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Carlos Juliano Barros

REPORTAGEM

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Roteiristas de Hollywood votam greve; brasileiros ainda brigam por direitos

18/04/2023 04h00

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Terminou ontem a votação organizada pela WGA, o sindicato dos roteiristas dos EUA, que deu sinal verde para uma possível greve a partir de 1 de maio.

Essa é a data em que deverá ser renovada a negociação coletiva entre a categoria e os grandes estúdios de filmes e séries.

A consulta puxada pelo sindicato decidiu por maioria absoluta — 97,85% de um total de 9.218 associados votantes — que uma paralisação poderá ser convocada se não houver acordo com as empresas.

A principal reclamação dos escritores é o achatamento dos salários ao longo dos últimos anos. Os alvos da vez são as companhias de streaming, que vêm redesenhando o esquema de trabalho na mais poderosa indústria audiovisual do mundo.

Mas não é só nos EUA que as condições impostas pelas plataformas têm gerado insatisfação, num momento em que o crescimento do streaming vem patinando e os cancelamentos de novas produções têm sido cada vez mais comuns.

Por aqui, passado o "boom" do mercado de trabalho de roteiristas — iniciado após a Lei 12.485 de 2011, que estabeleceu cotas de conteúdo nacional na TV por assinatura —, também ganha corpo um movimento que cobra direitos e regras para organizar a atividade dos escritores de obras audiovisuais.

"No Brasil, ao contrário dos EUA, as plataformas encontraram um ambiente que não tem nenhuma regulamentação, nenhum acordo coletivo, não tem nada", afirma Paula Vergueiro, advogada da Associação Brasileira de Autores Roteiristas (Abra).

Em evento realizado na semana passada no Rio de Janeiro, o secretário de direitos autorais do Ministério da Cultura, Marcos Souza, afirmou que o tema está no radar da pasta e que uma regulamentação poderá ser discutida em breve.

Por que os roteiristas dos EUA podem entrar em greve?

Há uma série de motivos que explicam o movimento tocado pela WGA, sindicato bastante atuante que, quinze anos atrás, fez seus associados cruzarem os braços por 100 dias.

Em primeiro lugar, é cada vez mais frequente que os roteiristas recebam tão somente o piso salarial estabelecido pelas convenções coletivas.

Além disso, as séries têm ficado mais curtas, com no máximo dez episódios por temporada. Quanto menos cenas para escrever, menos dinheiro para receber.

E há ainda queixas sobre o pagamento dos "residuals", recursos que os roteiristas recebiam toda vez que uma produção era exibida novamente por um canal de televisão, por exemplo. Agora, na era do streaming, a obra fica à disposição para sempre na plataforma — e os escritores não ganham um centavo a mais por isso.

E no Brasil?

Durante muito tempo, viver de roteiro por aqui foi privilégio de um clube bastante exclusivo — estamos falando dos autores contratados para escrever novelas e séries da Globo.

Isso começou a mudar doze anos atrás, com a popularização dos pacotes de TV fechada e a publicação da lei federal que passou a exigir a veiculação de conteúdo nacional nos canais por assinatura.

Logo em seguida, as plataformas de streaming desembarcaram no país com fortes investimentos para conquistar assinantes.

"Enquanto a produção estava farta e tinha muito dinheiro no streaming, muitos roteiristas tiveram um ganho de remuneração", explica Paula Vergueiro.

Mas, assim como se verifica em todo o ecossistema das chamadas "empresas de tecnologia", as plataformas de streaming também estão pisando no freio. E esse novo cenário traz impactos importantes sobre o trabalho dos escritores.

Contratos abusivos e regulamentação

A entrada de novos profissionais também vem contribuindo para uma espécie de "corrida para o fundo do poço", em que os menos experientes topam receber menos para deslanchar na carreira.

De acordo com Paula Vergueiro, outro problema são as cláusulas abusivas dos contratos impostos aos roteiristas. Em alguns casos, os pagamentos são condicionados a entregas.

Isso quer dizer que o escritor só recebe ao final do processo, depois de reescrever muitas vezes o mesmo texto — processo que pode se arrastar por meses.

Além disso, pelas atuais práticas de mercado, um escritor no Brasil abre mão de todos os direitos autorais ao trabalhar na produção de uma empresa de streaming.

"Se a Casa de Papel tivesse sido escrita no Brasil, os roteiristas teriam cedido os direitos para a plataforma e nunca mais veriam R$ 1 sequer", compara a advogada da Abra.

"É preciso regular. Eles [as plataformas de streaming] vão chiar, mas não tem como. Para as produtoras está ruim, para os roteiristas está péssimo", finaliza.