto social por meio de empreendedorismo.

Segundo os organizadores, mais de 350 startups se inscreveram para a competição. As 10 melhores foram selecionadas para três meses de aceleração com a mentoria e suporte de uma rede de empreendedores do MIT e cinco foram escolhidas para apresentar suas ideias no palco da conferência. Os idealizadores dos projetos vão apresentá-los para os jurados Cristiana Arcangeli, do Shark Tank Brasil, Carlos Costa, sócio na Valor Capital e Eric Archer, fundador da Monashees.

O foco do HackBrazil é também gerar impacto socioeconômico no Brasil e dar oportunidade às pessoas que não têm acesso mais direto a oportunidades do tipo, explica Luiza Aildanasi, voluntária da Brazil Conference responsável pelo projeto. "A gente sabe que quando se trata de startups existe um núcleo muito forte em São Paulo e Rio e é um mercado muito difícil de se entrar se você está fora. Então o nosso intuito sempre é dar plataforma para pessoas que têm ótimas ideias, uma ótima equipe e simplesmente não tiveram acesso a esses recursos", diz.

Synkar: os robôs entregadores

A Synkar é uma startup brasileira-canadense de robôs entregadores. Ela foi criada em 2017 para suprir mercados emergentes usando um modelo de 'Robot as a Service' (RaaS). A empresa tem 20 robôs fabricados até hoje e outros 285 reservados com cartas de intenção. Já foram feitas 20 mil entregas, os robôs já percorreram de forma autônoma 1.600 quilômetros além de mil horas de operação.

A empresa foi fundada pelo goiano Lucas da Silva Assis, de 31 anos, engenheiro eletricista, mestre em ciência da computação e doutorando na UFG (Universidade Federal de Goiás). Ele diz que sempre gostou, desde pequeno, de "desmontar coisas eletrônicas e entender como elas funcionam". "Tudo isso intensificou quando eu comecei a ler e ver obras de ficção científica e de divulgação científica. Sempre gostei de ficar pensando em como a tecnologia pode ajudar o futuro da humanidade", diz.

O fundador explica que a companhia foi criada, com seus dois sócios, durante o final do seu mestrado. Mas a relação com robótica começou antes: ainda durante que a universidade, ele criou um núcleo de pesquisa gerido por alunos que tinham grande interesse pelo tema, como era o caso dele. "No final do mestrado eu percebi que não tinha oportunidades de trabalho com robótica disponíveis. Eu falei: 'Quero trabalhar com robótica', fui insistindo, mas não consegui achar".

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Ao se unir com os sócios, surgiu a ideia de criar uma empresa de robótica. Mas havia uma questão: pensar em qual robô faria sentido para o contexto brasileiro. "Nós temos dificuldades e desafios bem específicos de infraestrutura, desafios sociais, logísticos. Isso tudo culmina num contexto completamente específico para o Brasil. A gente viu que não dava para pegar uma tecnologia, uma solução fora do Brasil e tentar somente 'tropicalizá-la'. A gente precisava criar algo que fizesse sentido no ponto de vista mercadológico e no ponto de vista tecnológico".

Daí surgiu a ideia de criar um robô generalista, que realizasse entregas — em ambientes internos, e externos e mesmo verticais. "Hoje o nosso robô, por exemplo, consegue pegar um elevador e fazer uma entrega dentro de um condomínio vertical ou dentro de um prédio de escritórios. Então, essa é a grande sacada, eu acho, que a gente teve de visualizar o mercado brasileiro, visualizar as dificuldades logísticas que a gente tem e criar uma tecnologia que conseguisse, de forma bem eficiente, abordar e trazer soluções para esses mercados".

Em 2021, o iFood comprou uma fatia minoritária da Synkar. Da parceria das duas empresas foi criado o robô Ada, que desde 2021, retira pedidos nos restaurantes que ficam mais longe da praça de alimentação do Shopping Iguatemi de Ribeirão Preto e leva para o local onde os entregadores pegam a comida.

Lucas afirma que as dificuldades de fazer robótica no Brasil são muito grandes, e cita o sistema tributário que impossibilita a importação de sensores de uma forma custo-efetiva. Para isso, a Synkar teve que criar soluções proprietárias, ou seja, além de desenvolver a propriedade intelectual, que é a parte autônoma do veículo, os algoritmos de percepção, localização, navegação autônoma, a startup também desenvolve o hardware dos robôs. "Além desses problemas de manufatura e desenvolvimento de tecnologia, o próprio mercado, a indústria logística não está exposta ainda a esse tipo de tecnologia. Nós temos hoje um sistema tributário e burocrático muito grande e soluções ainda muito manuais do lado dos gestores logísticos. Você tem armazéns hoje com grande turnover de colaboradores por ter uma estrutura arcaica, onde o colaborador tem que ficar andando 20, 22, 25 quilômetros em um dia de trabalho pegando e levando pacotes, caixas de um lado para o outro. Acho que a grande oportunidade que a gente viu é isso: melhorar, otimizar, trazer um pouco mais de rastreabilidade e eficiência para essa indústria".

Trampay: a fintech dos entregadores

Jorge Júnior, de 28 anos, é idealizador do Trampay. Recifense formado em Comunicação e Publicidade pela UnB (Universidade de Brasília), ele criou a plataforma em 2020, que oferece serviços de suporte para entregadores e motoristas de aplicativo em mais de 500 municípios do país. A empresa se identifica como o "banco digital dos entregadores" e disponibiliza adiantamento de pagamentos com taxas mais acessíveis, carteira digital, além de possuir funcionalidades como o Pix e oferecer repasse facilitado para a conta dos entregadores.

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A empresa diz que desde a sua fundação, adiantou mais de R$ 56 milhões aos trabalhadores (em cerca de 400 mil solicitações). Em 70% dos casos, os trabalhadores da plataforma demandam o adiantamento para despesas com combustível, alimentação ou contas para casa. Segundo o IBGE, o país tem hoje cerca de 2,1 milhões de trabalhadores nesta categoria.

O CEO explica que desde jovem conviveu de perto com profissionais informais, incluindo o pai, que já foi officeboy. A proximidade com a realidade desses trabalhadores inspirou sua carreira, já que ele buscou "cruzar dores sociais com modelos de negócio sustentáveis". A ideia surgiu após ele perceber que enquanto os profissionais de áreas mais reguladas tinham acesso a benefícios através de bancos, associações de classe, saúde, os trabalhadores informais não contavam com nenhum benefício ligado ao exercício de suas profissões.

Ele reitera que a ideia da startup é democratizar, principalmente, o acesso aos serviços bancários para aqueles que mais necessitam. "Bancos operam com a função de captar recursos daqueles que possuem e redistribuí-los para aqueles que mais precisam. No entanto, na prática, os recursos muitas vezes são circulados apenas entre aqueles que já possuem, excluindo assim aqueles que mais necessitam. Nosso modelo comprovou que não apenas é possível, mas essencial, direcionar recursos financeiros diretamente para os trabalhadores, especialmente os autônomos, que enfrentam dificuldades em abrir contas bancárias e acessar crédito devido à volatilidade de sua renda", diz.

Marisa.care: medicina preventiva

João Vitor Innecco Arêas, de 26 anos, é médico, CEO e fundador da Marisa.Care. A startup é uma healthtech que usa Inteligência Artificial na medicina preventiva. O nome da empresa é inspirado pela avó do executivo, que morreu em 2018 por conta de um câncer de mama evitável — segundo João, uma perda que não teria acontecido com o diagnóstico precoce. "É um sentimento de impotência. Infelizmente, a história dela não é única. Mais de 9 milhões de pessoas perderam suas vidas nos últimos 15 anos devido à falta de rastreio adequado. E foi por isso que decidimos mudar essa realidade", diz o CEO.

As ideias foram compartilhadas em sala de aula com Pedro Ledic, co-fundador da startup e, na ocasião, professor de João. A empresa que foi criada em janeiro de 2022 utiliza algoritmos de Inteligência Artificial, que coletam dados estruturados diretamente dos pacientes. Eles são analisados e, a partir daí, todos os exames e encaminhamentos que são essenciais para aquele paciente são identificados. João diz que desde então, mais de 350 mil lacunas já foram detectadas na saúde dos brasileiros. Hoje o time da Marisa.Care conta com 18 profissionais.

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Avançar para a final da Hack Brazil nos enche de confiança, reafirmando que estamos na direção certa. Embora o prêmio em dinheiro de R$ 100 mil seja, sem dúvida, um grande incentivo, é a visibilidade e a mentoria contínua que temos recebido que verdadeiramente valorizamos. Este espaço é crucial para a aceleração de projetos como o nosso
João Vitor Innecco Arêas, médico, CEO e fundador da Marisa.Care

BeConfident: inglês na palma da mão

Os jovens Robson Amorim, 25, Luan Oliveira Cavallaro, 23, Felipe Oliveira Silva, 24 e Felipe Tiozo, 24, fundaram a BeConfident em abril de 2023. Os quatro se conheciam desde a infância, período em que participaram de diversas competições de robótica.

Felipe Silva estava fazendo um intercâmbio de três meses nos EUA quando percebeu que o momento em que realmente aprendia o idioma era durante as conversas com as pessoas, e não durante as aulas. Daí surgiu a ideia de criar um aplicativo de conversação de inglês. Junto com Felipe Tiozo, desenvolveram um MVP (produto viável mínimo) dentro do WhatsApp e constataram uma alta demanda pelo produto. Alguns meses depois, Luan e Robson integraram-se ao time e, em 9 meses, alcançaram R$ 2,2 milhões de faturamento.

A BeConfident se tornou uma plataforma de ensino de inglês pelo WhatsApp. São cerca de 5,4 mil usuários, de 26 países, que aprendem inglês em vários modos de aula com a IA, utilizando métodos diferentes: de conversação, assistindo aulas, falando com um professor. É possível, inclusive, simular conversas com celebridades para praticar o inglês. Segundo os fundadores, a taxa de retenção após o primeiro mês de uso é de 70%. Os fundadores ressaltam a importância de elevar o nível de proficiência no idioma como uma forma de acessar mais oportunidades e, consequentemente, aumentar a renda.

Eles destacam que o Brasil é o país com mais escolas de inglês no mundo, mas apenas 5% da população fala inglês, segundo dados do British Council. Apenas 1% fala de forma fluente. "Essa discrepância ocorre principalmente devido à falta de prática do idioma. Soluções como intercâmbio ou contratar professores nativos tornam-se financeiramente inviáveis para mais de 70% da população. Além disso, há a dificuldade de adequar a rotina e manter a disciplina nos estudos do novo idioma. Por isso, a BeConfident oferece múltiplas plataformas com um preço acessível para que as pessoas possam praticar inglês ao longo do dia".

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BioLinker: as proteínas recombinantes

A BioLinker foi fundada em 2018 pela médica veterinária Mona Oliveira, de 38 anos, de Salvador (BA). Ela também é mestra em Biotecnologia e doutora em Bioquímica. A empresa é a startup pioneira na América Latina no desenvolvimento de proteínas recombinantes, que são produzidas sob demanda e tem uma série de utilidades. São utilizadas em laboratórios de pesquisa e indústrias para o desenvolvimento de produtos biofarmacêuticos, melhoramento de culturas agrícolas, vigilância de doenças como a Covid-19, diagnóstico e tratamento de uma série de doenças, entre outras aplicações.

Em 2020, a startup produziu um teste totalmente nacional de diagnóstico da covid-19, de baixo custo e alto desempenho. A BioLinker produziu projetos em parceria com empresas como Ambev, Eurofarma, Solvay, Suzano e Basf. Em 2022, Fabricio Bloisi, CEO do iFood, anunciou investimento na empresa.

A missão é tornar o Brasil referência em biotecnologia, diz Mona. "Eu amo ciência e tecnologia, em especial como podemos impactar a evolução da humanidade com invenções que impactam gerações: como usar as máquinas vivas que são nossas células e programá-las com DNA que vão gerar organismo bioengenheirados mais eficientes. Com isso podemos produzir de forma sustentável e impactando na saúde, no ambiente, na economia", diz Mona.

A fundadora explica que o pioneirismo é bom, mas traz várias dificuldades, como falta de apoio e de conhecimento regulatório e adaptado a empresas como a BioLinker, além de pessoas que saibam trabalhar com a tecnologia.

Mas superar esses desafios é também gratificante. A oportunidade de encontrar investidores, visibilidade e mostrar que há empresas pioneiras em biotecnologia no Brasil é fundamental para que a gente consiga superar o desafio de investimento, criando networking poderoso para que nosso o propósito seja alcançado mais rapidamente. A Brazil Conference é super importante para trazer luz para essas iniciativas.

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