Reinaldo Polito

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Opinião

Falta um Duque de Caxias na vida de Luís Roberto Barroso

Abençoado é homem que não tendo nada a dizer, se abstém de demonstrá-lo em palavras.
George Eliot

A vida de celebridade não é para iniciante. Estão em nossa mente ainda as primeiras vezes em que Paulo Guedes foi falar com os parlamentares. Não acostumado àquele ambiente hostil e raivoso, entrou na pilha e bateu boca com os deputados. Era o que suas excelências mais desejavam. Alguém do então governo perdendo a calma e vociferando no microfone.

Com o tempo, levando bordoadas aqui e ali, Guedes foi modulando a voz e controlando a língua. Aprendeu a duras penas como tratar com os políticos no território deles. Se Bolsonaro tivesse sido reeleito, a conduta do superministro, com certeza, teria sido diferente da que foi na primeira gestão. Deve ter levado esse aprendizado para suas outras atividades.

Holofotes irresistíveis

Os holofotes são irresistíveis. Por mais recatada que seja a pessoa. Por mais que suas funções exijam discrição. Assim que aparecem os microfones e as câmeras, deixa o perfil moderado de lado e, às vezes, fala o que não deve. Passado o momento, é obrigada a explicar que as palavras estavam em outro contexto. Que as intenções do discurso eram diversas.

Mais uma vez, o ministro Barroso foi traído pela oratória inconveniente. Depois de protagonizar o famoso episódio "perdeu, Mané" e de outros em que precisou digladiar com bolsonaristas, ao falar para estudantes no Congresso da UNE, na quarta-feira, dia 12, se empolgou com as próprias palavras:

Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas.

Reação indignada

A reação foi forte. Parlamentares se manifestaram de forma indignada. Entraram com pedido de impeachment. As mídias sociais explodiram com opiniões contrárias ao seu pronunciamento. Ele teve de se explicar. O próprio STF também precisou dar uma palavrinha, tentando acalmar os ânimos. O estrago, entretanto, já estava feito. Passa a cola na trinca, deixa secar, lixa, mas a marca continua lá.

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Quando um magistrado abandona os autos, despe a toga e tenta se aproximar da população, com intenção ou não de ser mais popular, erra. É certo que um ministro do STF chega ao cargo por causa de seu relacionamento político, mas depois de ser aprovado deveria fazer todo o esforço para se mostrar neutro, isento, apartidário. Por isso não deve discursar "nas ruas".

Duque de Caxias

Essa lição foi dada ao Imperador D. Pedro II, de maneira magistral, por Duque de Caxias. O episódio foi relatado por Humberto de Campos na sua "saborosa" obra "O Brasil anedótico". Conta que Duque de Caxias era ministro da Guerra e acompanhou o imperador em visita a um dos quarteis da capital. O soberano resolveu, então, comer de marmita com os soldados. Após a refeição, D. Pedro II elogiou muito a qualidade do alimento. Na saída, Caxias disse-lhe, brusco:

Vossa Majestade há de desculpar a minha franqueza, mas, por esse processo, Vossa Majestade não se populariza. E corajoso: Vossa majestade vulgariza-se!

Assim, alertava o soberano sobre o fato de sua atitude poder prejudicar a aura que possuía como imperador do Brasil.

Um duque para Barroso

Já que os ministros contam com dezenas de assessores para ajudá-los nas mais diversas atividades, inclusive um para vestir a toga, talvez não fosse má ideia ter ao lado também um Duque de Caxias. Desde que tivesse a liberdade e a coragem que teve o ministro da Guerra para repreender o imperador, teria chance de impedir discursos inadequados.

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O problema será encontrar hoje alguém com esse perfil. Dificuldade maior ainda seja a de uma pessoa tão poderosa aceitar sugestões com essa assertividade. Dessa forma, a solução parece ser a velha tomada elétrica, pois após levar alguns choques a tendência é a de evitar pôr o dedo lá novamente. Barroso já levou choques suficientes para aprender a se comportar.

O ministro é inteligente, lúcido e muito bem preparado. Já deve ter percebido que essa história de luz, câmera, ação pode fazer bem ao ego, mas provoca consequências que dão muita dor de cabeça. Tudo indica que, pelo menos por um tempo, deixará o palco para quem deve estar lá - os políticos. Que assim seja.

Superdicas da semana

  • Há funções que exigem mais recato que outras
  • Nem sempre a popularidade deve ser almejada
  • Discursos com a população devem ser reservados aos políticos
  • Ensinamento de Apeles: "Sapateiro, não vá além das sandálias"

O conteúdo desse tema é estudado no curso de pós-graduação em "Gestão de Comunicação e Marketing" que ministro na ECA-USP. Livros de minha autoria que abordam esses conceitos: "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta. "29 minutos para falar bem em público", publicado pela Editora Sextante.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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