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Mais treino e menos 'pressão velada': como evitar acidentes de helicópteros

Apesar de estar envolta em uma aura de glamour e de pagar bem a seus profissionais, com salários variando de R$ 10 mil a R$ 50 mil mensais, a atividade de piloto de helicóptero também tem seu "lado b".

Entre 2013 e 2023, 191 ocorrências com esse tipo de aeronave deixaram um saldo de 124 mortes de tripulantes e passageiros, de acordo com dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), ligado à Força Aérea Brasileira (FAB).

Atualmente, existem cerca de 2 mil comandantes em atividade no país, segundo a Abraphe (Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero). A coluna ouviu especialistas e profissionais da área sobre eventuais melhorias no ambiente de trabalho da categoria para evitar a repetição de tragédias como a que deixou quatro vítimas no final do ano passado no município de Paraibuna, próximo ao litoral norte de São Paulo.

Dentre os desafios, destacam-se dois: consolidar uma cultura que coloque a segurança dos voos acima da pressão de empregadores e da ansiedade de clientes, e investir ainda mais em treinamento para garantir que pilotos não se exponham a riscos desnecessários e saibam reagir a situações de perigo.

'Pressão velada'

Basicamente, um piloto de helicóptero pode trabalhar em dois segmentos: táxi aéreo e aviação executiva. No primeiro, empresas prestam serviço de transporte fretado para qualquer tipo de passageiro — de empresários a operários de plataforma de petróleo. Já a aviação executiva atende um público mais exclusivo, dono das próprias aeronaves.

Segundo relatos colhidos pela coluna, em ambos os segmentos não é incomum que pilotos sejam constrangidos a realizar voos sob condições tidas como "não ideais". Profissionais menos experientes, que ainda estão se firmando na carreira, são mais suscetíveis a esse tipo de situação.

O presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Henrique Hacklaender, afirma existir uma espécie de "pressão velada" por parte de alguns operadores, como são conhecidos os donos das aeronaves.

"Muitas vezes, poderia ser melhor estudada aquela operação, poderia sair com mais calma. Mas a necessidade de cumprir o contrato faz com que a operação toda tenha que ser montada às pressas para que ocorra", diz Hacklaender.

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Um piloto ouvido sob a condição de anonimato narra episódios de pressão também por parte de alguns clientes das empresas de táxi aéreo. Mesmo depois de alertados sobre condições adversas de meteorologia, por exemplo, há aqueles que não abrem mão de voar para cumprir seus compromissos profissionais ou familiares.

"Esses caras não estão acostumados a não ter controle da situação e não estão acostumados a escutar 'não'", explica. "Aí, se você sai com o helicóptero, mas volta [sem concluir a viagem, por questões de segurança], você cria uma situação ruim, o cara não quer voltar [a voar pela empresa]. Tem gente que acha que, se a viagem não foi concluída, nem precisa pagar", complementa.

'Disputando o mesmo espaço aéreo'

Os segmentos do táxi aéreo e da aviação executiva estão sujeitos a regulamentações distintas por parte da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

Resumidamente, as empresas de táxi aéreo têm permissão para operar helicópteros de maior porte e estão sujeitas a regras mais rígidas, tanto para o treinamento dos pilotos quanto para a manutenção das aeronaves.

Na avaliação de Marcos Lázaro Burigo, comandante brasileiro radicado nos Estados Unidos com pós-graduação em segurança de voo, as exigências deveriam ser as mesmas para todos os tipos de pilotos — incluindo os de aviões de companhias aéreas, que já são mais "cobrados" do que os colegas do táxi aéreo e da aviação executiva.

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"Como você pode dar um treinamento menor para um setor, sendo que no final a gente vai estar disputando o mesmo espaço aéreo?", questiona.

O presidente da Abraphe, Thales Pereira, defende a importância de capacitações com regularidade mínima de um ano, mas afirma que a realização dos treinamentos "depende do acerto que você teve com o empregador no momento da sua contratação". Ainda segundo Pereira, "basta que o profissional queira estudar, queira aprender — ele tem um vasto material à sua disposição".

Para Burigo, no entanto, os operadores deveriam investir mais em treinamento — principalmente nos chamados "simuladores", que reproduzem situações-limite e capacitam os pilotos a reagirem rapidamente a emergências.

Além disso, os diretores de empresas de táxi aéreo e os proprietários de aeronaves poderiam ser mais sensibilizados sobre questões de segurança. "Tinha que criar uma cultura de que, quando o piloto voltar e falar 'não consegui fazer o voo', ele seja aplaudido: 'Parabéns, você tomou a decisão correta', finaliza.

A coluna entrou em contato com o Sindicato Nacional das Empresas de Táxi Aéreo (SNETA), mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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