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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Economia em desordem forçará BC a subir juros mesmo com desemprego recorde

16/03/2021 04h00

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A desorganização evidenciada no governo Bolsonaro, que tem prejudicado o combate à covid-19, também está presente na condução da economia. O colapso dos hospitais, com a consequente escalada do número de mortos, tem exigido a decretação de restrições crescentes à circulação de pessoas, mercadorias e da prestação de serviços. Com isso, a atividade econômica também é duramente afetada.

Quando a economia faz água, ao mesmo tempo em que sobem os preços, principalmente em segmentos críticos, como alimentos e combustíveis, não há dúvida de que há desarranjos na economia. O consenso de que o Copom (Comitê de Política Monetária) decidirá por uma alta na taxa básica de juros (taxa Selic), ao fim da reunião de março, nesta quarta-feira (17), em um ambiente de retração da atividade, no qual sobressai uma taxa de desemprego recorde, é prova suficiente de que as variáveis econômicas saíram dos trilhos.

Não é só atitude negacionista do governo, em relação à vacinação e à necessidade de restringir o contágio de covid-19, que está por trás da desordem que tomou conta da economia. Ao negacionismo se juntam recuos sistemáticos, na tentativa de tirar o corpo fora dos erros cometidos. O vaivém acaba provocando mais danos à atividade e exigindo mais recursos para contê-los.

A sabotagem com a vacina é o mais emblemático. Só o avanço acelerado na vacinação permitirá o retorno a uma relativa normalidade. Agora que percebeu a cretinice de renegar a vacina, Bolsonaro até quer promover campanhas pela vacinação. Mas o país perdeu o primeiro bonde das vacinas e agora enfrenta escassez de oferta. Levantamentos da Fiocruz apontam que, ao longo deste mês de março, o ritmo de vacinação vem diminuindo. No passo atual, segundo a pesquisa, levará dois anos e meio para que toda a população acima de 18 anos seja imunizada.

Também foi assim com o auxílio emergencial em 2020. Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, tanto resistiram que acabaram tendo de engolir o amplo programa decidido no Congresso Nacional. Não preparam medidas de controle de despesas para compensar pelo menos parte dos R$ 300 bilhões, o equivalente a 4% do PIB, que acabaram sendo transferidos para 65 milhões de pessoas.

O exemplo do programa de sustentação de renda, que, no fim, impediu perdas de mais de R$ 500 bilhões em 2020 - o PIB (Produto Interno Bruto) recuou 4,1% no ano, contra quase 10% de queda, nas projeções anteriores à adoção do auxílio -, não foi incorporado pelo governo. Montado na negação de uma segunda onda de covid-19, o governo fez um corte súbito no auxílio e só deve renová-lo, em dose insuficiente, por apenas quatro meses, no quarto mês de 2021.

Guedes tentou vincular o novo auxílio a uma revisão constitucional de largo alcance em temas fiscais que, apesar da correria, resultou numa desidratação quase óbvia desse objetivo. A inversão de prioridades - o mais importante seria sustentar renda, emprego e empresas - cobrará preço alto. A sustentação de pessoas e da atividade ficou insuficiente, e o esforço para cortar gastos resultou magro.

Enquanto isso, o Orçamento de 2021, já quase no fim do primeiro trimestre, continua sem discussão, rumo e aprovação. Soluções emergenciais para evitar paralisações da máquina do governo aumentam o risco de desorganizar ainda mais as contas públicas.

Em seu perfil no Twitter, o economista Leonardo Ribeiro, analista do Senado Federal, especialista em contas públicas, deu um testemunho de quem acompanha de perto as questões fiscais. "O Brasil vive uma desordem na área fiscal, sem planejamento e orçamento", descreveu Ribeiro. "O caos na área da saúde é similar ao que se verifica no fiscal". E completou: "Nunca vi nada parecido, nem mesmo no biênio 2015-2016".

Muitos atribuem as pressões inflacionárias do momento aos gastos públicos destinados ao enfrentamento da pandemia. Eles somaram um montante de fato considerável em 2020, atingindo R$ 570 bilhões no total, equivalentes a robustos 7,5% do PIB. Mas evitaram, como já mencionado acima, perdas de mais de R$ 500 bilhões.

Sem a percepção de que as contas públicas estão desorganizadas e que, por isso, o Tesouro teria dificuldades em rolar uma dívida pública explosiva, caso o BC não aumente os juros - o que, paradoxalmente, pressionará a própria dívida -, a situação fiscal, possivelmente, estaria menos tumultuada. É, por vias tortas, o que sugerem analistas do mercado financeiro e até mesmo integrantes da equipe econômica do próprio governo.

Depois da reaparição do ex-presidente Lula no jogo político, na semana passada, jornalistas foram informados dos temores, no ministério da Economia, de uma escalada populista de Bolsonaro. Os assessores de Guedes ecoavam preocupações de economistas de bancos e consultorias econômicas, e se diziam temerosos de que o presidente bloqueasse o andamento de propostas de reformas enxugadoras de despesas.

Afora a ironia de responsabilizar Lula pela perspectiva de o próprio governo aumentar gastos contra a vontade do ministro da Economia, o "vazamento" de tais preocupações só indica uma tentativa de blindar Guedes da eventual ação deletéria de seu próprio chefe no campo fiscal. Pode parecer uma grande esquisitice, mas no governo Bolsonaro, não passa de situação quase um padrão. E que apenas evidencia a raiz na base das causas da promoção de uma desordem generalizada, que atinge em cheio a economia.

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