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Como são feitas as roupas da Shein, a 'Amazon chinesa' da indústria têxtil?
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Os números são realmente de cair o queixo.
As redes sociais somam 250 milhões de seguidores. As encomendas são despachadas da China para mais de uma centena de países. O catálogo já foi alimentado com mais de 6 mil novos produtos em um único dia. E o faturamento em 2020 bateu US$ 10 bilhões, um salto de 250% em relação ao ano anterior.
Foi com a pandemia que o marketplace chinês de roupas Shein caiu nas graças do público - principalmente das jovens de 20 e poucos anos, a chamada Geração Z. Febre na internet, a marca virou sinônimo de "bom, bonito e barato".
O modelo de negócios da empresa bebe mais de big techs como a Amazon do que de indústrias têxteis consagradas como a Zara. Capturando tendências nas redes sociais e obrigando fornecedores a produzir em tempo recorde, a plataforma conquista mercados mundo afora com a mesma velocidade com que desperta dúvidas.
Afinal, o que se pode dizer das condições de trabalho das pessoas que fazem as peças vendidas pela Shein? Nos últimos meses, uma série de reportagens e relatórios internacionais vem denunciando problemas na cadeia produtiva da empresa, toda instalada na China.
No mais recente deles, a organização suíça Public Eye publicou em novembro uma ampla investigação sobre os fornecedores da plataforma. Segundo a entidade, trabalhadores pagos por produção e sem contrato formal, habituados a jornadas de 12 horas por dia e a apenas um ou dois dias de descanso por mês, foram entrevistados em fábricas e oficinas na região de Guangzhou, importante pólo industrial da potência asiática.
"A cadeia produtiva é muito nebulosa e vai na contramão do movimento de transparência tão necessário ao setor", afirma Fernanda Simon, diretora-executiva do Instituto Fashion Revolution Brasil, braço da iniciativa global que sensibiliza empresas do setor da moda para boas práticas socioambientais.
"As grandes varejistas de fast-fashion concorrentes da Shein têm apresentado progressos nos últimos anos. Mas a Shein vem crescendo sem apresentar informações consistentes sobre sua cadeia produtiva", complementa.
Ultra fast fashion
Marcas conhecidas, como H&M e Zara, encurtaram a distância (e o tempo) entre desfiles de moda e consumidores comuns. Em menos de um mês, conseguem produzir peças de design arrojado a preços acessíveis. Por isso, são chamadas de fast fashion.
A Shein repaginou o setor e apertou o botão turbo. A inspiração não vem mais das passarelas, mas das redes sociais. E o prazo para a confecção das roupas se acelerou: elas são concebidas e fabricadas em apenas uma semana. Por essa razão, o modelo da companhia vem sendo chamado de ultra fast fashion.
A receita da plataforma é a aposta em big data, inspirada na operação da Amazon. Uma poderosa ferramenta de inteligência artificial varre perfis de influenciadores na web à procura de looks com potencial para bombar em vendas.
Por meio do mesmo programa, as referências são apresentadas aos fabricantes cadastrados na plataforma, de acordo com o perfil e a capacidade de cada um. Eles abastecem a loja virtual com lotes pequenos, o suficiente para testar o gosto dos fregueses. Se a peça fizer sucesso, a Shein encomenda mais.
O sistema também se ocupa da logística. Os pedidos são despachados em poucos dias para o mundo todo a partir de um centro de distribuição que emprega 10 mil trabalhadores também sujeitos a jornadas de ao menos 12 horas, de acordo com o relatório da Public Eye.
Código de conduta
Violações de direitos básicos e flagrantes de trabalho escravo rondam a indústria da moda há anos. O caso mais conhecido é o desabamento do Rana Plaza, em abril de 2013, com mais de mil vítimas. Localizado na capital de Bangladesh, o edifício concentrava oficinas de costura em condições absolutamente precárias a serviço de marcas famosas.
A tragédia causou comoção mundial e originou o movimento Fashion Revolution. Também fez crescer entre consumidores planeta afora a percepção de que as marcas precisam se responsabilizar por todo o processo produtivo de suas roupas. Isso inclui zelar pelas condições de trabalho não só dos fornecedores diretos, mas também de oficinas de pequeno porte subcontratadas.
É justamente aí que residem os questionamentos sobre a Shein. Pouco - ou quase nada - se sabe sobre a operação da empresa, para além de uma ou outra frase disponível no site como "promovemos um ambiente de trabalho seguro, justo e feliz para todos". Em setembro, a plataforma até publicou um código de conduta para orientar os fabricantes de roupas cadastrados na plataforma. "Mas ele é bem simples e muito reduzido quando comparado ao de outras grandes marcas", analisa Fernanda Simon.
Não à toa, a Shein figura na categoria de menor pontuação do Índice de Transparência da Moda. Organizado pelo Fashion Revolution, o ranking avalia as ações tomadas pelas 250 maiores companhias do mundo para tornar suas cadeias produtivas mais sustentáveis.
A Shein não tem assessoria de imprensa no Brasil, mas a coluna conseguiu fazer contato com a direção da empresa por e-mail. A nota, redigida em inglês, afirma que "o código de conduta exige que os fabricantes atendam a regulações ambientais locais e a padrões trabalhistas internacionais".
O texto também diz que a Shein monitora periodicamente seus fornecedores e que pediu reiteradamente à Public Eye informações sobre as oficinas com problemas para realizar uma auditoria e tomar as medidas cabíveis, se necessárias.
Um dos aplicativos mais baixados do mundo no ano passado, a gigante chinesa da moda já desponta entre as líderes do competitivo mercado da moda. Se seu modelo de negócios é inegavelmente inovador e bem-sucedido, o mesmo ainda não se pode dizer de suas políticas de responsabilidade social.
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