O que Trump já taxou e como o Brasil sai perdendo com isso
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A política de taxação dos parceiros comerciais dos Estados Unidos, adotada e anunciada pelo presidente Donald Trump a todo momento, já chegou aos produtos brasileiros. O impacto da tarifa de 20% na importação do aço, por exemplo, adotada em 12 de março, ainda não teve tempo para ser suficientemente medido, mas pode causar um prejuízo de até R$ 8,7 bilhões —pouco se comparado ao restante do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, mas que não deixa de ser relevante.
Porém, o "tarifaço" previsto a partir do dia 2 de abril pode fazer o Brasil sentir um pouco mais os efeitos da "mão pesada" de Trump, ainda que tente negociar por vias diplomáticas um arrefecimento das medidas.
O que aconteceu
Política de taxação de Trump não é exatamente uma novidade. Em 2017, quando assumiu o primeiro mandato, Donald Trump baixou ordens executivas taxando a importação de diversos produtos. Tarifas de até 50% foram cobradas sobre máquinas de lavar e painéis solares importados.
Canadá, México e China são os "alvos prediletos". Além de algumas tarifas que afetam outros países, como o Brasil, o governo americano já taxou em 10% energia elétrica importada do Canadá, e todos os produtos da China em 20%. No dia 2 de abril entra em vigor um "tarifaço", em que taxas devem ser impostas para os mais variados produtos, afetando todos os países de alguma forma.
Trump citou nominalmente o Brasil quando falou da taxa cobrada pelo país ao etanol. Isso foi em fevereiro, quando anunciou as tarifas recíprocas. O Brasil cobra 18% de taxa de importação pelo produto, enquanto EUA, conforme a Casa Branca, cobra 2,5%.
Quais tarifas afetam ou podem afetar o Brasil?
O UOL fez uma lista de quais produtos que já foram ou podem ser taxados por Trump e que afetam o país, mesmo que em produtos com baixa exportação para os EUA. Levantamento foi baseado nas decisões já publicadas nas ordens executivas e "ameaças" publicamente feitas e com base nas análises de Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Internacional Empresarial, Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos
- Aço e alumínio: valendo desde 12 de março, total de 25%. Afeta o Brasil principalmente pelo aço. Como já relatado na reportagem, conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada estimativa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o prejuízo pode ficar na casa de RS 8,7 bilhões.
- Cobre: sem data oficial. Em 25 de fevereiro, Trump pediu para para a secretaria de Comércio avaliar quanto os EUA pagam pelo cobre importado, para avaliar uma tarifa. A situação pode afetar indiretamente as exportações brasileiras devido ao crescimento mais lento de países como Chile e México. O Brasil exporta pouco desse metal aos EUA, então é provável que o efeito direto da taxa não seja tão relevante.
- Etanol: pode entrar no pacote de 2 de abril. O presidente americano já havia falado claramente do exemplo do combustível, que tem uma taxa de importação cobrada pelo Brasil (18%) maior (2,5% dos EUA). Previsão é que a taxa seja, pelo menos, igualada. Apesar da medida, especialistas ouvidos pelo UOL não acreditam em impacto significativo.
- Polietileno - um tipo de plástico: não há informação oficial. A suspeita é porque o Brasil cobra hoje 20% de taxa de importação, mas o valor pode subir para 41% após uma investigação antidumping promovida pelo Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio).
- Toras, chapas de madeira e derivados: ainda sem data. Em 1º de março, a Secretaria de Comércio começou a avaliar as taxas de importação de toras e chapas de madeira. Caso haja uma taxação, Brasil pode ser levemente impactado, já que a exportação desses produtos aos EUA não é significativa.
- Semicondutores: ainda sem data. Mesmo com investimentos, Brasil mais importa que exporta esse produto, sendo ainda dependente do mercado exterior.
- Produtos farmacêuticos: ainda sem data. Quando falou dos semicondutores, Trump disse que também pretendia avaliar taxas para produtos farmacêuticos, mas não houve uma comunicação oficial dessa possibilidade. Pode afetar indiretamente o Brasil
- Retaliação por negociação com Venezuela (leia mais abaixo): ainda na ameaça. Embora o Brasil importe principalmente energia da Venezuela, o impacto direto dessa medida sobre o país é considerado limitado.
- Carros e peças de automóveis: válida a partir de 2 de abril. Brasil pode ser impactado com decisão, mesmo que o objetivo principal da medida seja atingir México, Canadá e Europa.
- Produtos agrícolas. válida a partir de 2 de abril, mas ainda não há uma lista de quais produtos serão taxados.
Análises e outros efeitos
Brasil pode acabar vendo uma redução significativa da balança comercial, mesmo para outros países. Análise é de Gustavo Cruz, que considera plausível que países diretamente afetados pelas taxas de Trump deixem de exportar os produtos, passem a usá-los mais no mercado interno, e dependam menos dos insumos brasileiros. "Claro que temos que levar em conta as tarifas cobradas exclusivamente ao México e Canadá, que podem impactar alguma empresa brasileira que atue nesses países", acrescenta.
Até saída dos EUA do Acordo de Paris pode afetar o Brasil. Essa decisão, segundo Fernando Canutto, levantou preocupações sobre o compromisso global no combate às mudanças climáticas e pode minimizar as iniciativas ambientais internacionais nas quais o Brasil está tentando encabeçar. "Além disso, a postura mais nacionalista dos EUA exige maior colaboração de países como o Brasil, que precisam buscar diversificar parcerias comerciais e fortalecer o mercado interno para reduzir os impactos dessas medidas", complementa.
Próximas decisões são imprevisíveis, e isso é algo para se ter atenção. Para Bruno Corano, economista da Corano Capital, aumento da inflação lá também pode repercutir aqui. "Pode gerar um processo inflacionário americano que vai impactar o Brasil, porque com o aumento da inflação americana e um possível aumento de juros, mais capital tende a ser direcionado para o dólar, enfraquecendo moedas como real", analisa.
Venezuela é a 'bola da vez'
Venezuela também é alvo da mão pesada na economia. Além da disputa por causa da extradição de imigrantes ilegais e que, segundo Trump, fazem parte de facções criminosas, o presidente americano anunciou que vai taxar produtos de todos os países que negociarem petróleo, direta ou indiretamente, com a Venezuela. A taxa seria de 25%, mas ainda não há uma ordem executiva assinada.
Se do ponto de vista do direito internacional a ação é legal, acordo na OMC (Organização Mundial do Comércio) diz que não. Stefânia Ladeira, especialista em comércio exterior e partner da Saygo Comex, explica que o acordo assinado por todos os países, incluindo os Estados Unidos, não permite que Trump tome esse tipo de decisão porque não há um "motivo claro" como a organização determina —diferentemente do caso do aço, onde não há nenhuma infração às regras, uma vez que é permitido aos países adotar medidas de protecionismo econômico, desde que justificadas e baseadas em estudos.
Cabe aos países que estão sendo prejudicados entrar com uma reclamação na OMC pra que seja ação seja investigada. Ainda que Stefânia explique que podem haver várias punições, como sanções econômicas, multas e até prisão —em casos mais extremos, ela acredita que isso provavelmente não vai acontecer, justamente por se tratar dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos sabem que tem as cartas na mão, e que eles podem jogá-las a qualquer momento. Por isso a impressão de que eles 'não estão dando a mínima' para a OMC. O pensamento é: se vão reclamar de mim, o que a organização poderá fazer para que não prejudique ainda mais o mundo? Então pode haver sanção, claro. Mas, ao mesmo tempo, os dirigentes devem pensar: 'será que devemos?' Por isso que os Estados Unidos estão tão forte nessa questão
Stefânia Ladeira, especialista em comércio exterior e partner da Saygo Comex
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