'Nunca colocaria Elis em comercial de feirão': como nasceu a campanha da VW

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O comercial que uniu Elis Regina e Maria Rita, cantando lado a lado, deu o que falar nesta semana - e provocou "sentimentos conflitantes" em muita gente, como destacou Chico Barney, colunista do UOL.

A campanha que comemora os 70 anos da chegada da Volkswagen ao Brasil agitou as redes sociais e levantou questões sobre inteligência artificial, a utilização da ferramenta de deep fake em comerciais e até mesmo se Elis "toparia" estar em uma propaganda da montadora alemã.

Para entender como o comercial foi criado, o UOL Mídia e Marketing conversou com Marco Gianelli (Pernil), um dos líderes da área de criatividade da agência AlmapBBDO, responsável pela campanha. Confira:

Como nasceu o conceito criativo da campanha? Quem deu a ideia de recriar a Elis virtualmente?

Começamos a pensar no aniversário de 70 anos da VW no Brasil em setembro do ano passado. A data não poderia passar em branco e gostaríamos de fazer algo emblemático. Mesmo porque todo mundo tem uma história com algum carro da marca, em um Fusca, Brasília, em uma Kombi ou em um Gol.

Esse apego emocional, essa nostalgia, só a Volks poderia usar. Ao mesmo tempo, a marca está em um momento diferente, de eletrificação, de carros híbridos, de um investimento muito grande para os próximos anos. Chegamos, então, em um ponto que precisaríamos olhar para o passado, cheio de poesia, mas teríamos que falar de futuro.

Nesse processo criativo, nos perguntamos qual era o nome mais icônico da música brasileira e chegamos ao de Elis, que talvez tenha sido a maior voz do país. Aliado a isso, ainda temos a Maria Rita, filha dela, que deu continuidade à essa história. Foi aí que pensamos em unir as duas.

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Entramos, assim, na primeira ideia de roteiro, com o universo mágico das duas cantando uma música que pudesse falar um pouco de mudança, de questões geracionais. A ideia foi realmente querer tocar o coração das pessoas.

E como foram os processos de aprovação? O que o cliente disse quando viu a ideia?

Levamos para a marca como roteiro, contando como imaginamos que seria o filme. Mas, como qualquer ideia que é diferente, que é inovadora, não sabíamos sequer se todos topariam. Mas sabíamos, sim, que seria mágico. A Livia (Livia Kinoshita, gerente executiva de marketing e comunicação da Volkswagen) foi super corajosa e audaciosa. Com uma visão do futuro, ela comprou a ideia e quis que desse certo. Talvez 99% dos clientes não aprovassem.

A negociação foi muito diferente do que estamos acostumados a fazer. Primeiro, precisaríamos encantar a Maria Rita, porque queríamos que ela participasse efetivamente, e seus dois irmãos (o também cantor Pedro Mariano e o produtor musical João Marcello Bôscoli), que também respondem pela imagem da Elis. Ela se encantou pela ideia, os irmãos também, e todas as aprovações passaram pelos três.

A escolha da música (Como Nossos Pais, de Belchior) foi decidida nessa época. A negociação é diferente, mas a música é emblemática na voz da Elis e tinha muito da poesia que funcionava para a gente, de olhar para as gerações futuras.

Hoje, o comercial parece relativamente simples, mas para as poucas pessoas que contamos o processo, as pessoas se arrepiavam. Foram 9 meses de gestação mesmo. O processo foi exaustivo, mas foi um tempo extremamente prazeroso.

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Como vocês se prepararam para essa discussão ética de reviver uma pessoa morta em um comercial? A sociedade está pronta para isso? E estar dentro de uma propaganda de carro alimentou ainda mais esse debate? Se isso fosse feito em um programa de TV, por exemplo, daria tanta repercussão?

Acho que tudo parte também da delicadeza e do que a gente vai fazer. Eu nunca colocaria a Elis em um comercial de feirão da VW. Afastando um pouco a questão jurídica, nós falamos com os 2 filhos e com a filha que perdeu a mãe com 4 anos de idade. Se a gente consegue convencer e comover essas pessoas, estamos no caminho certo. Podemos juntar aqui o fato de fazer um trabalho de forma muito transparente.

Já usaram a voz do Senna em um comercial da Nike (a campanha Chegue Lá - Ouse ser Brasileiro, de 2014) e eu, particularmente, achei lindo, porque o conceito do que ele fala é muito grande, muito potente.

Será que ele faria propaganda para isso? Podemos questionar essa parte, mas quando produzimos com essa delicadeza, com essa transparência, se a filha está confortável e feliz, se a reação da família e das pessoas ao redor é uma coisa linda, passa essa tranquilidade de estar no caminho certo.

Acho que tudo precisa ser discutido. É um direito não gostar, de se manifestar. E, sim: a publicidade teve esse poder de elevar a questão. Se fosse um conteúdo, talvez as pessoas discutissem também. Mas quando essa magia acontece em uma publicidade, fica mais poderoso, apesar de ficar mais fácil de as pessoas atacarem, problematizarem. Hoje é fácil achar um teto de vidro, um suposto teto de vidro ou clickbait para críticas.

A campanha também retomou discussões sobre a VW e a ditadura, sobre o posicionamento político de Elis e a verdadeira construção da letra de "Como Nossos Pais", uma canção que pode ser considerada de protesto. Vocês debateram isso? Chegaram a pensar em mudar o caminho por causa desses pontos?

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A gente tinha tudo isso na cabeça. Mas temos o anacronismo histórico também. Algumas canções têm significados que podem mudar com o tempo. Nesse novo momento do país, da Volks, a gente se apegou mais à parte poética do que temos daqui para a frente do que ficar preso ao passado.

As épocas são diferentes, mas queríamos dar esses novos significados. Quando lemos livros, isso acontece também. A gente tinha essa segurança, de ver que tinha tanta coisa mágica nessa música, que a gente sabia que era o certo a ser feito.

Sempre existem os arquitetos do caos, passamos por isso. Independentemente do trabalho, sempre podemos ter problemas. As coisas polarizaram tanto que até no site da Climatempo existem discussões (risos). Passamos por todas essas discussões diariamente. Quase sempre seremos contestados, mas prefiro assim do que se não pudéssemos falar nada.

E como é fazer um comercial tradicional, de 2 minutos, que antes estaria somente na TV, explodir de compartilhamentos no WhatsApp e em outras redes?

Existem muitas regras quando falamos de comunicação nas redes sociais. Toda tem a sua: os 5 primeiros segundos precisam ter algo para chamar atenção, as histórias precisam ser condensadas, os formatos têm que ser mais curtos, etc. Tudo é verdade, mas dentro de uma métrica que é a média. Nosso trabalho pode ir em direção ao "contraformato". Não temos muitas regras para capturar a atenção das pessoas.

A gente acreditava tanto na ideia, que fizemos o contrário: primeiro fomos paras as redes sociais para depois chegar na TV. A estreia foi em um evento da VW, realizado na segunda-feira (3) à noite. O mais assustador foi ter explodido, ter repercutido tanto em menos de 12 horas. Ouvi muita gente dizer que o comercial resgatou o motivo de cada um ter feito propaganda.

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