Só 24% dos detentos brasileiros trabalham e metade deles não ganha dinheiro
Das 650 mil pessoas privadas de liberdade (PPLs) em unidades prisionais de todo o país, apenas 24% trabalham. Desse total, metade não recebe remuneração pela atividade, ao contrário do que determina o artigo 29 da Lei de Execução Penal (LEP).
Os dados referem-se ao primeiro semestre deste ano e são compilados pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, do governo federal.
Além de aumentar o número de pessoas privadas de liberdade em frentes de trabalho, especialistas ouvidos pela coluna apontam outros desafios, como qualificar as oficinas mantidas pelo Estado ou pela iniciativa privada, bem como aprimorar as políticas de saúde e segurança.
Em julho deste ano, por exemplo, um PPL morreu eletrocutado e outro ficou gravemente ferido no Centro de Progressão Penitenciária de Campinas, no interior de São Paulo, após tomarem um choque de cabos de alta tensão numa oficina dentro do presídio.
Garantir remuneração às PPLs é outro gargalo. "Esse é um dos maiores problemas que existem nas penitenciárias brasileiras", afirma Heiler Natali, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e gerente do Projeto Nacional de Adequação das Condições de Trabalho no Sistema Prisional.
"Se a PPL quer mudar de vida, e não teve a remuneração depositada na conta dela por ocasião do tempo em que cumpriu pena trabalhando, ela sai com uma mão na frente e outra atrás — e com uma família para alimentar", complementa o procurador.
STF determina plano para melhorar sistema prisional
No começo de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu um julgamento de um processo — a ADPF 347 — em que reconheceu a violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro.
Na ocasião, os ministros da instância máxima da Justiça brasileira estabeleceram um prazo de seis meses para que o governo federal elaborasse um plano com o intuito de, dentre outras coisas, reduzir a superlotação e melhorar as condições das penitenciárias, incluindo as das oficinas de trabalho.
A Lei de Execução Penal prevê a chamada "remição de pena" para as pessoas privadas de liberdade que se ocupam de atividades laborais nas penitenciárias. Segundo a legislação, a cada três dias de trabalho, um dia de prisão é descontado.
"Detento não tem de ficar o dia inteiro na cela. Tem de ser recolhido ao final do dia, depois de trabalhar, depois de estudar, depois do banho de sol. Aí, ele volta para a cela para ler um livro", defende Rafael Velasco Brandani, secretário nacional de políticas penais.
Segundo Brandani, o governo federal vem estudando uma série de parcerias para abrir mais frentes de trabalho e incrementar a capacitação dos PPLs.
Uma delas é com o Ministério da Educação (MEC), para a compra de carteiras escolares fabricadas em serralherias dentro de unidades prisionais. Se sair do papel, a previsão é de que sejam investidos R$ 70 milhões —o programa também prevê a formação de mão de obra especializada em dobradura de aço e pintura eletrostática.
"Para além dos investimentos públicos, também é necessário aumentar a participação da iniciativa privada nas unidades prisionais", afirma o titular da Senappen. De acordo com Brandani, uma das prioridades do governo federal é estreitar laços com as entidades de formação profissional do Sistema S, como já ocorre em alguns estados.
"A parceria com o sistema S foi um ponto de virada. Quando uma ex-PPL diz que é formada pelo Senai ou pelo Senac, ela consegue uma entrada melhor no mercado de trabalho", explica o secretário.
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Quero receberFalta de remuneração é um dos principais gargalos do sistema prisional
A Lei de Execução Penal diz que pessoas privadas de liberdade não fazem jus aos direitos previstos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Além disso, em seu artigo 29, estabelece como piso a remuneração equivalente a três quartos do salário mínimo para qualquer PPL envolvida em atividade laboral.
O Ministério Público do Trabalho chegou a questionar esse artigo da LEP na Justiça, defendendo o pagamento de ao menos um salário mínimo às PPL. Porém, em março de 2021, o STF considerou constitucional o pagamento reduzido.
No entanto, de acordo com os dados da Senappen, 50,19% da população carcerária masculina não recebe nada e outros 19,6% ganham menos dos três quartos do salário mínimo previstos na LEP.
Já no caso das mulheres, os dados são um pouco melhores: 42,65% não têm qualquer renda, enquanto 18,04% estão na faixa abaixo dos três quartos do salário mínimo.
"Do ponto de vista do direito internacional, estamos realmente devendo", avalia Jônatas Andrade, juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), referindo-se a convenções internacionais das quais o Brasil é signatária e que proíbem esse tipo de exploração de mão de obra.
Andrade chama atenção para outro problema, para além da remuneração baixa ou inexistente: a dificuldade que PPLs enfrentam em se manter no emprego, depois de saírem da prisão, mesmo tendo trabalhado em oficinas tocadas por empresas privadas dentro dos presídios.
"Isso denota um interesse meramente instrumental de lucro. Usar aquela massa com salários reduzidos, com condições de trabalho que não são as apropriadas", afirma Andrade.
O procurador do MPT, Heiler Natali, defende a ampliação da oferta de oficinas privadas dentro das penitenciárias. Porém, ressalva que é preciso estabelecer "critérios mais inteligentes" para a seleção das empresas. "É necessário que haja um mínimo de correspondência com a vocação econômica da região e que as atividades realmente agreguem à formação das PPLs", finaliza.
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