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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ideia de moeda comum sul-americana é só para desviar de problemas reais

23/01/2023 11h52

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Quase com a constância da batida do relógio, o tema da moeda comum aparece nos encontros entre presidentes do Brasil e da Argentina. O presidente Lula está em visita à Argentina, a primeira ao exterior em seu terceiro mandato, e a ideia da moeda comum, confirmando a regra, está de volta.

É bom ir logo dizendo que, mais uma vez, não vai dar em nada — ou levar no mínimo uma década para aparecerem as primeiras possibilidades reais, se os governos de fato se empenharem na tarefa. Relançar, de tempos em tempos, a ideia da moeda comum é uma estratégia manjada dos presidentes dos dois países e de seus ministros na tentativa de desviar a atenção dos reais problemas das duas economias.

Fugir dos problemas incluindo na roda uma moeda comum ou única não tem nem lado ideológico. O ex-ministro Paulo Guedes, por exemplo, em artigo publicado em 2008, há uma década meia, portanto, já falava nas "vantagens" do "peso-real". Em 2019, em encontro com o então presidente argentino Maurício Macri, o ex-presidente Jair Bolsonaro também anunciou que estava em discussão a criação futura do "peso-real".

Este agora, como quase sempre, é um momento de crise nas duas economias. A brasileira se vê às voltas com fragilidades nas contas públicas e os argentinos vivem sua histórica hiperinflação — a alta dos preços, em 2022, chegou perto de 100%.

Brasil e Argentina são parceiros comerciais naturais, pelo tipo de economia relativamente complementar de ambas e a fronteira comum entre os países. A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, respondendo por cerca de 5% do comércio externo brasileiro. Já o Brasil é o maior parceiro comercial da Argentina. Veículos e peças automotivas são, atualmente, o segmento principal do comércio entre os dois países, ao lado das compras de trigo argentino pelo Brasil.

Além de toda a perda de energia com uma questão ainda mais teórica do que prática, tem a confusão que o (re)lançamento de "estudos para implantação de uma moeda comum" sempre produz. Moeda comum entre países é muito, mas muito diferente de moeda única.

Moeda comum designa um meio de pagamento, hoje em dia certamente digital, que poderia ser utilizada, principalmente por exportadores e importadores, em transações comerciais e financeiras. A ideia principal é a de substituir o dólar no comércio direto entre os países envolvidos, poupando divisas em moedas fortes para cada lado.

A moeda comum pode até ser encarada como primeiro passo, mas está longe de se confundir com moeda única. Moeda única seria aquela que circularia nos países, usada por toda a população, em substituição às moedas locais, enquanto a moeda comum circularia em paralelo, e com fins específicos, às moedas locais, sem substitui-las.

Melhor exemplo de moeda única é o euro. A moeda única circula na Zona do Euro, que reúne a maioria dos países da União Europeia, como meio de pagamento legal e geral. Da criação do primeiro bloco econômico na Europa, em 1957, até o início da adoção do euro como moeda local, em 2002, se passaram 45 anos. Enquanto uma moeda comum, para comércio e finanças, depende basicamente de segurança jurídica, que assegure sua aceitação nas trocas diretas, a implantação de uma moeda única exige forte alinhamento nas contas públicas e na gestão monetária dos países envolvidos.

No caso do euro, por exemplo, há limites para o déficit e a dívida pública, e a gestão monetária é exercida por uma entidade supranacional, o BCE (Banco Central Europeu). A política cambial dos países que adotam a moeda única também fica mais restrita, dificultando soluções para aqueles com maiores desequilíbrios econômicos.

A adesão à moeda europeia exige que as economias dos países cumpram os seguintes critérios:

  • A taxa anual de inflação não pode ser superior a 1,5 ponto percentual da média dos países da UE com as melhores taxas de inflação;
  • O déficit público não deve superior ao equivalente a 3% do PIB do país;
  • A dívida pública não pode ser superior a 60% do PIB do país ou, se exceder este limite, o país deve adotar esforços para promover sua redução, aproximando-se do valor de referência;
  • As taxas de juro de longo prazo não devem superar em mais de 2 pontos percentuais a média dos três países que registrem menor inflação no grupo;
  • Participação no mecanismo europeu de taxas de câmbio (mecanismo que limita as flutuações entre o euro e as moedas nacionais) durante dois anos.