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Carlos Juliano Barros

REPORTAGEM

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Penhora de salário traz risco a superendividados em bancos, dizem entidades

Decisão de corte especial do STJ que ampliou penhora de salários pode prejudicas superendividados, dizem entidades - Getty Images/iStockphoto
Decisão de corte especial do STJ que ampliou penhora de salários pode prejudicas superendividados, dizem entidades Imagem: Getty Images/iStockphoto

03/05/2023 04h00

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Tornada pública na semana passada, a decisão da corte especial do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que ampliou as possibilidades de penhora de salário para pagamento de dívidas acendeu um alerta.

Num contexto em que quase 80% das famílias brasileiras comprometem sua renda para o pagamento de débitos com bancos e instituições financeiras, "a medida do STJ pode esvaziar a Lei 14.181/2021, criada para combater o superendividamento", afirma Ione Amorim, coordenadora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Sancionada dois anos atrás, depois de uma década de discussão, a legislação incentiva o chamado "crédito responsável" e estimula a renegociação de dívidas decorrentes dos juros elevados praticados no mercado brasileiro.

Ainda cabe recurso à medida do STJ. Porém, o receio é de que as instituições financeiras usem o novo entendimento para cobrar na Justiça os valores devidos e deixem de rediscutir taxas de juros consideradas abusivas. Em março, por exemplo, o rotativo do cartão de crédito chegou a 430% ao ano — maior índice desde 2017, segundo o Banco Central.

Para Ione Amorim, a decisão do STJ só amplia as garantias das instituições financeiras e não contribui para o debate sobre crédito responsável. "Quando começamos a discutir a Lei do Superendividamento, dez anos atrás, havia 50% de famílias comprometidas. Hoje, são 80%", diz Ione.

"Precedente grave"

De acordo com o artigo 833 do Código de Processo Civil, o salário só pode ser penhorado em dois casos.

No primeiro, para o pagamento de pensão alimentícia. No segundo, para a quitação de dívidas de pessoas com renda superior a 50 salários mínimos.

Segundo os críticos, a redação do artigo, por ser muito restritiva, acaba "protegendo o devedor" e criando situações do tipo "ganha, mas não leva". Quer dizer, a pessoa vence um processo na Justiça, mas não recebe o valor a que tem direito porque a dívida não é paga.

O que o STJ fez foi flexibilizar a interpretação do artigo 833, permitindo a penhora de salário em outras situações, favorecendo os credores.

"Essa ideia de que o credor é vitimizado no Brasil faz sentido para a pessoa que é atropelada e que não tem dinheiro para pagar as contas do hospital", exemplifica a professora Maria Paula Bertran, professora de Direito Econômico da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto.

No entanto, ela avalia que a decisão do STJ representa um "precedente grave" a favor de instituições financeiras. "Ela esvazia a Lei do Superendividamento que trouxe, pela primeira vez, a obrigação de elas arcarem com a consequência da sua oferta extremada de crédito", complementa a professora.

Dignidade humana

Até o fechamento desta matéria, o acórdão do STJ (o texto completo com a decisão) não havia sido publicado.

Segundo release divulgado no site da corte, a decisão liberou a "penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que assegurado montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família". Assim, caberá aos juízes fixar esse valor, analisando as especificidades da situação.

Luiz Fernando Miranda, coordenador do Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública de São Paulo, levanta algumas preocupações.

Em sua opinião, se não forem definidos critérios claros sobre prazo de cobrança e valor máximo de penhora, o pagamento das dívidas pode se arrastar indefinidamente. "Isso pode trazer transtornos significativos para as famílias", diz o defensor público.

"Deixar na discricionariedade dos juízes é um problema muito grave. Os juízes não são endividados, os juízes não são uma categoria que sinta na pele a oferta insidiosa [traiçoeira, enganadora] e a perda de controle da renda", finaliza Maria Paula Bertran.