Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Saúde mental no trabalho: um tabu que precisa cair
Durante os últimos dois anos, grande parte das pessoas sentiu um aumento dos níveis de pressão reconhecida no trabalho - seja por questões de mercado, demissão, reestruturação, novas formas de interação, digitalização de relações, ajustes de práticas organizacionais etc. ou simplesmente devido à mudança de expectativas individuais sobre o que queremos da nossa vida profissional.
Isso tudo, certamente, nos trouxe um impacto pesado para o desafio de manter o equilíbrio emocional.
No entanto, não vamos cair na armadilha de achar que a pandemia foi a causa da instabilidade mental e emocional das pessoas no mundo do trabalho. As raízes do problema são mais antigas e complexas, influenciadas pelo desenho das estruturas hierárquicas de comando e controle, abuso e exploração de recursos, além da obsessão por maximizar os resultados, cruzando-se com a dinâmica de interesses, permissões e restrições que define a relação formal de trabalho entre empregado(a) e empregador(a).
Ou seja, nada de novo sob o sol... Opa. Pera aí. Tem alguma coisa nova, sim. Olha só: graças à pressão adicional mencionada acima, saúde mental virou tema discutido com muito mais abertura e seriedade, e, finalmente, diversas organizações perceberam (Cof! Foram obrigadas a perceber...) traços tóxicos de suas culturas e lideranças.
Nesta semana, aconteceu em São Paulo um dos maiores congressos de RH da América Latina, o CONARH, onde milhares de empresas e pessoas discutiram e apresentaram soluções para desenvolvimento humano, e, adivinha só, que tema estava fervilhando de ofertas e sugestões de abordagem e suporte? Isso mesmo: saúde mental.
Desde aplicativos para identificar tendências e flutuações de equilíbrio emocional em indivíduos ou equipes ao longo do tempo (com cuidado para atender à LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados - mas também prover indicadores para ação de organizações e de trabalhadores) até ofertas de atendimento psicológico individualizado, sem reporte de status para a empresa contratante, pago totalmente pelo empregador (sem blablabla de plano de saúde...), e integrados com saúde corporal, hábitos alimentares e ações para equilíbrio espiritual.
Certamente, ainda temos um longo caminho a trilhar, mas enxergar esse movimento de mercado é um indicador de que teremos mais dados e poderemos desmistificar crenças e julgamentos sobre saúde mental e sua relação com o trabalho.
Não poder falar sobre a pressão que sentimos no trabalho torna-se uma nova forma de pressão, como uma profecia autorrealizável do mal.
Um levantamento elaborado em 2020 indicou que 54% das pessoas não se sentem confortáveis em falar sobre questões de saúde mental com suas lideranças e que 30% acreditam que isso as colocaria em risco de demissão ou de ficarem "encostadas" (eita!). Além disso, 35% afirmam desabafar sobre o tema com colegas, e apenas 5% procuram ajuda do RH. Ou seja, ser vulnerável ainda é visto como fraqueza dentro do mundo do trabalho.
Atenção para esses dados. Talvez você tenha lido as informações de maneira passiva, como "olha só as empresas impedindo a evolução das pessoas", mas saiba que parte da mudança precisa partir dos(as) trabalhadores(as). Expor as vulnerabilidades é uma ação necessária para mudar o sistema. Aqui vão algumas observações, a fim de incentivar nossa abertura para essa conversa:
1. Saiba que você nunca é o(a) único(a) que está passando por dificuldades;
2. Falar sobre seus medos, ansiedades e ter mais abertura é um hábito e não um traço de personalidade;
3. Esconder sua condição é um peso que você não precisa carregar;
4. Tem muita gente (muita gente mesmo) querendo ajudar.
Se sua organização tem interesse genuíno em impactar positivamente as pessoas e os negócios, adote práticas para falar e tratar temas relacionados à saúde mental. Desmistifique o conceito de que isso "é coisa de louco" (aff!)... Trabalhe para levantar dados que permitam discussões aprofundadas e ajustes na sua cultura.
Os dados da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx) mais recente, de 2021, indicam que a percepção de estresse excessivo e associação do trabalho com esgotamento mental é maior para pessoas com responsabilidade de liderança e entre pessoas de 27 a 39 anos, em comparação com grupos de outras faixas etárias. A razão? Temos indícios apontando o volume de trabalho como grande vilão, mas é muito importante conhecer as práticas e impactos da experiência dentro de cada empresa. Não adianta importar conclusões dos outros. Empenhe-se para levantar e conhecer esses indicadores para a sua organização.
Não é sobre abrir um comitê de lamentações, mas sobre criar espaços seguros para conversa, compartilhamento de percepções e oportunidades de buscar ajuda especializada, oferecendo segurança e tratamento a quem está doente.
Acima de tudo, acabe com o julgamento diferenciado entre saúde física e saúde mental. Nós somos seres integrais. Não ajuda nada avaliar a saúde das pessoas por partes. Tem "empresa" (leia-se "gente na empresa") que fica mais confortável em saber que um empregado(a) vai fazer uma cirurgia complexa do que ouvir que está com burnout ou depressão.
É hora de derrubar esse tabu.
Qual a sua percepção sobre esse tema? Você acredita que há espaço para falar com sua liderança e RH com confiança e transparência? Deixe o seu comentário e contribua com essa discussão.
Um abração e muito bom trabalho!
Lugares Incríveis Para Trabalhar
Alexandre Pellaes é colunista do Lugares Incríveis Para Trabalhar, uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores do prêmio são definidos a partir da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições para a edição 2022 estão abertas e vão até 30 de maio.
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