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José Paulo Kupfer

Eliminar desconto do IR simplificado prejudica classe média mais baixa

05/10/2020 13h27Atualizada em 05/10/2020 17h02

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A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, repassa para jornalistas uma ideia por minuto. Com a necessidade de estruturar um "auxílio emergencial permanente", demanda do presidente Jair Bolsonaro, a frequência dessas ideias avançou para uma por segundo.

A mais recente dessas ideias é a de extinguir, na declaração anual de ajuste do Imposto de Renda, a modalidade que permite abater 20% dos rendimentos tributáveis, sem comprovação dos gastos, previsto na declaração simplificada. Está ótimo, a medida traria para os cofres públicos uns R$ 25 bilhões por ano, que hoje o governo deixa de arrecadar.

Seria dinheiro suficiente para pôr de pé o Renda Cidadã, programa que ampliaria a cobertura do Bolsa Família e necessita de um montante de recursos desse tamanho —para expandir em 50% o atendimento do Bolsa Família, com benefício mensal de R$ 250, 30% acima da média de R$ 190 do Bolsa Família atualmente. O problema é que tem um teto de gastos no caminho do Renda Cidadã.

Outro problema é que a equipe de Guedes está sempre pensando em tirar dos pobres, ou dos um pouco menos pobres, para dar aos paupérrimos. Tirar dos ricos, ou, mais ainda dos mais ricos, como seria natural, nem pensar.

Faz sentido estender a cobertura do Bolsa Família para um número maior de pessoas. O auxílio emergencial de R$ 600, que alcançou mais de 65 milhões de pessoas, provou-se eficaz para garantir, minimamente, a sustentação física de cidadãos vulneráveis e trabalhadores informais fragilizados.

Mostrou-se ainda valioso para evitar um mergulho ainda maior da economia, e, para a surpresa do próprio Bolsonaro, que relutou em sacramentar a medida, afinal definida e aprovada no Congresso, como forma de angariar dividendos políticos para o governo. A aprovação de Bolsonaro deu um salto positivo entre os segmentos beneficiados pelo programa de renda básica temporária.

Ocorre que, com a regra atual do teto de gastos, nenhum aumento de tributação poderia ser usada para o financiamento de qualquer programa de renda básica permanente. Qualquer expansão ou redirecionamento de receitas públicas, seja por crescimento da economia, seja por alterações no sistema tributário, de acordo com o teto, só pode ser destinado à redução da dívida pública. O teto só permite aumentos de despesas na exata proporção da variação da inflação do ano anterior. Não é afetado por qualquer variação na arrecadação tributária.

São, portanto, balões de ensaio, talvez com outros objetivos, esses "vazamentos" de medidas tributárias para a obtenção de recursos que sustentem programas sociais. Recursos com origem em receitas públicas só poderão integrar os fundos de financiamento de novos programas sociais se o teto de gastos for substituído por uma nova regra de controle de despesas públicas. Sem "flexibilizar" o teto - ou tirar dos pobres -, nada feito.

As despesas infladas em 2020 para sustentar o auxílio emergencial, os subsídios creditícios empresariais, gastos adicionais com saúde, e os recursos que o governo utilizou para bancar parte da redução da jornada de trabalho nas empresas, são créditos extraordinários, permitidos pelo decreto de calamidade pública, que vigora até o fim de 2020, e a PEC (Proposta de Emenda Constitucional), do Orçamento de Guerra. É gasto público que escapa ao teto.

Extinguir a declaração simplificada, de todo modo, é mais uma daquelas ideias de Guedes e equipe que não conseguem esconder a preferência por concentrar ajustes nos andares de baixo da escala de renda. Atinge mais diretamente a classe média baixa de declarantes, deixando intocados os abatimentos dos que, com rendas mais altas, podem bancar planos de saúde e médicos particulares, assim como escolas privadas.

O sistema tributário brasileiro é conhecido pela regressividade gritante, taxando mais quem pode contribuir menos. É um reflexo da sociedade brasileira, que naturaliza a pobreza chocante e a espantosa concentração de renda.

Os abatimentos da declaração completa de ajuste do IR compõem uma faceta relevante dessa regressividade. Contribuintes de rendas mais altas são beneficiados num ponto em que os de rendas mais baixas não podem se beneficiar. Quem recorre ao sistema público de saúde, obviamente, não terá comprovantes de despesas médias para apresentar à Receita Federal.

Sem limites e sem restrição de tipo de despesa médica - gastos inevitáveis com doenças graves e tratamentos estéticos são igualmente abatíveis -, os abatimentos médicos na declaração completa do IR se equiparam à isenção da taxação de lucros e dividendos entre os itens mais regressivos do sistema tributário. Por que permanecem preservados é uma questão que precisa ser respondida pelo governo.