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José Paulo Kupfer

Governo tem que adotar renda básica em 2021 para evitar explosão da pobreza

15/10/2020 04h00

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Preocupado com a marcha ascendente dos gastos e da dívida pública, o ministro Paulo Guedes tem usado qualquer microfone à disposição para reafirmar que o auxílio emergencial e outros programas de sustentação de empregos simplesmente serão descontinuados na virada do calendário de 2020 para 2021. Guedes teme que investidores acentuem a retirada de recursos do país, desconfiados de que o governo do presidente Jair Bolsonaro, movido por interesses político-eleitorais, se incline por novos transbordamentos nas contas públicas.

Os temores de Guedes podem fazer sentido, mas a promessa de retomar o compromisso de promover um ajuste fiscal, baseado na retirada da rede de proteção social montada no decorrer da pandemia, é irrealista. São imensos os riscos sociais que poderiam se potencializar com a inexistência de um programa mais permanente de transferência de renda para cidadãos vulneráveis e trabalhadores informais.

Estimativas do CPS/FGV (Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getúlio Vargas) mostram que, durante a pandemia, com o auxílio emergencial e outras medidas de sustentação de renda e emprego, 15 milhões de brasileiros saíram da zona de pobreza. Pobres, no conceito utilizado no estudo, são aqueles com renda familiar per capita abaixo de meio salário mínimo.

De acordo com o levantamento, em agosto deste ano, o contingente de brasileiros pobres somava 50 milhões de pessoas, representando 23,7% da população total. Este é o ponto mais baixo de uma série que chegou a 65,2 milhões de pobres, representando 31% da população, em 2019.

A não substituição dos atuais programas de sustentação de renda e emprego resultarão não só numa reversão da trajetória de redução da pobreza, em 2021. Como, no ano que vem, os efeitos da pandemia, na atividade econômica e no emprego, ainda não terão sido inteiramente superados, o volume de pobres e vulneráveis tenderia a aumentar.

Esse retrocesso não seria sentido só no Brasil, O FMI (Fundo Monetário Internacional) calcula que, como efeito da pandemia, 90 milhões de pessoas em todo o mundo podem cair na extrema pobreza (menos de US$ 1,90 por dia), em consequência da pandemia. Pela primeira vez em 20 anos, seria registrado aumento no número de pobres em escala mundial.

Uma das consequências mais nefastas da tendência do aumento da pobreza é a ampliação do espectro da fome ou da insegurança alimentar entre os brasileiros. Pesquisa recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) constatou um retrocesso nos mapas da fome no Brasil, que poderá ser ampliado com a falta de programas de sustentação mais permanente de renda. Em pouco menos de 10 anos, a partir de 2004, o número de brasileiros em situação de insegurança alimentar caiu pela metade, de 15 milhões, em 2004, para 7,2 milhões, em 2013.

Cinco anos depois, em 2018, esse número voltou a crescer, alcançando 10,3 milhões de pessoas. Se nada for feito, não só para assegurar renda estável a vulneráveis e informais, mas também para garantir estoques reguladores que estabilizem os preços de alimentos, será real a probabilidade de que a fome volte a rondar o cotidiano de um em cada cinco brasileiros.

Ao reconhecer que o Brasil se saiu melhor do que seus pares emergentes na sustentação da população vulnerável, com o que também conseguiu mitigar os impactos negativos da pandemia na atividade econômica, o FMI sancionou a necessidade de estruturar uma rede de proteção social, liderado por um programa permanente de renda básica. Mas, ao mesmo tempo, alertou para os limites fiscais enfrentados por tal tipo de medidas.

O FMI também constatou que o Brasil está entre os países que, proporcionalmente, mais gastaram com o enfrentamento da pandemia. Só com o auxílio emergencial - de R$ 600 mensais, nos primeiros cinco meses, e de R$ 300, nos quatro meses restantes até o fim de 2020 - terão sido gastos R$ 320 bilhões, nove vezes a despesa anual com o programa Bolsa Família, beneficiando quase 70 milhões de pessoas. Tudo incluído, o déficit público deve chegar, no fim do ano, ao recorde de R$ 850 bilhões, equivalentes a 12% do PIB.

Reflexos dessa escalada de gastos são inevitáveis na trajetória da dívida pública. O FMI, na revisão de projeções deste mês de outubro, calcula que a dívida pública bruta passará de 100% do PIB, em 2020, só passando a recuar, assim como o próprio déficit, a partir de 2025.

A pressão social, porém, não será menor do que a pressão fiscal. Assim, será preciso encontrar um ponto de equilíbrio para responder, positivamente, às duas demandas - a da manutenção de uma rede de proteção social e a da retomada do ajuste nas contas públicas. É ilusão acreditar que isso possa ser possível apenas com cortes nas despesas do governo. A saída mais provável deve contemplar uma combinação de cortes de gastos, aumento de tributação, como, aliás, propõe o FMI, e flexibilização de regras de controle fiscal, sobretudo a do teto de gastos.

Um grupo de personalidades do meio empresarial já se antecipou ao inevitável debate do desenho de uma renda básica, mas obedecendo a limites fiscais, e entregou ao governo e a parlamentares, uma proposta de projeto de lei para a adoção de uma renda básica permanente, ao custo de R$ 70 bilhões anuais, o dobro do atualmente gasto com o Bolsa Família. Os empresários sugerem a destinação de 30% dos recursos obtidos com a reforma administrativa e de outros 30% provenientes de privatizações para compor um fundo que bancasse o programa de renda básica sugerido.