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Carlos Juliano Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Qual o futuro das profissões criativas com a inteligência artificial?

A ferramenta Wordcraft, do Google, cria e escreve histórias  - Reprodução
A ferramenta Wordcraft, do Google, cria e escreve histórias Imagem: Reprodução

08/11/2022 04h00

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Na semana passada, o Google ganhou as manchetes das publicações de tecnologia mundo afora com o lançamento do Wordcraft — uma ferramenta de inteligência artificial capaz de conceber e escrever histórias.

A plataforma foi testada em oficinas com 13 escritores profissionais. Basicamente, eles usaram os recursos do Wordcraft para não só lapidar os textos, deixando as frases mais concisas ou engraçadas, mas principalmente para receber sugestões sobre os rumos das histórias.

O veredito foi unânime: a ferramenta ainda é bastante embrionária e nem de longe substitui a inventividade de um cérebro humano fervilhando de ideias. Mas ela é capaz, sim, de trazer insights interessantes e contribuir com o processo criativo.

Pessimismo x Euforia

Em geral, quando um anúncio dessa magnitude vem à tona, duas posturas diametralmente opostas se estabelecem de bate-pronto.

De um lado, o fetichismo tecnológico festeja a imparável marcha do progresso e se empolga com um mundo cor-de-rosa em que todos poderão usar e abusar de suas potencialidades, impulsionadas pela inteligência artificial.

Na contramão, o neoludismo histérico decreta a iminente extinção de empregos prestes a serem roubados por equipamentos tão malvados quanto modernos.

Ludistas eram aqueles que, nos primórdios da Revolução Industrial, defendiam o quebra-quebra das máquinas. Agora, no caso específico do Wordcraft, as vítimas da vez não seriam os operários — mas, sim, os escritores.

É evidente que a realidade está mais perto do primeiro do que do segundo cenário. Pegue o exemplo do xadrez, jogo que ao longo de séculos foi considerado a expressão por excelência da inteligência humana.

Imaginar uma máquina capaz de superar a criatividade dos movimentos de peças pensados por uma pessoa de carne e osso foi um tabu por gerações e gerações.

Mas ninguém deixou de seguir carreira profissional no tabuleiro depois que o supercomputador da IBM, o Deep Blue, venceu o mítico campeão mundial Garry Kasparov, na década de 1990. Pelo contrário, os jogos digitais ajudaram a popularizar e a elevar o nível do xadrez.

Proletariado digital

Só que isso também não quer dizer que os neoludistas estejam de todo errados. Afinal, máquinas têm sim a capacidade de suprimir empregos, ainda que em alguns casos isso seja amplamente desejável.

Pense num cortador de cana-de-açúcar: alguém em sã consciência defende que um ser humano ganhe a vida sofrendo na labuta pesada e insalubre, perfeitamente substituível por um trator?

No caso das atividades chamadas de "braçais", a troca não parece tão difícil assim. Mas é justamente quando pensamos nos incensados "trabalhos criativos", para os quais o mercado supostamente tem migrado nos últimos anos, que a pergunta se torna mais desafiadora.

Talvez porque gostemos de pensar que nossa intelectualidade é o que nos diferencia de todos os outros seres do mundo. Mas o fato é que as profissões criativas também são passíveis de substituição pela tecnologia. Com cada vez mais competência, aliás.

Precisa de uma logomarca para sua padaria? Há diversos sites que fazem isso de maneira bem razoável — e gratuita. Não tem dinheiro para pagar pela trilha sonora de um vídeo? Uma porção de plataformas fornece opções de graça ou a preços bem módicos.

É claro que designers e compositores de trilha não desapareceram com o surgimento dessas ferramentas. Assim como os redatores de livros best-sellers ou de roteiros blockbusters não serão exterminados pela inteligência artificial do Google. Ao contrário, a tecnologia pode aprimorar suas habilidades.

Mas também é verdade que há um proletariado digital que já vem sofrendo — e deve sofrer ainda mais — com os impactos da automação. A verdade certamente não está no apocalipse dos neoludistas. Mas tampouco está no paraíso dos fetichistas.