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Reinaldo Polito

Papa é infalível? Hoje é dia de lembrar homem que teve coragem de duvidar

Vaticano - Getty Images
Vaticano Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

15/06/2021 04h00

Proibir o permitido é pior ofensa do que permitir o proibido.
Y.S. Nathanson

Pense num camarada peitudo. Sim, daqueles que não fogem da raia. Que entram desarmados nas brigas, sem medo de cara feia. Um bom exemplo desse tipo contestador foi Martinho Lutero. Se hoje, com os costumes mais ou menos flexíveis, pouca gente ousa levantar o topete para enfrentar um papa, imagine, então, uma atitude de confronto com Sua Santidade em 1520.

Para começo de conversa, Lutero desafiou a infalibilidade do papa. Segundo a sua tese, apenas a fé em Cristo deveria ser levada em conta para a salvação dos homens, e jamais as ações humanas.

Julgava que as únicas fontes fidedignas para a interpretação da palavra de Deus seriam as Escrituras. Dessa forma refutou o sacerdotalismo romano, que constitui a divisão consagrada entre leigos e clérigos. O monge agostiniano defendia que todos os cristãos batizados deveriam ser considerados sacerdotes e santos.

As 95 teses de Lutero

Sua posição mais conflitante, entretanto, foi a de negar que o perdão de Deus poderia ser concedido pela venda de indulgências. Para a defesa de sua causa, Lutero em 1517 publicou 95 teses. Por isso, no dia 15 de junho de 1520, o papa Leão X emite a bula Exsurge Domine, exigindo que Lutero desconsiderasse 41 delas para não ser excomungado. O prazo de 70 dias concedidos para essa mudança de postura não foi cumprido.

Lutero não apenas deixou de obedecer à imposição do papa como foi além, queimou seu exemplar da bula junto com o Código de Direito Canônico. A igreja católica não teve outra saída senão a de excomungá-lo.

Para que a pena pesasse ainda mais, foi considerado um fora da lei. Em virtude da sua firme oposição acabou por se transformar em um dos pilares maiores da Reforma Protestante.

Pregou e ensinou a pregar

Lutero foi um pregador excepcional. Sua competência oratória influenciou todas as gerações de luteranos que se seguiram a ele. As orientações que deixou àqueles que desejam assomar ao púlpito servem também como norte a todos que pretendem falar bem em público. São apenas nove conceitos:

Saber ensinar, ter boa cabeça, ser bem articulado, ter boa voz, possuir boa memória, saber parar, estar seguro do que fala e ser aplicado, investir na sua tarefa de corpo e alma, suportar o desprezo de todos.

Quem dominar esses requisitos da boa oratória estará em condições de enfrentar qualquer plateia, com a certeza de que conquistará sucesso com suas apresentações.

Outro ensinamento relevante de Lutero para quem quer ser um bom orador é sobre a necessidade de adaptar a linguagem a cada tipo de ouvinte. Chama a atenção primordialmente para o zelo que se deve ter quando o público for composto de pessoas com maior dificuldade de entendimento:

"Quem vem à igreja são pobres crianças pequenas, empregadas, mulheres e homens idosos, para os quais a alta doutrina não é de proveito algum, pois eles não compreendem. E mesmo que digam: 'Puxa, como ele falou tanta coisa bonita; que prédica linda!', se perguntarmos: 'O que foi que ele disse?', responderão: 'Não sei'. Ao pessoal simples é preciso dizer branco é branco e preto é preto, de modo bem singelo, com palavras simples e claras - e mesmo assim, quase que não entendem".

Lições que atravessaram séculos

Observe que depois de tantos séculos, com todas as transformações experimentadas pela humanidade, essas lições de Lutero servem perfeitamente para a nossa realidade. Quantos oradores fracassam por não saber adaptar a maneira de se expressar às características dos ouvintes e ao contexto em que se encontram.

Vemos, às vezes, profissionais altamente intelectualizados, com conhecimento profundo da matéria que desenvolvem, mas que não conseguem tocar o sentimento das pessoas comuns, que precisam da linguagem simples para compreender a mensagem.

Por esses motivos este dia 15 de junho é uma data que merece reflexão. Ela indica a coragem de um homem, que acreditou na sua causa e não mediu sacrifícios para que o seu ideal fosse respeitado. Contestado por causa de suas posições, e uma figura até hoje bastante controversa, jamais poderemos deixar de admirar a sua postura diante da vida.

Superdicas da semana

  • Precisamos acreditar em uma causa para nos dedicarmos a ela de corpo e alma
  • Ainda que a vida não nos apresente saídas, devemos acreditar que elas existem
  • Só poderá se considerar bom orador aquele que fala a linguagem de seus ouvintes
  • Quem não souber falar com as pessoas simples, não poderá se considerar bom orador

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Oratória para líderes religiosos", publicado pela editora Planeta, "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante.

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