Fuga do Afeganistão: Como um avião para 134 pessoas conseguiu voar com 823?
Na última semana, vários acontecimentos no Afeganistão chocaram o mundo. Com a retomada do poder pelo Talibã, ocorre uma fuga em massa do país, e o aeroporto de Cabul se tornou o centro das atenções.
Diversas cenas mostram milhares de pessoas se aglomerando para conseguir sair do país por via aérea, já que a região de Cabul está dominada pelo grupo armado. Em um dos momentos mais críticos, ocorrido no dia 15 de agosto, um avião cargueiro C-17 Globemaster da Força Aérea dos Estados Unidos decolou com 823 pessoas a bordo, embora sua capacidade de transporte fosse de apenas 134 passageiros.
Como foi possível transportar seis vezes o limite de pessoas determinado pelo fabricante do avião? Houve algum risco para a aeronave e para os passageiros a bordo na missão humanitária?
Peso
Segundo Annibal Hetem, professor do curso de engenharia aeroespacial da UFABC (Universidade Federal do ABC), esse transporte acima da capacidade nominal de passageiros não ofereceu risco para a operação. Isso se deve, principalmente, ao fato de que o avião utilizado suporta o peso do número elevado de pessoas sem nenhum problema.
Inicialmente, foi divulgado pelo Comando de Mobilidade Aérea dos Estados Unidos que haviam sido transportadas 640 pessoas. Essa contagem inicial não levava em consideração as crianças, e o órgão corrigiu a informação posteriormente, elevando esse número para 843 pessoas.
Isso é próximo à capacidade máxima de um Airbus A380, o maior avião de passageiros do mundo, que pode levar 853 pessoas, embora o cargueiro não tenha sido projetado para isso.
De acordo com a Boeing, fabricante do C-17, o modelo é capaz de transportar até 74,8 toneladas de carga. Considerando o peso médio de uma pessoa como 80 kg, a somatória de todos a bordo não teria chegado a 66 toneladas, ou seja, ainda haveria capacidade para mais nove toneladas.
Segundo a Força Aérea dos Estados Unidos, carregado com o seu peso máximo e voando a uma altitude de cerca de 8.500 metros, o C-17 teria um alcance de 4.444 quilômetros, atingindo a velocidade de 833 km/h.
Em algumas situações, é possível levar menos carga (ou passageiros), para caber mais combustível, e vice e versa. A cada voo é preciso somar o peso de ambos para que não ultrapasse o peso máximo de decolagem do avião.
É seguro?
Ainda de acordo com Hetem, o voo é seguro, mas não significa que seja confortável. As pessoas tiveram de se sentar no chão do avião, diferentemente da configuração padrão para transporte de pessoas.
Quando carrega tropas ou outros passageiros, o C-17 pode ser padronizado para levar 54 pessoas em assentos na lateral do avião e mais 80 em paletes que vão no centro da aeronave.
Em situações como a da última semana, são colocadas fitas de um lado ao outro na parte interna do avião, onde as pessoas podem se segurar e se apoiar.
O avião foi projetado para ter seu centro de gravidade mais baixo em comparação com outras aeronaves, o que facilita a estabilidade do voo.
Assim, não haveria problema no transporte de pessoas acima da capacidade nominal, embora isso não deva ser feito, a não ser em situações excepcionais para diminuir a chance de alguém a bordo se machucar.
Outra questão referente ao conforto é a utilização de banheiros. Como a aeronave só precisa de três pessoas para voar (dois pilotos e um mestre de carga), não há uma estrutura reforçada para toda aquela quantidade de passageiros transportados. Em compensação, o voo duraria apenas cerca de três horas.
Embora ainda não tenham sido divulgados detalhes sobre como foi realizada a operação do dia 15 de agosto, aparentemente a aeronave decolou com menos combustível, e teria sido reabastecida em voo por uma avião-tanque.
Estando mais leve, ele consegue atingir maiores altitudes mais rapidamente, afastando-se do risco de ser atingido por artilharia inimiga.
No voo, com destino ao Qatar, foi possível observar pessoas se pendurando do lado de fora do avião. Após a decolagem, vídeos mostram pessoas caindo do avião, além de ter sido encontrado um corpo preso no trem de pouso do C-17.
O C-17 Globemaster
O C-17 é um cargueiro de alta capacidade que começou a operar em 1993, e pode decolar levando até 74,8 toneladas. Ele tem uma envergadura (distância de ponta a ponta da asa) de 51,7 metros, uma altura de 16,8 m e 53 metros de comprimento.
Seu peso máximo de decolagem é de 265 toneladas, incluindo a carga, o peso do corpo do avião e do combustível. O valor unitário dele é de cerca de US$ 341,8 milhões (R$ 1,8 bilhão), em valores corrigidos.
Atualmente, existem cerca de 275 desses quadrimotores voando pela Força Aérea dos Estados Unidos ou em países aliados. A expectativa é que o modelo continue em operação até o ano de 2070.
Seu compartimento de carga tem 26 metros de comprimento, 5,48 m de largura e até 4,11 metros de altura. Com isso, ele é capaz de transportar tanques de guerra, dois helicópteros militares ou três veículos de combate.
Para decolar, o cargueiro precisa de apenas 2.359 metros de pista. Já o pouso pode ser feito em apenas 914 metros ou menos, em pistas com ou sem pavimentação.
Recorde
Até o momento, o total de pessoas a bordo do C-17 vem sendo considerado um recorde para o modelo, mas não para um voo em si. O recorde de mais pessoas transportadas a bordo de um avião pertence a um Boeing 747 da companhia aérea israelense El Al.
Em 1991, ele levou 1.088 pessoas em um voo (dois bebês nasceram durante o voo) da Etiópia para Israel. O país demonstrava preocupação com a segurança de judeus etíopes, e foi feita uma operação que transportou mais de 14 mil pessoas em direção a Israel em 36 horas.
O curto tempo não permitia a realização de vários voos, e optou-se por superlotar o avião para garantir que o máximo de pessoas fossem retiradas. Para isso, a aeronave tinha de voar com menos combustível, e não foram levadas bagagens.
No caso do Afeganistão, o Departamento de Defesa dos EUA acionou companhias aéreas norte-americanas, como American Airlines, United Airlines e Delta Air Lines, para apoiar no transporte de refugiados a outros países.
Esses voos não ocorrerão do aeroporto de Cabul, mas, sim, a partir de outros locais onde as pessoas estarão em segurança após saírem do Afeganistão.
O mesmo modelo de avião já havia resgatado cerca de 400 pessoas em um único voo nas Filipinas, em decorrência do tufão Haiyan, em 2013.
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