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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nova âncora requer combinar com 'russos' do Congresso aumentos da receita

30/03/2023 16h07

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A regra de controle das despesas, finalmente apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta quinta-feira (30), tem várias travas e limites capazes de estabilizar e, num prazo mais longo, equilibrar as contas públicas, reduzindo a dívida pública. Mas, como depende da evolução das receitas públicas para dar certo, fica faltando combinar com os "russos" do Congresso.

No novo arcabouço apresentado pelo governo Lula, a evolução das receitas públicas passa a funcionar como base da regra de controle, com a despesas limitadas a crescer em ritmo determinado por uma percentagem da expansão da arrecadação.

Como funciona a nova âncora?

Se a meta de resultado primário se mantiver dentro de uma banda de variação, daqui até 2026, as despesas totais, com exceção do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e do piso constitucional de enfermeiros, poderão avançar a cada ano o equivalente em volume até 70% da arrecadação. Se o resultado primário ficar abaixo do piso da meta, o crescimento das despesas será limitado a 50% da receita.

Na arquitetura da nova âncora fiscal, que substituirá o infeliz e falecido teto de gastos, Haddad precisou equilibrar a necessidade de apresentar um conjunto de medidas de controle de despesas capaz de ser cumprido com exigências do presidente Lula, expressas em promessas de campanha, de "incluir o pobre no Orçamento", o que significa na prática, pressão sobre os gastos.

Carga tributária vai aumentar?

Ao apresentar o novo arcabouço fiscal, Haddad dedicou tempo ao que chamou de "recomposição da base fiscal". A expressão é uma forma elegante de anunciar a eliminação ou redução de privilégios fiscais, aumentando a arrecadação e abrindo espaço para mais despesas. Os gastos tributários, nos quais se incluem privilégios fiscais mencionados pelo ministro, somam mais de R$ 300 bilhões em perdas anuais de arrecadação para o governo.

As travas adotadas cumprem a função de impor limites aos gastos. Mas a garantia de que haverá espaço para as despesas sociais necessárias dependerá, de acordo com Haddad, dessa "recomposição da base fiscal". É, portanto, depois do exame e votação na Câmara e no Senado que a nova âncora ficará ou não de pé.

Se bem sucedida, a "recomposição da base fiscal" implicará aumento da arrecadação e, possivelmente, da carga tributária, ainda que sem criação de novos tributos ou aumento de alíquotas, como Haddad garantiu que não ocorreria. Carga tributária expressa a relação entre o total da arrecadação e o PIB (Produto Interno Bruto) nominal. Se a arrecadação cresce mais do que o PIB, a carga aumenta, se cresce menos do que o PIB, a carga se reduz, independentemente de mudanças tributárias.

Segundo o economista José Luiz Oreiro, professor da UnB (Universidade de Brasília), pode-se imaginar que o governo supõe ser capaz de obter receitas extraordinárias para fechar uma equação em que o governo tem de perseguir, ao mesmo tempo, meta de resultado primário em articulação com meta de gastos.

"O governo só controla um dos componentes do resultado primário — controla despesas, mas não receitas, que dependem do crescimento da economia. Mesmo com as travas impostas às despesas, a equação não fecha, a não ser que se esteja contando com receitas extraordinárias". José Luis Oreiro, professor da UnB

Sem combinar com os "russos" do Congresso, a nova âncora fiscal pode deixar o barco da economia mais uma vez à deriva.