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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

PT quer ocupar ministérios-chave, mas por ora nome de ministro é chute

01/11/2022 16h34Atualizada em 01/11/2022 17h37

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Sem qualquer surpresa, a transição de governo, na sequência da vitória do ex-presidente Lula, nas eleições presidenciais de 2022, começou tumultuada. O presidente Jair Bolsonaro, derrotado nas urnas por margem estreita de dois milhões de votos, recusou-se por mais de 40 horas, depois da divulgação do resultado, até o início da tarde desta terça-feira (1), a aceitar o resultado. Às 16h30, em pronunciamento de dois minutos no Palácio da Alvorada, Bolsonaro não reconheceu explicitamente a derrota eleitoral, e reafirmou alguns de seus slogans de campanha, como a expressão "Deus, Pátria, Família e Liberdade", emulados de movimentos fascistas.

Inconformados com o resultado, e estimulados pelo silêncio de Bolsonaro, apoiadores do presidente bloquearam estradas e avenidas, em variados pontos do país. O agravante é que os inconformados contaram com apoio da PRF (Polícia Rodoviária Federal), exigindo que o STF (Superior Tribunal Federal) obrigasse a força policial a dissolver os bloqueios.

Alguns movimentos, porém, deram início ao processo de transição, à revelia de Bolsonaro e de parte de seus apoiadores. O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, conversou com o vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, recebeu telefonemas da presidente do PT, Gleisi Hoffman, e de Edinho Silva, prefeito de Araraquara (SP) e um dos coordenadores da equipe de comunicação da campanha petista. Também o TCU (Tribunal de Contas da União) declarou disposição de colaborar com o fornecimento de informações à equipe de transição do futuro governo.

Presidente eleito, Lula passou o primeiro dia depois da vitória em contatos internacionais. Logo depois de proclamado o resultado, ainda na noite de domingo, chefes de estado e de governo de grande número de países parabenizaram o ex-presidente pela vitória, dando apoio à legitimidade do pleito e de seu resultado. Pela rapidez e amplitude, pareceu uma iniciativa combinada, já prevendo a contestação do resultado por Bolsonaro, completada por conversas por telefone, na segunda-feira (31), com mais de uma dezena de líderes mundiais, entre eles o presidente americano Joe Biden e o francês Emmanuel Macron.

Antes de viajar para a Bahia, onde planejava descansar alguns dias, Lula fez as primeiras indicações para a equipe de transição. Nomes para ministérios terão de esperar a volta do presidente eleito. A coordenadores de sua campanha eleitoral, Lula disse que não nomearia ministros pela imprensa.

Se já há nomes escolhidos para compor o novo governo, só Lula sabe quem seriam, de acordo com informações obtidas no núcleo central da coordenação de campanha do presidente eleito. Evidentemente, Lula tem autonomia para indicar seus ministros, mas espera-se que procure obter a aprovação dos partidos que formaram a frente eleitoral vitoriosa, em especial o próprio PT, antes de um anúncio público.

Até agora, depois da eleição, a direção do partido ainda não se reuniu. Dirigentes petistas, com posição de destaque na coordenação da campanha, defendem que alguns ministérios-chave de um governo, como Fazenda, Justiça, Defesa e Casa Civil, deveriam ser destinados a quadros do partido.

A bolsa de apostas está agitada, com a circulação de uma lista grande de nomes. À maneira da tradição no mundo do futebol, quando se abre a janela de transferência de jogadores, especulações e os chutes estão correndo soltos, como lembrou, em seu perfil no Twitter, o jornalista Mauricio Stycer, colunista do UOL.

Para ministro da Fazenda, o cargo em que recaem os mais fortes holofotes, já foram mencionados mais de dez nomes. A única informação que até aqui merece crédito é a de que o escolhido será alguém com trânsito no Congresso e conhecimento de seu funcionamento. Sabe-se que, nos contatos com empresários e dirigentes do mercado financeiro, Lula jogou nomes para colher a reação dos interlocutores, mas sem dar indicações de que escolhas já estivessem definidas.

Entre os nomes mais mencionados, nas bolsas de apostas, estão ex-governadores petistas de estados nordestinos e parlamentares do PT com experiência em cargos no Executivo. Também técnicos filiados a outros partidos ou sem filiação partidária, com passagens pela direção de órgãos públicos, fazem parte das especulações. É ainda maior a lista de candidatos para a chefia de outros ministérios da área econômica e comando de bancos ou empresas públicas.

De concreto, por enquanto, foi anunciado que Alckmin será o coordenador da equipe de transição. Lula também escalou Wellington Dias, senador eleito pelo PT e ex-governador do Piauí, como interlocutor do senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator do Orçamento de 2023, sobre a situação das contas públicas e a revisão da proposta orçamentária enviada por Bolsonaro. Castro apoiou Lula, e é próximo de Dias.

O enviado de Lula para entendimentos com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), será o deputado cearense José Guimarães. Lira, aliado de Bolsonaro, foi a primeira autoridade a fazer um pronunciamento acatando o resultado das urnas. No pronunciamento, declarou-se pronto a dialogar com os vencedores.

Existe lei em vigor, aprovada no fim do governo FHC, em 2002, que regula o processo de transição. A lei estabelece passos detalhados das relações entre representantes do governo e dos sucessores. De responsabilidade da Casa Civil, a transição independe de atos e vontades do presidente em fim de governo.

Mesmo que o acesso a documentos e informações seja garantido em lei e venha a ser facilitado por autoridades do governo Bolsonaro, o processo de transição desta vez será bem complicado. Um ponto crucial reside na decisão do Supremo em relação ao orçamento secreto. O julgamento da legalidade das emendas de relator, base do orçamento secreto, está na agulha para ser julgado, mas o processo ainda não foi liberado para julgamento pela relatora, justamente a presidente do STF, ministra Rosa Weber.

Há muitas outras incertezas. Por exemplo, ainda não se sabe, de fato, o exato volume de gastos públicos despejados na economia pelo esforço eleitoral de Bolsonaro, e, portanto, do rombo a ser coberto. As estimativas variam de R$ 150 bilhões a R$ 400 bilhões. Além disso, não há como prever o quanto a caneta de Bolsonaro, com novos gastos imprevisíveis e sem lastro em recursos existentes, ainda pode impactar as contas públicas, nos dois meses de governo que lhe restam.