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Alexandre Pellaes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Você não gosta do seu trabalho, ou você não gosta de trabalhar?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

24/03/2022 04h00

Olá, pessoal! Tudo bem? Eu sou Alexandre Pellaes e estou chegando por aqui, como novo colunista do Lugares Incríveis Para Trabalhar, para chacoalhar as discussões sobre o mundo do trabalho, gestão, RH, liderança, emprego, propósito, futuro, carreira etc. (ufa!)

Pode me chamar de Alê ou de Pellaes e enviar suas perguntas, feedbacks, casos e dúvidas para o meu perfil no Instagram, o @pellaes, ou para o @uoleconomia. Ficarei muito feliz em interagir e buscar exemplos, referências, novas práticas e conceitos técnicos e científicos para construir uma visão saudável e bem-sucedida da sua relação com o trabalho.

Aliás, esse é um ponto muito importante! Aqui não tem achismo e informação sem base! Sou professor e pesquisador de temas relacionados ao futuro do trabalho e gestão, mestre em psicologia organizacional pela USP (Universidade de São Paulo) e tenho mais de 25 anos de carreira —passando por empresas nacionais, multinacionais, públicas, privadas e startups, dentro e fora do Brasil, numa grande salada de culturas e estilos de gestão.

Se a sua primeira reação ao ouvir esses temas é de um certo tédio ou desinteresse, cuidado! Não são temas opcionais na vida adulta! (Bom, na verdade, depende... se você for uma Kardashian...) Veja bem: mesmo que você não tenha ou não planeje ter uma carreira organizacional tradicional (depois vamos discutir se isso ainda existe), você consome serviços e interage com pessoas que vivem e funcionam de acordo com essas estruturas e, portanto, também sofre impacto do sistema e da qualidade dessas relações.

Para falar de trabalho, é muito importante compreender que trabalhar não é fácil. Afinal, envolve esforço e investimento de energia física e mental na direção de um determinado objetivo. Portanto, se você não se levanta todos os dias com um largo sorriso e agradecendo aos céus pelo seu trabalho, você é normal. Há dias melhores do que outros...

Por outro lado, se o seu pensamento sobre trabalhar vem acompanhado de um sentimento de exploração, rancor, raiva, reclamação repetitiva, desconexão ou constante questionamento sobre o que deveria ser diferente, é hora de fazer uma autorreflexão.

Será que você não gosta do seu trabalho ou será que você não gosta de trabalhar?

A única maneira de responder a essa pergunta é dar um mergulho um pouco mais profundo nos conceitos envolvidos por trás desse questionamento. (Ei, não fuja não!)

Trabalho é diferente de emprego

"Seu trabalho", nessa pergunta, está relacionado com um determinado contexto, condições, exigências, contrapartidas, permissões, lugar, horário, escopo, nível de autonomia etc. Ou seja, eu estou falando do seu emprego.

Emprego é a sua relação com uma pessoa ou entidade, que possui um determinado nível hierárquico com concentração de poder, e que dispõe da propriedade ou controle de um item de seu interesse (normalmente grana e status), que será negociado como contrapartida por um comportamento ou entrega esperados.

Complicou? Simplifico: emprego é um alinhamento contratual (formal ou psicológico). A ação repetitiva que você executa como atividade de sustento (fisiológico e emocional). Uma relação de TER => onde o foco tende a recair sobre as condições.

Para um funcionário ou uma funcionária de uma empresa, há um contrato formal. Para uma dona ou um dono de casa, há um contrato psicológico com sua família ou até com a visão social de si mesma ou mesmo. Ainda assim, há pressão, expectativas e cobranças.

Agora, quando eu falo sobre "trabalhar", na pergunta acima, me refiro ao seu trabalho.

Trabalho é um esforço intencional para gerar valor, oferecer serviço, cuidar, criar objetos, soluções ou transformar uma situação percebida. Uma ação com interesse autêntico e potencial de impacto sobre as pessoas, a natureza, a comunidade e sobre você. Com atenção especial para esse último ponto: você!

Complicou? Simplifico: trabalho é a sua relação com o mundo, por meio da ação. É uma forma de expressão e construção de identidade e legado. Trabalho é uma relação de SER => onde o foco tende a se manter na atividade ou no impacto.

Enquanto na relação pura de emprego a gente tem uma visão funcional, com disciplina por pressão e fazer porque alguém pediu (Cof! Mandou...); na relação de trabalho a ação tem uma intencionalidade própria. Trabalho é uma atividade sem a expectativa negociada ou sugerida de uma contrapartida. Isso inclui pegar uma latinha que está no chão na rua, secar a pia do banheiro do escritório ou do shopping (mesmo que você não a tenha molhado), fazer atividade física, preparar uma refeição, cuidar da saúde, brincar com o filho, ensaiar e apresentar uma música, escrever um poema. Ah... Também é fazer a planilha no Excel, fechar uma venda, responder um chamado, estar presente e participando da reunião (de verdade!), ler esse artigo, anotar e interagir etc.

Duas conclusões importantes emergem aqui:

  1. As atividades do seu emprego são uma "parte" da sua capacidade geral de trabalho;
  2. Você deveria levar a intencionalidade do seu trabalho para dentro das atribuições do seu emprego.

Vixe... Agora bugou geral!

Tradução: sua capacidade de ação é maior do que o que deixam você fazer no seu emprego, mas isso não quer dizer que você não possa trabalhar com tesão, mesmo sem o nível de autonomia e condições que gostaria de ter.

(Claro que não estou me referindo a situações de abuso, exploração, assédio etc. Tô falando da situação média...)

Entendo que o texto possa ter ficado um pouco denso e que essas definições possam ser novas para você. No entanto, elas são essenciais para a jornada que a gente começa a traçar juntos por aqui, pois se vamos falar sobre realização na nossa vida profissional, é absolutamente necessário compreender como trabalho e emprego se misturam na nossa rotina e como interpretamos essas relações em nossa vida.

Talvez você esperasse que eu trouxesse "3 práticas inovadoras de salário no mercado" ou "Como receber um feedback" —mas não dá para começar uma conversa real de transformação da relação com o trabalho por aí, assim como não dá para bater um milkshake com um palito de dentes.

Ao longo da vida, todo trabalho desprovido de significado tende a se tornar um peso, começando pelo seu emprego. (Talvez você queira ler essa frase algumas vezes.)

O papo aqui vai ser sempre aberto, transparente e com foco em desenvolvimento —das pessoas, das organizações e da combinação entre esses dois elementos. Ou seja, não é muro de lamentações, nem construção de romance organizacional.

A intenção dessa coluna é nos aproximar de uma compreensão mais fundamentada e positiva do papel do trabalho nas nossas vidas, sem cair nas armadilhas tradicionais de demonizar as empresas, mas também sem glorificar iniciativas organizacionais que, muitas vezes, mereceriam mais o tradicional "não faz mais que a obrigação".

E aí? Me conta o que achou! Mande seu comentário e suas perguntas, aqui ou nas redes sociais!

Um abração e muito bom trabalho!

Lugares Incríveis Para Trabalhar

Alexandre Pellaes é colunista do Lugares Incríveis Para Trabalhar, uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores do prêmio são definidos a partir da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições para a edição 2022 estão abertas e vão até 30 de maio.