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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

PEC para zerar imposto em combustível é esforço enorme para resultado pífio

21/01/2022 17h15

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A ideia de reduzir o preço dos combustíveis e as tarifas de energia, na ponta do consumidor, apenas com corte dos tributos que incidem sobre os produtos, é daquelas soluções simples para um problema complexo - e totalmente equivocada. Mas o presidente Bolsonaro parece querer insistir nesse tipo de solução que não soluciona nada.

Na tradicional "live" semanal, Bolsonaro anunciou, nesta quinta-feira (20), que negocia com o Congresso uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para reduzir - ou mesmo eliminar - tributos federais incidentes na venda de combustíveis e de energia elétrica, e com isso baixar os preços dos produtos. Quer também incluir o ICMS, imposto estadual, que ele já culpou pela alta dos preços dos combustíveis, e foi reduzido e congelado pelo Congresso, sem nenhum resultado prático. É muito esforço para resultado provavelmente decepcionante e pífio.

Cálculos feitos por integrantes da própria equipe econômica do governo, conforme relato do jornal "O Estado de S. Paulo", mostram que a redução dos preços, nos combustíveis, depois de todo o esforço com tramitação e aprovação, na Câmara e no Senado, em dois turnos de votação em cada casa, seria quase irrisório. Com o litro da gasolina acima de R$ 6, o corte ficaria entre R$ 0,18 e R$ 0,20 - cerca de 3%.

Isso se deve ao fato de que, sobretudo no caso dos combustíveis, em que os preços ao consumidor são livres e os tributos são calculados "por dentro", ou seja, são embutidos no preço final, cortes de impostos podem simplesmente se transformar em aumento de margem de comercialização - ganho extra para o fornecedor -, sem afetar os valores cobrados, ou, no máximo, induzindo reduções inexpressivas nos valores cobrados. No governo Bolsonaro, já houve reduções em tributos nos combustíveis, assim como em outros produtos, como games, com resultados frustrantes.

Há outros lados na redução de tributos negociada por Bolsonaro com o Congresso. As contas públicas, já tão apertadas, seriam prejudicadas pela redução na arrecadação. Estima-se que, com a PEC aprovada, a arrecadação federal perderia R$ 50 bilhões por ano - incluindo a isenção de tributos nas contas de energia, a perda chegaria a R$ 60 bilhões/ano. Sem falar no drible legal na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Nunca também se deve deixar de lembrar que esforços na direção de estimular o uso de veículos movidos a combustíveis fósseis, vão na contramão da preservação do meio ambiente e da contenção do aquecimento global.

Bolsonaro está preocupado com os efeitos desses preços na inflação - e, em consequência, nos seus índices de popularidade -, mais ainda mais em ano eleitoral em que tentará a reeleição. A questão é mesmo preocupante por pelo menos quatro motivos.

O primeiro é a tendência de alta nas cotações internacionais do petróleo. O valor do barril do tipo Brent, considerado padrão do mercado, subiu 50% em 2021, e já está 15% mais alto em 2021. Do ponto mais baixo, no pico da primeira onda de covid-19, quando as cotações desceram a US$ 15, aos US$ 90 dos últimos dias, ocorreu um aumento de 500%

Projeções internacionais apontam para novas altas, com o preço do barril alcançando US$ 100, no terceiro trimestre deste ano, podendo chegar a US$ 125, ao fim de 2022 e atingir US$ 150 em 2023. Estreitamento da capacidade de produção, inclusive por redução nos investimentos em exploração, estoques, por isso mesmo, cada vez mais baixos e as quase permanentes tensões geopolíticas nas regiões produtoras formam entre as justificativas para as altas na cotações.

Um segundo motivo para a alta dos preços e sua influência sobre a inflação vem das perspectivas de desvalorização da taxa de câmbio, com o real perdendo valor em relação ao dólar e, assim, encarecendo as importações. Com a aceleração já anunciada da normalização do excepcional volume de recursos injetados na economia pelo Fed (Federal Reserve, banco central americano), e a elevação gradual da taxa de juros de referência na economia americana, a tendência é de fortalecimento do dólar, em relação às demais moedas, em especial a de países emergentes.

Por condições específicas, o real figura historicamente entre as moedas que mais se desvalorizam nas ondas de fortalecimento do dólar nos mercados globais. Esse é um dado importante na equação, sem falar na política de preços da Petrobras, mencionada mais abaixo, porque, embora a produção de petróleo, principalmente nas regiões do pré-sal, seja ascendente, o Brasil importa combustíveis refinados, cujos preços, ao ingressar no mercado interno, são diretamente impactados pelas cotações do dólar.

A menos que o Banco Central brasileiro intensifique ainda mais as altas na taxa básica de juros (taxa Selic) em 2022, o que é improvável pelas dificuldades adicionais que seriam impostas à atividade econômica, a tendência, pelo menos numa boa parte de 2022, é a de um real mais desvalorizado ante o dólar. Em combinação com as elevações das cotações internacionais, essa possibilidade bem concreta tenderia a pressionar o preço interno.

Além das cotações internacionais e da desvalorização do real ante o dólar, altas de preços dos combustíveis e na energia elétrica são preocupantes porque, de fato, têm influencia significativa e negativa no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), o medidor de inflação mais importante porque baliza o sistema de metas. A decomposição da variação do IPCA em 2021, por exemplo, mostra que as altas nos preços do litro da gasolina responderam por quase um terço no total da elevação do IPCA. Mais da metade da inflação do ano passado veio de combustíveis - gasolina, diesel, etanol, gás de cozinha - e das tarifas de energia.

Mas o fator que, acima de todos os demais, tem levado às alturas os preços do combustíveis é o único em que o governo tem algum poder de interferência efetivo, por ainda ser o acionista majoritário na estatal. Trata-se da política de preços da Petrobras, denominada PPI (Política de Paridade de Importação), adotada em 2016, no governo Temer.

A PPI determina que a Petrobras promova aumentos automáticos dos preços dos combustíveis entregues às refinarias, com base nas variações das cotações internacionais, a taxa de câmbio e custos internos. Aplicando a PPI, a Petrobras promoveu, em 2021, 11 aumentos e 4 reduções nos preços da gasolina. O efeito líquido foi uma alta de 74% para as refinarias, que resultou em elevação de 47% para os consumidores, nas bombas.

Essa política, que objetiva evitar a descapitalização da empresa, tem, ao contrário, resultado em lucros extraordinários, distribuídos ao governo, principal acionista da Petrobras, e a acionistas privados. Com a PPI, na prática, a Petrobras, ainda que produtora e exportadora, opera como importadora de derivados de petróleo.

Muito mais efetivo do que cortar tributos, que são embutidos nos preços, seria o caso de rever essa política. Há propostas, no Congresso, de criação de fundos de estabilização de preços, permitindo reajustes de preços dentro de bandas de máximos e mínimos temporários, absorvendo as oscilações nos mercados internacionais e nas cotações do dólar.

O projeto mais avançado é de autoria do senador Rogério Carvalho (PT-SE), já aprovado em comissões, que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) promete levar a plenário em fevereiro. Além de considerar diferenças entre custos internos de produção e de importação na formação dos preços, o projeto prevê a criação de um imposto de exportação de petróleo, cujos recursos seriam destinados a sustentar o fundo de estabilização de preços. Bolsonaro, orientado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, por enquanto repele a ideia de um fundo estabilizador de preços de combustíveis.