Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Caso Daniel Silveira: como a democracia morre e a economia desanda
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O decreto de Jair Bolsonaro que concedeu graça ao aliado e deputado federal Daniel Silveira parece um estudo de caso talhado para o best seller "Como as democracias morrem", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores de Harvard.
A decisão sem precedentes do presidente também acendeu o alerta entre a banda do empresariado que tem algum apreço pelo Estado de direito e sabe que a integridade das instituições é essencial para colocar a economia nos eixos.
Em entrevista à Folha, Horácio Lafer Piva - membro do conselho da gigante da celulose Klabin - disse que a medida intempestiva de Bolsonaro "afeta negócio, afeta a vida das pessoas, a imagem do Brasil lá fora".
Piva está certíssimo. Afinal, quem em sã consciência vai investir em um país com inflação recorde e desemprego estratosférico, mas em que só se fala da possibilidade de um golpe?
Regras não escritas
O livro de Levitsky e Ziblatt elenca uma série de sintomas de corrosão da democracia. Um dos mais importantes é o desrespeito àquelas regras não escritas, porém indispensáveis ao funcionamento das democracias. Um dos exemplos mais conhecidos se deu em 2016, nos Estados Unidos.
Naquele ano, congressistas republicanos desrespeitaram a tradição e impediram que o então presidente Barack Obama, em seu último ano de mandato, exercesse seu poder legítimo de indicar um novo ministro para a suprema corte do país.
A manobra não necessariamente ilegal, mas sem precedentes, foi calculada para que Donald Trump conduzisse um nome conservador à instância máxima da Justiça. O mesmo Trump que anos depois insuflaria uma invasão ao parlamento do país depois de perder nas urnas.
O caso de Daniel Silveira consegue ser ainda mais avacalhado. O bom senso evidencia que Bolsonaro cruzou uma série de limites ao se portar como um monarca contrariado - ainda que alguns juristas, como Ives Gandra Martins, defendam a ideia de que a letra fria da lei garante ao presidente a possibilidade de perdoar criminosos, sem quaisquer condicionantes.
O ponto é: mesmo que se levasse em conta essa interpretação literal e descontextualizada da Constituição, é razoável que o presidente atropele um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que nem chegou a ser formalmente concluído?
É minimamente ético que o presidente apele a um instrumento que sempre beneficiou uma coletividade - como os detentos beneficiados pelo indulto de natal - para limpar a barra de um amigo que ameaça, de cara limpa, a democracia?
Expectativas
A medida irresponsável de Bolsonaro vem à tona justamente num momento em que o governo tenta atrair investidores inseguros com a Guerra da Ucrânia, vendendo a imagem de que o Brasil é um "porto-seguro", por supostamente contar com sólidas fundações democráticas.
Mas é aí, então, que a crise política contamina o PIB. Como sabemos, economia é - acima de tudo - expectativa. E, como também sabemos, segurança jurídica é pré-requisito básico para quem quer investir, produzir e gerar empregos.
Um país cujo presidente desautoriza da noite para o dia a instância máxima da Justiça não pode inspirar qualquer confiança.
Uma sociedade que discute a sério se os resultados das próximas eleições vão ser respeitados não tem condições de chegar a consensos necessários para superar a inflação e retomar o crescimento econômico.
Na ânsia de inflamar a base radicalizada para ganhar sobrevida até as eleições, Bolsonaro pode até fazer brilhar o olho de uma turma de empresários que embarcaram há tempos no bonde do presidente, como Luciano Hang, o dono da Havan.
Mas o presidente também corre o risco de produzir um efeito colateral com as canetadas pesadas de sua Bic: o abandono dos donos do dinheiro que até poderiam estar inclinados a lhe dar uma segunda chance. Qualquer um que conecta o Tico e o Teco sabe que Bolsonaro não vai parar. E a economia vai seguir soluçando diante de tanta turbulência.
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