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Especialista em futuro do trabalho, Alexandre Pellaes estreia coluna no UOL

Alexandre Pellaes, palestrante e estudioso do trabalho, estreia coluna no UOL dia 24 de março. - Acervo pessoal
Alexandre Pellaes, palestrante e estudioso do trabalho, estreia coluna no UOL dia 24 de março. Imagem: Acervo pessoal

Julia Moióli

Colaboração para o UOL, em São Paulo

23/03/2022 04h00

Desde que começou a trabalhar, aos 15 anos, o novo colunista do UOL, Alexandre Pellaes, já passou por todos os níveis hierárquicos: vendeu curso de inglês na avenida Paulista, em São Paulo, trabalhou em loja de óleo para carros, foi estagiário de ciências contábeis e fez carreira executiva em multinacionais dentro e fora do Brasil.

Depois de 20 anos de carreira em empresas tradicionais, quando parecia já ter visto de tudo, começou a trabalhar na maior empresa horizontal do mundo e teve um choque de realidade: havia, sim, um jeito diferente de estruturar as organizações. Estudou, se especializou em gestão de pessoas, abriu uma consultoria em tendências para o futuro do trabalho, a Exboss, e já palestrou duas vezes no TEDx.

Na entrevista a seguir, Pellaes conta sobre as ideias e os desafios que pretende propor na coluna que assina a partir de 24 de março no canal Lugares Incríveis para Trabalhar, uma iniciativa da FIA (Fundação Instituto de Administração) e do UOL para reconhecer as empresas brasileiras que proporcionam ambientes saudáveis, agradáveis e produtivos para os colaboradores.

UOL: Como sua trajetória profissional o levou a se especializar no tema "trabalho"?
Alexandre Pellaes: Sempre trabalhei em empresas com estrutura organizacional tradicional até que, em 2007, ingressei na W.L. Gore & Associates, uma multinacional com mais de 10 mil funcionários, conhecida como a maior empresa horizontal no mundo, sem chefes e sem cargos. Ali, percebi que havia um jeito diferente de estruturar as empresas.

Então, comecei a desenvolver com mais profundidade o interesse por liderança e gestão. Decidi estudar sobre comportamento humano, fiz mestrado em psicologia do trabalho na Universidade de São Paulo (USP) e agora curso o doutorado, buscando identificar quais são os fatores do mundo do trabalho que influenciam nossa autorrealização.

Qual foi a lição mais importante que você aprendeu estudando sobre o trabalho?
AP: Depende mais de você do que do sistema. Eu gosto muito da de uma frase do José Ortega y Gasset: "Eu sou eu e minha circunstância." Nem só eu, nem só minha circunstância. Quando consegui entender que dependia mais de mim do que do sistema, acabei me transformando num agente de mudança do próprio sistema. Em geral, entramos no mundo do trabalho para dançar conforme a música, mas em algum momento é preciso sair da disciplina por pressão e por obediência e trabalhar a disciplina por ética.

E que mitos ou lugares comuns sobre o ambiente e o mercado de trabalho vale a pena esclarecer?
AP: O primeiro mito é que, para ser feliz, você tem que trabalhar pouco. Essa é a demonização do trabalho como se fosse sempre exploratório. Nem todo trabalho é exploratório negativamente e nem toda estrutura organizacional é cruel. E acredita-se que a responsabilidade de mudar as empresas - e este é outro grande mito - seja da liderança ou da organização, mas isso não é verdade. A responsabilidade é de todos nós.

E qual é o papel do líder nesse novo cenário?
AP: É importante compreender três mudanças na visão sobre liderança. A primeira é que a qualidade da liderança não é atributo de uma pessoa, mas de uma relação. O segundo ponto é entender que a liderança hoje não é ligada a status ou cargo, mas guiada por intenção e influência. A terceira mudança é compreender que liderança não é mais sobre crescer o negócio e bater meta. É sobre cuidar de pessoas e de negócios, sem ter essa disputa sobre propósito ou dinheiro. É um pouco dos dois. Uma empresa só será bem sucedida se for uma plataforma de desenvolvimento para as pessoas e de construção de legado para a sociedade.

Alexandre Pellaes, especialista em trabalho e colunista do UOL - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Em suas palestras, Alexandre Pellaes propõe novos olhares sobre gestão, liderança e o futuro do trabalho.
Imagem: Acervo pessoal

Como deve ser uma relação de trabalho produtiva e saudável entre empresa e funcionário?
AP: Deve haver equilíbrio de voz e acesso a voz. A maioria das pessoas não quer ter sua voz acatada, mas, sim, ouvida. Mas, muitas vezes, a organização pula as etapas de ouvir e impõe decisões. Uma das coisas mais negativas do mundo organizacional é justamente essa despersonificação do indivíduo, colocar alguém para replicar uma tarefa já definida e baseada em disciplina por obediência, sem permitir que ele se enxergue como pessoa.

Em contrapartida, o lugar saudável é aquele que flexibiliza esse espaço de ação e permite que a pessoa viva com autonomia, entendendo que autonomia é o espaço e a permissão para sua ação, de acordo com o seu nível de maturidade e conhecimento. Esse processo é gradativo.

Qual é a importância da diversidade e da inclusão nas empresas?
AP: Quando falamos de diversidade, falamos também sobre diversidade de pensamento. Muitas vezes, num processo seletivo, a organização escolhe uma pessoa diferente da outra, porém todas com o mesmo pensar. Então, lá não existe diversidade.

Num mundo dinâmico de negócios tão complexos eu preciso ter variáveis que enriqueçam a possibilidade de caminhos. Eu costumo brincar que é como se estivéssemos criando um modelo de gestão semelhante ao aplicativo Waze, no qual várias pessoas têm pontos de vista diferentes e todas têm um botão para usar sua voz e dizer o que acontece de acordo com o que elas enxergam. Isso nos ajuda a ter um mapa para traçar possíveis caminhos.

Diferentemente de como os negócios eram conduzidos antigamente, olhando num mapa fixo, hoje temos um mapa vivo a partir dessa interação. Nenhuma empresa vai sobreviver num cenário de complexidade e de inovação se não trouxer diversidade. E é preciso que haja diversidade com coragem: que ajude as minorias a levantar e falar, mas também que ensine as maiorias a sentar e escutar.

Como manter o espírito de criatividade e de inovação em meio à rotina?
AP: Muitas vezes as pessoas terceirizam isso para a organização, como se existisse uma área capaz de fazer a nossa vida no trabalho ser melhor. Na verdade, somos nós que temos que propor essas pequenas melhorias incrementais - inovação não é necessariamente algo disruptivo. A inovação deveria ser uma mentalidade criativa de questionar o que poderia ser melhor ao nosso redor. Isso vale para uma forma inovadora de conversar, de apresentar um tópico, de emitir uma nota fiscal, de secar a pia do banheiro.

O mercado de trabalho se transforma cada vez mais rápido. O que um profissional deve fazer para não ficar para trás?
AP: Uma das competências mais relevantes para o futuro do trabalho é a aprendizagem intencional, que é o quanto temos de interesse genuíno em aprender novas práticas e novas formas de pensar e agir a partir do interesse individual.

Como vamos buscar esse aprendizado? Pode ser em uma conversa, no Instagram, no YouTube, com treinamento em organização ou em sala de aula. Então, quando falamos de carreira, o essencial é ter clareza sobre para onde se quer ir. E não estou falando sobre olhar lá para frente, mas sobre protagonismo. Pode ser desde buscar aulas inglês até aprender culinária e, inclusive, se apropriar de competências menos óbvias e que antigamente não seriam mencionadas no mundo do trabalho.

O exemplo mais claro disso é a maternidade, que é uma competência única para as mulheres. Elas desenvolvem habilidades de gerenciamento, de comunicação, de ajustamento de contas, mas, quando voltam ao escritório, sentem que estavam paradas. Isso não é verdade. Em um mundo em transformação, temos que ter um olhar mais inteligente, criativo e nos apropriar de pontos que não costumamos vender como diferenciais.

Cada um de nós é um ser multipotencial, um canivete suíço. Temos várias abas, mas muitas vezes no mundo do trabalho só vendemos a lâmina. Precisamos vender as outras também.

O que você considera um "lugar incrível para trabalhar"?
AP: Um lugar incrível para trabalhar é um lugar que respeite as pessoas, ofereça um espaço de verdade para que elas possam ser indivíduos com um nível de influência e possam se colocar como sujeitos na melhor definição da palavra.

Um lugar que tenha compromisso com a sociedade e com a comunidade e que valorize a qualidade das relações humanas. Resumindo: um lugar que cuide da pessoa e permita que ela seja um indivíduo de verdade, que potencialize sua entrega e não que a deixe engessada atrás de uma definição de cargo e de um crachá em que nunca vai caber uma pessoa inteira.

O que você pretende compartilhar na coluna?
AP: Vou falar bastante sobre a diferença entre trabalho e emprego, entendendo que trabalho é a nossa relação com o mundo por meio da ação e emprego é uma relação contratual de troca. Trabalho é uma relação de ser e emprego, uma relação de ter.

Também vou trazer informação sobre a diferença de tratamento entre homens e mulheres e falar sobre esses vieses inconscientes que existem na relação organizacional. Vou desmistificar ideias fantasiosas que temos sobre trabalho híbrido e felicidade no trabalho - e como nossa felicidade e desenvolvimento moram menos no conforto do que achamos.

E vou falar sobre modelos de gestão, novas práticas organizacionais, novas ideias de apresentar compreensões sobre hierarquia, salários, processo de recrutamento e reconhecimento de gestão desenvolvimento humano. A coluna é um lugar de ampliar o olhar sobre o trabalho e de gerar um incômodo para quem estiver a fim de se desenvolver.

Você tem algum recado para os futuros leitores da coluna?
AP: Quero dizer que a coluna será construída por nós e que vou adorar interagir com quem se achegar. Quero muito conhecer casos, ouvir perguntas e ajudar com situações específicas. Por isso, já convido todos a entrarem na coluna de cabeça aberta, se deixando ser provocados e entendendo que essa é uma jornada de desenvolvimento.

Lugares Incríveis para Trabalhar

O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições para a edição 2022 estão abertas e vão até 30 de maio.