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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Reforma do IR bate em muro de interesses e pode cair num buraco

06/07/2021 18h10

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A reforma na parte referente ao Imposto de Renda (IR), chamada de fase dois do projeto de alteração das regras tributárias, bateu num muro de interesses e ameaça cair num buraco do qual pode ter dificuldades para sair. A estratégia de fatiar as mudanças de regras tributárias, avançando com alterações na taxação das rendas, enquanto se mantinha hibernando a simplificação dos tributos sobre bens e serviços, parece não estar dando certo.

Entidades e lideranças empresariais articulam-se no Congresso para evitar a aprovação a toque de caixa do projeto de lei 2337/2021. Como reflexo dessa articulação, especialistas ligados a essas entidades e lideranças ganham espaço na mídia para criticar as propostas do governo Bolsonaro. O PL reúne mudanças na tributação da renda de pessoas, empresas e aplicações financeiras, com a introdução de uma taxação de lucros e dividendos, até aqui isentos do pagamento de impostos.

Era possível imaginar que o projeto desenhado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, enfrentaria resistências. Previa-se que haveria discussão em torno de "bodes na sala", introduzidos por Guedes no PL para negociar outros itens, bem como a aparição de "jabutis", trazidos para a árvore do PL por parlamentares, com novos pontos de interesse de quem eles representam.

Com o PL das mudanças no IR, são quatro propostas de reforma tributária enfileiradas no Congresso. Além da reforma do IR, estão lá a do PIS/Cofins, a da PEC 45 e a da PEC 110. Estas duas últimas tratam da tributação de bens e serviços, buscando simplificar e unificar o sistema, reunindo vários tributos num único. Em resumo, uma confusão.

Mesmo assim, Guedes e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pensaram ser possível apressar a tramitação da matéria. Lira chegou a dizer que pretendia votar o PL antes do recesso, previsto para 15 de julho. O prazo, porém, não deverá ser cumprido.

Pressionado, o relator do PL, deputado Celso Sabino (PSDB-BA), nesta segunda-feira (5), já ensaiou um discurso para tranquilizar setores empresariais e bancos, falando em "diálogo" e "tempo de maturação" antes da votação da proposta. "Vamos escutar todos os lados e decidir formando consensos", marcou o relator.

Apesar de declarações oficiais em contrário, feitos os cálculos, conclui-se que haveria aumento de carga tributária. Além disso, desde que foi entregue à Câmara há pouco mais de uma semana, o projeto pegou mal no mercado financeiro, onde a taxação sobre lucros e dividendos, antes inexistente, está sendo considerada excessiva e prejudicial ao investimento.

Por mirar classes de renda mais elevadas, notoriamente privilegiadas no sistema tributário vigente, já se esperavam resistências. Nem tanto pelo aumento na faixa de renda limite para a isenção, na tabela do IR, mas, sobretudo pelo fato de a reforma do IR determinar taxação em 20% de lucros e dividendos, o que foi por muitos classificado, não sem razão, como uma ironia da História.

A História, basta se debruçar sobre seus detalhes para concordar, se desenrola pontilhada de ironias. O reatamento das relações diplomáticas dos Estados Unidos com a China comunista e o fim da guerra do Vietnã, por exemplo, foram eventos em que se destacou o então presidente americano Richard Nixon, indiscutível falcão político republicano linha dura.

Soava estranho, sem dúvida, a proposta de Guedes, em nome do governo Bolsonaro. Era, afinal, um governo de viés político de direita sem disfarces, além de ultraliberal na economia, conduzindo a reversão de uma isenção de tributos existente apenas no Brasil e na Estônia, que havia sido instituída no governo social-democrata de FHC e que passara incólume pelos mandatos à esquerda de Lula e Dilma Rousseff.

Sem falar que essa promoção de justiça tributária tem como objetivo acumular recursos para sustentar um programa Bolsa Família turbinado. Tratava-se, em resumo, do ponto de vista da visão econômica liberal, de uma inversão entre a proclamada maior eficiência do mercado, na alocação de recursos, e a intervenção estatal na economia.

Embaladas pela queda da aprovação do presidente Bolsonaro e de seu governo, apontada pelas pesquisas de opinião mais recentes, crescem as desconfianças de que o objetivo "social" do governo seja principalmente eleitoral. Indicação de que Bolsonaro só pensa em seu projeto de manutenção do poder, do qual o negacionismo diante da crise sanitária e humana da pandemia de covid-19 é a mais trágica tradução, foi dada, recentemente, pelo próprio Guedes.

Bolsonaro estaria pressionando o ministro, segundo relatos ouvidos na equipe econômica, a não só ampliar o Bolsa Família, mas também liberar verbas para obras públicas, arrumar recursos para reajuste salarial de servidores e ainda reservar recursos para o voto impresso. Guedes e sua equipe querem que Bolsonaro estabeleça prioridades para 2022.