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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Volta da Selic a dois dígitos é preventiva para alta nos juros externos

02/02/2022 19h20

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A melhora no desempenho das contas públicas no fim de 2021, concretizada com a surpresa de um superávit primário de 0,75% do PIB no ano, combinado com um ciclo de quedas nas cotações do dólar em janeiro não foram suficientes para evitar que o Copom (Comitê de Política Monetária) definisse, nesta quarta-feira (2), uma alta de 1,5 ponto percentual, na taxa básica de juro (taxa Selic), na primeira reunião de 2022. Assim, depois de quase cinco anos, os juros básicos voltaram aos dois dígitos, fixados em 10,75% nominais ao ano.

Diante dos resultados fiscais e do fluxo positivo de dólares para o mercado de ações, que chegou a R$ 32,5 bilhões no mês passado, o que equivale a quase 50% do volume total de ingressos de dinheiro externo na Bolsa brasileira em todo o ano de 2021, alguns analistas chegaram a supor que o Copom, na hora H da decisão, pudesse atenuar a elevação na Selic que vinha sinalizando em sua comunicação com o mercado financeiro. Pode-se entender que o Comitê resolveu criar um colchão de segurança não só para as incertezas econômicas - e aqui em especial no campo fiscal -, mas também para turbulências políticas em ano eleitoral.

A alta de 1,5 ponto pode ter uma outra justificativa inicial. Seria uma espécie de ação preventiva diante do início das elevações da taxa de juros de referência do Fed (Federal Reserve, banco central americano), anunciada para março. Juros mais altos no mercado americano fortalecem o dólar e mexem com a alocação de recursos no conjunto dos mercados mundo afora. É, portanto, preciso manter algum tipo de alinhamento para evitar fuga de investidores e pressões adicionais sobre as cotações da moeda americana.

Há quase consenso que a melhora fiscal do ano passado não se confirmará em 2022, assim como o fluxo de recursos externos para o mercado financeiro tende a arrefecer com a normalização monetária liderada pelo Fed. No comunicado com o detalhamento da decisão da reunião de fevereiro, o Copom, a propósito, deixou claro que se preocupa com o comportamento da política fiscal ao longo de 2022.

"Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancorarem das expectativas de inflação e, portanto, a assimetria altista no balanço de riscos", descreve o comunicado. Embora a convicção geral seja a de que a inflação tende a ceder mais à frente, entende-se que o Copom buscou consolidar a mensagem de que não hesitará em manter os juros básicos mais altos, produzindo contração monetária, para manter a inflação sob controle.

Mesmo diante dessas preocupações, o Copom indicou, no comunicado, que a tendência é de redução no ritmo de altas da taxa básica de juros. Se confirmada a mensagem transmitida, a Selic terá elevação de um ponto percentual em março, passando a 11,75% ao ano. A dúvida é se o ciclo de altas será encerrado nesse nível ou se a taxa básica ainda avançará até mesmo a 13%, como projetam alguns analistas, mesmo com a atividade econômica fraca prevista.