Disputa apertada na Argentina leva Milei a suavizar promessas amalucadas
Nada como a perspectiva de ganhar uma eleição para moderar as plataformas eleitorais radicais de um candidato que se apresenta como "antissistema". No pleito marcado para este domingo (22), o extremista de cabelos rebeldes Javier Milei, candidato à presidência da Argentina que se autoclassifica "anarcocapitalista", não foge à regra.
As pesquisas mais recentes indicam Milei ainda na dianteira, mas sem liderança suficiente para ganhar no primeiro turno. Para vencer em primeiro turno é preciso somar 45% dos votos ou pelo menos 40% e, neste caso, livrar mais de 10 pontos de vantagem sobre o segundo colocado. O peronista e ministro da Economia, Sergio Massa, divide o segundo lugar com Patricia Bullrich, ex-ministra no governo liberal de Mauricio Macri. A corrida eleitoral, em resumo, está indefinida porque, num eventual segundo turno, previsto para 19 de novembro, as pesquisas mostram quadro em aberto.
Programa libertário
O deputado Milei chegou nessa posição de destaque eleitoral com um programa libertário e extremista. O carro-chefe de sua plataforma eleitoral é a dolarização da economia e a extinção do banco central. Ainda na economia, prometeu reduzir impostos e abandonar o Mercosul, negando-se também a manter comércio com "países comunistas" — China e Brasil, por exemplo, de acordo com sua própria definição. Reduzir ministérios ao mínimo e privatizar empresas públicas ao máximo fazem parte do rol de medidas ultraliberais que adotaria como presidente.
Agora, porém, com a proximidade do pleito e as chances de vitória, a história já mudou um pouco. Milei continua com o discurso mais radical, mas assessores próximos estão suavizando as propostas amalucadas do candidato. Por exemplo, a principal promessa na economia, substituir a moeda nacional pelo dólar, vai ser feita, se for feita, aos poucos.
Agora já não é bem assim
Encaixando a crítica de que a Argentina não dispõe de dólares, nem de capacidade de obter dólares, para substituir o peso pela moeda americana, o economista Dario Epstein, tido como homem forte de Milei nas questões econômicas, anunciou que não haveria dolarização se não houver dólares para tanto. Estimativas de consenso indicam a necessidade de US$ 60 bilhões para dar partida a algum tipo de dolarização, o que nem de longe a Argentina tem condições de acumular em curto prazo.
Também a extinção do banco central, nos pronunciamentos mais recentes de integrantes da campanha de Milei, ficaria para mais tarde. Candidato a senador na coligação de Milei, o banqueiro Juan Nápoli restringiu a "implosão" do banco central à eliminação da função de fazer política monetária, não significando sua extinção. Numa economia dolarizada, é óbvio que o banco central não tem como exercer politica monetária, uma vez que essa função terá sido terceirizada para o Fed (Federal Reserve, banco central americano).
A saída do Mercosul e a recusa em negociar com economistas "comunistas" igualmente não seriam bem assim. A economista Diana Mondino, lembrada como possível ministra de relações exteriores de Milei, declarou que a Argentina de "maneira nenhuma" deixaria de fazer negócios com China e Mercosul. Mondino sustenta agora que a ideia de Milei é reformar o bloco econômico regional para que seja mais eficiente.
Suavizando propostas alopradas
Também houve recuos nas propostas alopradas de estimular a competição de mercado em grau limite, o que incluía a liberação da venda de órgãos do corpo humano e até de crianças. "Se tivesse um filho, não o venderia", disse Milei, mais recentemente, tentando relativizar a proposta que defendia até pouco tempo atrás.
Suavizar propostas tão radicais era esperado, como forma de ampliar apoios eleitorais e garantir votos para vencer as eleições. Mas isso não significa que as bases das propostas libertárias tenham sido abandonadas. É crescente, entre analistas independentes, a convicção de que é inviável concretizar as propostas mais impactantes da plataforma extremista de Milei.
Antes de chegar perto delas, seria necessário arrumar minimamente a casa. A Argentina vive, mais uma vez, um tempo de descontrole fiscal e de pesadas restrições externas, o que acabou resultando na volta da hiperinflação. Deixar o terreno limpo para aventuras libertárias não se faz de um dia para o outro, o que leva a pensar ser alto o risco de Milei promover, se eleito, estelionatos eleitorais em série.
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