Logo Pagbenk Seu dinheiro rende mais
Topo

José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com pandemia e Bolsonaro, Brasil vive processo acelerado de empobrecimento

26/04/2021 16h10

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A pandemia de covid-19 atropelou todos os países. As dificuldades sanitárias, com reflexos na economia, são generalizadas. Alguns países, porém, estão se saindo melhor do que outros.

São bem conhecidas as razões dessa diferença. Os países que estão se saindo melhor são aqueles mais eficazes em dois níveis de providências: sanitárias e econômicas. No campo da saúde, adotaram mais cedo medidas efetivas de distanciamento social, testagem em massa para detectar infectados, isolando-os em quarentenas, e se preveniram, contratando, antecipadamente, estoques suficientes de vacinas.

Os que estão se saindo melhor na mitigação dos impactos negativos da pandemia na atividade econômica, desenharam e executaram mais rápido programas de sustentação de renda, garantia de emprego e amparo a empresas. Os custos desses programas foi em geral bastante elevado, mas os resultados estão mostrando ganhos líquidos, com a recuperação mais rápida e mais robusta da atividade econômica.

O Brasil não faz parte do grupo de nações que está se saindo melhor no enfrentamento da pandemia. Na verdade, é um dos que tem saído pior. O número de infectados e mortos é alto, seja em termos absolutos, seja em relação ao tamanho da população, e ainda não mostra arrefecimento na trajetória acumulada.

No caso da vacinação, o processo ainda está lento e com lacunas na oferta de imunizantes. A falha, provocada por escassez de vacinas que não foram contratadas a tempo, além de contribuir para manter elevado o ritmo de circulação do vírus, aumenta o risco de mutação, com o surgimento de novas variantes mais resistentes e agressivas. E ainda dificulta a recuperação econômica.

No campo econômico e da proteção social, o país foi razoavelmente bem, no primeiro ano da pandemia. Apesar da hesitação do governo federal, o Congresso abriu espaços orçamentários não só para a adoção de um auxílio emergencial parrudo e amplo, mas também para o amparo ao emprego e a empresas. Programas de apoio aos negócios de pequeno e médio portes, com cobertura de parte dos salários dos funcionários entraram em prática, com resultados efetivos.

O governo brasileiro aplicou, em 2020, recursos públicos da ordem de 4% do PIB apenas com o auxílio emergencial. No total, na saúde e na economia, para enfrentamento da pandemia, foram gastos mais de R$ 500 bilhões, o equivalente a 7,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Em termos relativos, o montante não chegou perto dos 20% a 30% do PIB despejados por países ricos, caso dos Estados Unidos e da Alemanha, no combate à pandemia, mas foi suficiente para evitar um mergulho devastador da atividade econômica. Com suporte do auxílio emergencial e dos programas de sustentação de renda e emprego, o PIB caiu 4,1% no ano, menos do que em boa parte dos países, quando, no pico da primeira onda, em maio, chegou-se a prever contração de 10%. no ano

Reflexo desses programas, apesar do negacionismo, que condenou ao fracasso o combate à doença, a curva da pobreza e da desigualdade social, que vinha subindo desde a grande recessão de 2014-2016, registrou recuo, em 2020. Um erro escandaloso de diagnóstico, porém, reverteu novamente a tendência dos indicadores sociais e de renda. Em 2021, a pobreza e a fome voltaram a assombrar com intensidade a sociedade brasileira.

Levantamento do Made (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades), da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração, da Universidade de São Paulo) mostra que o número de pessoas na situação de extrema pobreza caiu de 10 milhões, em 2019, para 5 milhões, em 2020. Ao mesmo tempo, o contingente de pobres recuou de 50 milhões de pessoas, em 2019, para 40 milhões em 2020.

Mas a previsão é a de que os brasileiros em situação de extrema pobreza formem, em 2021, um exército quatro vezes maior do que no ano passado, avançando para um total de 20 milhões de pessoas. Já o número de pobres registraria, pelas projeções do Made, incremento de 50%, subindo para 60 milhões.

As faixas que definem extrema pobreza e pobreza, no estudo do Made, são as mesmas usadas pelo Banco Mundial, ou seja, US$ 1,90 por dia e US$ 5,50 por dia, respectivamente. Convertendo para reais, as pessoas com renda mensal, em 2020, R$ 151 e R$ 436 fariam parte do grupo de pobres extremos e pobres, respectivamente. Em 2021, a renda mensal na extrema pobreza seria de R$ 162 e, na pobreza, de R$ 469.

Não é possível eximir o governo Bolsonaro de culpa nesse retrocesso. Assim como o auxílio de 2020 está na base da redução da pobreza, o atrasado e restrito programa de suporte de 2021 é parte das causas da volta de largos grupos de cidadãos aos níveis maiores de pobreza.

O governo, por meio de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, não se preocupou em escalonar o encerramento do auxílio emergencial, cortando-o de forma súbita no fim de 2020. Ao mesmo tempo, sabe-se lá com base em que informações, considerou que eram "baixíssimas" as chances do recrudescimento da covid-19, descartando os impactos de uma segunda onda.

Mais preocupado com as pressões fiscais de uma nova rodada de auxílio emergencial amplo, Guedes atrelou a concessão de um programa restrito de sustentação de renda à aprovação de cortes em conta públicas. O auxílio enfim aprovado, por apenas quatro meses e no valor médio de R$ 250, alcançando 45 milhões de pessoas - contra quase 70 milhões, em 2020 - soma um total de R$ 44 bilhões, cerca de 15% do valor total aplicado no auxílio de 2020.

Os números e projeções do Made-USP são corroborados por outros estudos. A FGV Social (Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getúlio Vargas), por exemplo, projeta perdas de 15% nos rendimentos das classes mais pobres - D e E -, em 2021. Em estudo recente, projeta um aumento de 6 milhões de pessoas na faixa de extrema pobreza, neste ano, representando 16% da população.

Em seu levantamento, a FGV Social localizou migração de 35 milhões de pessoas da classe C, desde agosto do ano passado, último mês do auxílio de R$ 600 reais mensais. Enquanto estima redução de 532 mil domicílios de classe C, em 2021, prevê um aumento de 1,2 milhão de residências nas classes D e E.

Não há como driblar a conclusão de que o Brasil vive um etapa de empobrecimento acelerado de sua população.