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As dez mil horas do empreendedor intuitivo

Marco Roza

Colunista do UOL, em São Paulo

12/06/2013 06h00

Se você for do tipo que ainda trata os planos de negócios com um ato de fé pode até dar certo nos negócios. Mas pode também correr o risco de dirigir sua empresa como estivesse com os olhos presos nos retrovisores. Só assim temos certeza absoluta, mas só a posteriori, dos caminhos que acabamos de percorrer.

Uma certeza que não nos protege, infelizmente, das surpresas à frente, quando uma visão panorâmica, mas imprecisa, nos ajuda a reduzir marchas, mudar de faixa ou até buscar atalhos para evitar uma trombada.

E se concorda que empreender é como dirigir de olhos bem abertos numa neblina permanente e densa, então o retrovisor só raramente é consultado. E toda a tensão do deslocamento está nas interpretações rápidas e intuitivas que você aprende a realizar.

A intuição

Por isso gostaria de acrescentar ao seu viés empreendedor um pouco de intuição. Porque, por mais que nos esforcemos, nunca captamos a realidade com a precisão ansiada e anunciada nos planos de negócios convencionais.

Talvez seja por isso que a intuição que faz parte permanente de nossas decisões tenha sempre intrigado os melhores pensadores. Como Platão, o filósofo grego que afirmava existirem quatro formas de conhecimento: crença, opinião, raciocínio e intuição.

Em 1921, o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, no livro "Tipos psicológicos”, registrou quatro atividades mentais: sentimento, pensamento, sensação e intuição. Para Jung, longe de ser uma característica "irracional", a intuição é uma função de juízo, tanto quanto o pensamento e, ao contrário, da sensação e do sentimento.

A palavra intuição vem do latim “intuire”, que significa "ver por dentro". Para Jung, a intuição é uma capacidade interior de perceber possibilidades, enquanto que o filósofo Emerson a considera uma sabedoria interior que se expressa por si própria.

Immanuel Kant, o filósofo alemão, via a intuição como o conhecimento que se relaciona imediatamente com os objetos e que não dependeria da abstração. Em outras palavras: é aquilo que se sabe, sem precisar deduzir para concluir.

Já o filósofo David Benjamin Kaplan afirma que a intuição é, provavelmente, uma condensação de uma ou mais linhas de pensamento racional num único momento no qual a mente reúne rapidamente uma gama de conhecimentos e passa para a conclusão, que é a parte do processo que ele recorda.

Ou seja, já que a intuição é parte integrante de nossas análises, que tal a resgatarmos como ferramenta em nossos negócios? Você poderá vê-la como Platão e acrescentá-la às suas “crença, opinião e raciocínio” para captar no ar, de preferência antes de seus concorrentes, modelos de negócios ainda não percebidos e muito menos postos em prática.

E defendê-los com tal vigor e clareza até que sua fé contagie todos a seu redor.

Mas talvez você seja do tipo que gosta de sonhar seus sonhos acordado. Nesse caso, as lições de Jung podem ajudá-lo a usar sua intuição para complementar seus “sentimentos, pensamentos e sensações”.

Se sua escolha recair sobre Kant ou Kaplan, tipos mais racionais, você será o empreendedor do tipo descrito por Malcolm Gladwell, no seu livro “Blink”, no qual por meio de situações pesquisadas pelo autor, que é colunista do “The New Yorker” desde 1996, nos mostra que existem pessoas que tomam decisões num “piscar de olhos”.

Mesmo estando à frente de suas empresas ou na condução de suas carreiras.

O que nos mostra, defende o autor de “Blink”, que a qualidade das decisões nem sempre tem a ver com a enormidade de informações que as pessoas processam. Mas sim nos detalhes que as pessoas se concentram. Que, acredito, tenha a ver com uma experiência acumulada ao longo dos anos e sustentada por escolhas intuitivas.

Mas ao combinar empreendedorismo com intuição você pressente, antes mesmo de eu arriscar alguma explicação, que independente da velocidade que adotamos na tomada de decisões à frente de uma empresa, que se impõe a necessidade de sustentá-las com o convencimento de nossos parceiros.

Que são nossos fornecedores, colaboradores e clientes finais. Nos obrigando a malabarismos permanentes para que cada um contribua com o que sabe fazer e, ao mesmo tempo, sejamos capazes de conduzir a organização para seu destino.

Gerenciando os pequenos ajustes de rota a todo momento sem perder o foco no seu destino ampliado, que é transformar em lucro a satisfação de nossa clientela.

A experiência

O empreendedor é arrastado, tendo ou não consciência que utiliza sua intuição, para a afirmação do sociólogo Richard Sennett, professor de Oxford e da New York University, que afirma que “Para ser habilidoso, é preciso 10 mil horas de prática”. Que completa: “Ninguém faz algo bem acidentalmente”.

No livro “The Craftsman” (O Artesão), Richard Sennett reafirma que para uma pessoa ser habilidosa em qualquer área, é preciso 10 mil horas de prática. “Para aprender a fazer bem e de maneira confiável, precisamos fazer as coisas repetidamente.

E esse famoso número a que eu cheguei pode ser 10.500 ou 9.999 horas. Ele representa a experiência e a diversidade do conhecimento”, diz.

Portanto, meu caro ou minha cara, se você começa agora sua carreira de empreendedor comece a contagem das dez mil horas. Coloque em sua mochila as várias maneiras de sondar a realidade, que pode misturar as sabedorias e a intuição defendidas por filósofos como Platão, Kant, Kaplan ou pelo psicólogo Jung.

Com toda certeza, depois das suas suadas dez mil horas, será capaz de decidir (com chances de acertos) num “piscar de olhos” e transformar uma crise numa oportunidade.

Será intuitivo e criativo quando, diante das crises que virão, muita gente trava. E entenderá os mistérios que são mantidos distantes do empreendedor que só tem a seu favor o ímpeto e a fé nas lições que acaba de aprender.

Mas que ao fazer seu próprio caminho ao caminhar dez mil horas, ajudará a melhorar seu próprio desempenho e os resultados da organização que escolheu criar e gerenciar.