Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Roblox: o que a nova febre da internet diz sobre o futuro do trabalho
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"Meus filhos são gêmeos de 7 anos. Pergunte a eles o que é a internet: a referência é o Roblox - não é o Google."
É com nítido entusiasmo que o inglês David Mattin, jornalista especializado em tecnologia e conselheiro do Fórum Econômico Mundial, discorre sobre o Roblox em sua ótima newsletter semanal. Na primeira quinzena de março, a plataforma digital fez sua oferta pública de ações e debutou na bolsa americana avaliada em US$ 38 bilhões - cifra suficiente para alçá-la ao seleto clube das maiores companhias de games do planeta e para transformá-la na nova queridinha da internet.
Só que Mattin faz um alerta: quem imagina o Roblox como um mero passatempo eletrônico da moda está fazendo um julgamento precipitado. Primeiro porque seu modelo de negócios pode reconfigurar a indústria de games, um mercado que deve superar a casa dos US$ 200 bilhões em faturamento em 2023, segundo a consultoria especializada Newzoo.
Além disso, a plataforma do Roblox não se limita a jogos. Na verdade, seu recurso mais ambicioso é o "metaverse", um ambiente digital em que as pessoas podem interagir com seus avatares de maneira cada vez mais intensa.
Em tempos de pandemia, esse mundo paralelo tem sido usado para a promoção de festas e concertos musicais - além de, claro, competições de videogame. Mas não se espante se, em um futuro não tão distante, você receber um convite para uma reunião de trabalho ou um ingresso para um evento corporativo no espaço virtual do Roblox.
Definir essa plataforma que já captura duas horas e meia por dia da atenção de metade dos americanos com menos de 16 anos requer um esforço de concisão e, ao mesmo tempo, o espaço de algumas linhas. É possível compará-la ao Minecraft, o game que ajudou a transformar o youtuber Felipe Neto em celebridade por construir mundos imaginários com tijolos pixelizados.
Mas não para por aí: o Roblox possibilita que os usuários criem seus próprios jogos a partir de uma caixa de ferramentas digitais. Elas são intuitivas a ponto de tornar a programação palatável até para uma criança de dez anos.
Nos jornais, já pipocam histórias de adolescentes geniais que conseguiram quitar o financiamento da casa dos pais com o dinheiro das pessoas que pagam para ter acesso a apetrechos especiais de seus games no Roblox.
Dos cerca de 32 milhões de usuários diariamente entretidos em jogos como o "My Restaurant", que simula a montagem e a gestão de um estabelecimento comercial, cerca de três centenas deles tiram até US$ 100 mil ao ano. Os programadores amadores recebem 30% da receita das vendas - o restante fica com a plataforma.
O acordo é simples: se você não for talentoso o suficiente para ganhar dinheiro com o seu game, ao menos estará se divertindo a valer. Entretanto, se tiver o potencial de um Steve Jobs da vida, poderá incubar suas ideias inovadoras em uma plataforma capaz de vendê-las para o mundo todo.
O que o Roblox faz é monetizar em larga escala e de forma centralizada aquilo que, em um artigo seminal publicado em 2005, o gamer e pesquisador alemão Julian Kücklich denominou criticamente de playbour. Basicamente, trata-se da mescla entre jogar (play) e trabalhar (labour), frequentemente não remunerada, que a indústria de games captura desde a década de 1990.
Alguns dos jogos mais populares da história são resultados de sucessivas modificações em seus códigos de programação. Um exemplo bastante famoso é o do Counter Strike, uma espécie de safari humano em primeira pessoa, desenvolvido a partir do original chamado Half-Life.
É comum que essas versões alteradas - conhecidas como mods - sejam feitas não pelos fabricantes dos jogos, mas pelos próprios fãs interessados em deixar o game mais funcional e instigante.
A tese de Kücklich é de que a indústria estimulou a criação de mods para contornar os riscos inerentes ao lançamento de qualquer novo produto. Isso também ajudou a poupar recursos em marketing, já que a troca de experiências entre os fãs é uma das propagandas mais eficazes.
Apesar do surgimento dessas inúmeras e criativas versões, a indústria sempre manteve os direitos de propriedade sobre os jogos. Dessa maneira, ela incorporou as inovações trazidas pelos mods, mas sem remunerar o trabalho coletivo da comunidade que aperfeiçoou os games.
O Roblox abraça a lógica do playbour e eleva à última potência a ideia da internet como uma mistura sedutora de indústria com parque de diversões. Além disso, a companhia também parece dar um audacioso passo adiante no mapeamento que as gigantes digitais - como o Facebook - conseguem fazer sobre nós.
Um perfilamento, aliás, só possibilitado pelo trabalho voluntário que nós, usuários, fazemos ao alimentar com nossas informações pessoais as bases de dados capazes de prever nossos comportamentos.
O fato é que o Roblox não opera somente no terreno dos hábitos ou das preferências, expressos em números de curtidas e de seguidores. O que está em jogo é certamente muito mais valioso: o nosso dom de imaginar.
Pode até ser que o Roblox morra na praia, afogado pelo tsunami da concorrência tecnológica. De qualquer modo, fica a reflexão: o que poderá sair de uma plataforma planejada para processar em massa o trabalho humano de abstrair e criar?
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