José Paulo Kupfer

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Opinião

Com taxação de fundos, Lula inicia batalha para incluir super-ricos no IR

Chegaram ao Congresso a medida provisória e o projeto de lei que dão início às batalhas do governo Lula para cumprir a promessa de campanha eleitoral de "incluir o rico no Imposto de Renda". Há resistências entre parlamentares e a aprovação das medidas depende do arranjo ministerial que o presidente Lula oferecerá ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e ao Centrão, grupo político liderado por Lira.

São essas resistências que despertam desconfianças de que seja possível cumprir a meta de déficit fiscal primário zero, prometida pelo governo já para 2024, com superávits a partir de 2025. Feitas as contas, seria necessário adicionar às receitas ordinárias algo em torno de R$ 150 bilhões para alcançar o equilíbrio fiscal. É missão difícil, mas não impossível, que depende de intensa negociação política.

A MP trata de mudanças na tributação de fundos de investimento fechados e exclusivos, com o objetivo de igualar fundos com um único cotista ou uma única família cotista à tributação dos fundos de investimentos em geral. O projeto de lei, negociado com a Câmara para aprovar a isenção do IR para rendas mensais até dois salários mínimos, modifica a cobrança de impostos de fundos offshores, mantidos no exterior por brasileiros, em geral em paraísos fiscais.

Só super-ricos detêm fundos exclusivos e offshores. Eles formam um seleto grupo de 2,5 mil fundos exclusivos, que somam ativos em torno de R$ 750 bilhões. Já os fundos offshores de brasileiros residentes no país acumulam ativos próximos a R$ 1 trilhão.

São dois casos de exceções tributárias, que não só ferem os princípios de justiça fiscal, mas também produzem perda de arrecadação pública, e, no final da linha, impõem ineficiências à economia. Enquanto os fundos de investimento abertos têm os rendimentos taxados duas vezes por ano, os fundos exclusivos e os fundos offshores só pagam impostos no resgate de cotas — e, no caso dos offshores, também na remessa para o país.

Tributar esses fundos especiais faz parte do esforço do governo Lula para promover um ajuste fiscal que não se concentre no corte de despesas públicas, como tentaram, sem grande êxito, os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Sob a condução do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o atual governo pretende equilibrar as contas públicas também com aumentos de receita.

A taxação desses fundos ajudaria a compensar, por exemplo, a perda de arrecadação com a ampliação das faixas de isenção do Imposto de Renda. Mas estão longe de cobrir a diferença entre o que Lula pretende gastar, em projetos sociais e estímulos à atividade econômica, e as projeções de arrecadação.

As medidas agora encaminhadas ao Congresso são a ponta de lança de um projeto mais ambicioso, de complementação da reforma dos tributos sobre o consumo, já aprovada na Câmara e em tramitação no Senado, com uma reforma da tributação do Imposto de Renda. A criação de alíquotas acima do teto de 27,5%, para altas rendas, mas, principalmente, a taxação de lucros e dividendos são os pontos mais importantes dessa parte da reforma tributária, que deverão enfrentar fortes resistências de grupos de interesses, com representação no Congresso.

Reformar o sistema tributário é um imperativo não só de justiça social, mas também quando se pensa em termos de eficiência econômica. São já inúmeras as comprovações de que o sistema brasileiro é altamente regressivo, ou seja, taxa mais que pode contribuir menos, e essa característica traz dificuldades adicionais ao desenvolvimento da economia.

A mais recente constatação do caráter regressivo da carga tributária brasileira veio da análise do Sindifisco, sindicato dos auditores fiscais da Receita Federal, a partir das informações fornecidas pelas declarações do Imposto de Renda de pessoas físicas em 2022, sobre rendimentos obtidos em 2021. Enquanto a alíquota efetiva incidente sobre contribuintes que declararam ganhos totais acima de 160 salários mínimos — o equivalente a R$ 2,1 milhões por ano ou R$ 176 mil por mês — ficou abaixo de 5,5%, menor do que a paga por professores do ensino fundamental, enfermeiros, bancários e mesmo, na média, por médicos.

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Ao tributar mais extratos de renda inferiores, o sistema brasileiro, por definição, exige maior esforço fiscal para obter a mesma arrecadação que poderia ser alcançada com uma distribuição mais equânime da tributação. Significa que uma correção dessas distorções poderá trazer mais eficiência econômica.

Aliviar a carga sobre as rendas mais baixas, distribuindo melhor a tributação pelo conjunto dos estratos sociais, contribuiria para ampliar o consumo, acelerar a atividade, ampliar o emprego. Na volta do parafuso, o crescimento econômico poderia garantir aumento na arrecadação e mais espaço para a execução de políticas sociais, além da garantia de uma melhor prestação de serviço pelo poder público em educação, saúde e segurança, que são suas atribuições essenciais.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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